Fauna amazônica

Cientista acusado de biopirataria consegue liberdade

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13 de agosto de 2007, 18h02

O cientista Marc Van Roosmalen, condenado a 14 anos de reclusão por coleta de exemplares da fauna amazônica, conseguiu liberdade. O pedido de Habeas Corpus foi concedido, na quarta-feira (8/8), pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (AM). O processo será analisado, agora, com o pesquisador em liberdade. Roosmalen é holandês, mas naturalizado brasileiro.

Entre os crimes pelos quais Roosmalen foi condenado, esteve o de manter 28 macacos em cativeiro em sua residência sem autorização. No processo, Roosmalen afirmou que usava seu quintal como hospital veterinário. O cientista também foi autuado por transportar ilegalmente macacos e orquídeas coletados em Barcelos (a 450 km de Manaus). Pelos crimes ambientais, ele somou um ano e seis meses de condenação.

Pela acusação de peculato, Roosmalen fora condenado a 14 anos e três meses. Em 2003, ele foi alvo de uma sindicância no Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), onde trabalhava desde 1986. A entidade o demitiu porque ele teria enviado material genético para o exterior sem autorização.

Em 2002, Roosmalen também protagonizou um episódio controverso. Ele foi acusado de tentar vender, pela internet, o direito à escolha de nomes científicos de novos macacos a quem estivesse disposto a pagar de US$ 500 mil a US$ 1 milhão. A promessa era doar o dinheiro a projetos de conservação ambiental.

“Eu peguei 14 anos de prisão porque fiz ciência”, disse Roosmalen à Folha de S. Paulo, ao sair da prisão. “Fui vitima de política. Há vinte anos faço levantamento de flora e fauna neste país. O problema é que eu vi demais.” Roosmalen, que descobriu seis novas espécies de primatas na Amazônia, aparentemente era avesso a burocracias e colecionador de inimigos.

Para conseguir o Habeas Corpus, os advogados tiveram de convencer os juízes do TRF de que o primatólogo não fugiria do Brasil. “Roosmalen sempre viajou e retornou ao país. Ele é naturalizado”, afirmou Creuza Barbosa Cohen, advogada de defesa.

“Com o Habeas Corpus, eu voltei a acreditar na Justiça brasileira”, disse o pesquisador. Nos dias em que ficou na cadeia Roosmalen, dividiu cela com outros cinco presos. Ele estava preso desde o dia 15 de junho.

Leia a entrevista que o cientista concedeu logo após sair da prisão:

Como o senhor avalia a sua condenação e a sua prisão?

Roosmalen — Eu tenho certeza de que eu sou vítima de política. Não fiz nada errado. Eu só fazia pesquisa, levantamento de fauna e flora, mas sem querer eu vi demais. Minha ciência foi criminalizada. Eu peguei 14 anos por fazer ciência.

O senhor é conhecido por ser avesso à burocracia. Este foi o problema?

Roosmalen — Sou meio anarquista, no sentido bom da palavra. Não quero ser impedido. A ciência que me manda. Quero, até o último dia da minha vida, pesquisar, especialmente a mata amazônica. Lá é meu terreno. Entre os rios Tapajós e Madeira, encontrei um ecossistema totalmente novo. Antes de mim, ninguém tinha feito absolutamente nada lá. Achei 20 espécies de mamíferos aquáticos e terrestres.

Como é ir de “herói do planeta” — como o senhor foi considerado pela revista “Time” em 2000 — a detento?

Roosmalen — Parece novela. Acho que o romance que mais se encaixa na minha história é “O Processo”, de Kafka. É isso o que aconteceu comigo. Só que meu final, pelo menos até aqui, parece vitorioso, porque no livro o personagem é morto.

Mas o que o senhor diz sobre as acusações? Os macacos estavam mesmo no seu quintal?

Roosmalen — Sim, mas tem uma longa história por trás disso. Era um projeto de quarentena que eu comecei em convênio com o Ibama. A convite deles em 1989 eu iniciei um trabalho de reabilitação e reintrodução à natureza de animais confiscados pelo Ibama. A quarentena em minha residência se originava na época do convênio. Cada vez que me mudei de casa, eu pedi de novo para obter o registro, mas nem negar eles negaram, simplesmente não se manifestaram. Parte dos animais que eu criava havia dez anos foram colocados lá, ainda nenês, pelo próprio Ibama.

O que o sr. diz das acusações de peculato? Uma delas é o sumiço de um andaime do Inpa.

Roosmalen — Eu nunca me apropriei de andaime nenhum. O que estava no meu quintal foi comprado por mim, não é o que sumiu.

E a alegação de venda de nomes científicos?

Roosmalen — Eu não estava vendendo nada. Por dois meses, no site da minha ONG, eu pedi doações para comprar títulos definitivos de reservas particulares de patrimônio natural. A idéia era comprar terras com biodiversidade extremamente alta para poder protegê-la. Mas não deu em nada porque o Ibama me acusou de usar essas reservas para fazer tráfico de animais. Me trataram como o maior biopirata da história da Amazônia.

O senhor nega isso?

Roosmalen — Mas é claro. Nunca dei nem um periquito para amigos. Lá era o melhor lugar para os animais terem uma segunda chance de poderem voltar para a natureza. Muito menos vendi.

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