Tratamento médico

Direito à vida prevalece sobre o dever de manter alguém preso

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12 de agosto de 2007, 0h00

A necessidade de manter alguém preso não pode chegar ao ponto de negar tratamento médico adequado para o réu. Com esse entendimento, o juiz Adilson Polegato de Freitas, da 12ª Vara Criminal de Cuiabá, concedeu Habeas Corpus para o delegado Edgar Fróes. O delegado conseguiu liminar para ser internado com urgência em um hospital que tenha estrutura para atender casos de depressão aguda e hipertensão.

Fróes está preso preventivamente no presídio Pascoal Ramos, em Cuiabá, há três anos, pelo assassinato da empresária Marluce Alves e do filho dela, Rodolfo Alves Lopes. “O Estado, sob o manto da repressão criminal, não pode ser conivente com o perecimento de uma vida”, entendeu o juiz. Cabe recurso.

De acordo com a denúncia, a empresária foi assassinada porque tinha em mãos documentos que comprometeriam o delegado. O duplo assassinato aconteceu no dia 18 de março de 2004, no Jardim Shangri-lá, em Cuiabá. Na época, o crime teve grande repercussão já que as vítimas eram bastante conhecidas, e o acusado, um delegado respeitado na cidade.

A defesa do delegado, representada pelo advogado Eduardo Mahon, argumentou que Fróes está preso sem julgamento por três anos e que seu estado de saúde se deteriorou na prisão. De acordo com Mahon, o diretor do presídio negou a transferência do delegado para um hospital mesmo depois que perícia médica demonstrou que Fróes precisava de tratamento médico adequado. Para o advogado a decisão contraria a Constituição Federal.

Polegato acolheu o argumento. “O artigo 5º da Constituição Federal garante a inviolabilidade do direito à vida a todas as pessoas indistintamente. Trata-se de bem maior tutelado pelo Estado. A precariedade da saúde do paciente que não vem sendo submetido a tratamento adequado compromete diretamente seu direito à vida”, afirmou.

“O direito à vida é um direito subjetivo de defesa, ou seja, o indivíduo tem o direito perante o Estado a não ser morto por este ou, em outras palavras, o Estado tem a obrigação de se abster de atentar contra a vida do indivíduo”, concluiu.

Precedentes

Foi a gravidade do estado de saúde do juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, 79 anos, condenado por desviar dinheiro da construção do fórum trabalhista de São Paulo, que garantiu sua prisão domiciliar. Para a Justiça Federal em São Paulo, o juiz tem problemas de saúde que justificam tratamento médico em casa. Nicolau também sofre de depressão.

Em março deste ano, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, oficiou o Ministério Público e a Defensoria Pública de São Paulo, bem como as secretarias estaduais de Administração Penitenciária e da Justiça para arcar com suas responsabilidades para atenuar o sofrimento de um preso doente de câncer e portador do vírus HIV.

Celso de Mello ficou indignado com o caso do preso, já moribundo, que deixou de ser transferido da prisão para ser tratado num hospital com a alegação de que não havia escolta para acompanhá-lo. A manifestação do ministro deu-se no âmbito do julgamento do pedido de Habeas Corpus ajuizado por João Batista Toledo, em causa própria. Por não ser da competência do STF examinar a matéria, o ministro não teve o que decidir. Mas, por razões humanitárias, solicitou informações às autoridades responsáveis. Os dados que lhe foram fornecidos são estarrecedores: o estado de saúde do detento chegou a tal ponto que nenhum outro preso suportava ficar na mesma cela que ele, tal o mau cheiro de suas feridas.

O ministro não conheceu do pedido por considerar que o autor da ação não indicou a autoridade coatora, além de não existir nos autos elementos para reconhecer a competência do STF para analisar a causa.

Contudo, o pedido revelou a precariedade do estado de saúde do preso e de sua situação, “em aparente (e gravíssima) violação à norma constitucional que determina, ao estado e a seus agentes, o respeito efetivo à integridade física da pessoa sujeita à custódia do Poder Público” — artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal. O ministro enviou ofício às autoridades competentes no caso determinando que fosse proporcionado o devido tratamento ao preso.

Toledo está preso no presídio de Itirapina, no Interior de São Paulo, cumprindo pena por tráfico de drogas. Devido a seu gravíssimo estado de saúde, pediu remoção para o Centro Oncológico de Jaú (SP), onde poderia ter um tratamento mais adequado. A transferência porém não foi feita sob alegação das autoridades de o Estado não ter meio de transporte adequado para levá-lo do presídio para o hospital.

O ministro ficou sensibilizado com o “caso grave e doloroso como jamais vira”. Para Celso de Mello, a negativa do Estado em atender ao pedido do preso equivaleria a uma condenação à morte. Considerou também o descaso das autoridades um “ato degradante contra a Constituição”. Mesmo tendo sido condenado por tráfico de drogas, o preso não perde o direito à dignidade.

Na região sul do país, Joel Roberto Munarini teve a pena de 34 anos perdoada pela 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Portador do vírus HIV e com vários outras doenças, Munarini recebeu no dia 8 de maio, por unanimidade, indulto condicional.

Segundo o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, é a primeira vez em Santa Catarina que um presidiário com uma enfermidade grave, como a AIDS, tem sua pena perdoada pela Justiça. “O Estado não pode negar a uma pessoa o direito de se tratar adequadamente ou de morrer com dignidade”, justifica.

Leia a decisão do caso Edgar Fróes

Decisão interlocutória própria – não padronizável proferida fora de audiência. HABEAS CORPUS Nº 54/2007 IMPETRANTE: EDUARDO MAHON PACIENTE: EDGAR FRÓES Vistos, etc…, Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado pelos ilustres advogados, Dr. Eduardo Mahon, Dra. Sandra Alves e Dr. Eduardo Luiz Arruda Carmo, em favor de EDGAR FROES, objetivando reparar constrangimento ilegal perpetrado pelo Diretor do Presídio Pascoal Ramos – Anexo I – Polinter que não autorizou a internação do paciente para tratamento de saúde. Consta dos autos que o paciente vem apresentando sérios problemas de saúde, necessitando se internar para tratamento especializado.

O artigo 5º, caput, da Constituição Federal garante a inviolabilidade do direito à vida a todas as pessoas indistintamente. Trata-se de bem maior tutelado pelo Estado. A precariedade da saúde do paciente que não vem sendo submetido a tratamento adequado, mesmo tendo sua necessidade sido demonstrada pela perícia médica do sistema público e aquela realizada por profissional particular (fls. 11/16), compromete diretamente seu direito à vida.

O Estado, sob o manto da repressão criminal, não pode ser conivente com o perecimento de uma vida. Tal atitude contrariaria explicitamente, além da Constituição Federal, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, aprovado pela XXI sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas que reza: “1. O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei, ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida. (Parte III, art. 6).”

Segundo CANOTILHO, o direito à vida é um direito subjetivo de defesa, ou seja, o indivíduo tem o direito perante o Estado a não ser morto por este ou, em outras palavras, o Estado tem a obrigação de se abster de atentar contra a vida do indivíduo (Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Coimbra. Portugal: Livraria Almedina, 2000. p. 526/533/539).

Dessa forma, por entender satisfatoriamente demonstrada a necessidade de internação do paciente e face ao risco eminente de prejuízo irreversível à sua saúde, concedo a liminar pleiteada, determinando sua imediata transferência à unidade de saúde. Solicite-se as informações junto a autoridade acoimada coatora.

Cuiabá, 04 de agosto de 2007.

ADILSON POLEGATO DE FREITAS

JUIZ DE DIREITO

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