Objetivos econômicos

Igreja é condenada a reconhecer vínculo de emprego com obreiro

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12 de agosto de 2007, 0h00

Quem arrecada dinheiro numa igreja não precisa ter fé, mas sim de um vínculo de trabalho. Com base neste entendimento, o Tribunal Regional do Trbalho da 2ª Região (São Paulo) condenou a Igreja Pentecostal Deus é Amor a reconhecer vínculo empregatício com o obreiro Domazio Pires de Andrade e pagar todas as verbas trabalhistas devidas a ele. A decisão confirma sentença de primeiro grau no mesmo sentido.

Para os juízes da 11ª Turma do TRT-2, o obreiro trabalhava para a entidade religiosa mediante subordinação, cumprindo jornada (que era, inclusive, registrada no livro de presença) e em atividade que não dizia respeito à fé. Consideraram também que havia aplicação de penas e descontos na hipótese de faltas e atrasos. O obreiro trabalhou por 21 anos na igreja.

“Portanto, não se tratava de relação fundamentada apenas e tão somente na crença e na fé, mas essencialmente em objetivos econômicos”, acrescentou o juiz Carlos Francisco Berardo (relator).

A igreja, para se defender, alegou que a relação jurídica entre o obreiro e ela foi motivada pela fé, em decorrência de uma vocação do próprio autor da ação. Afirmou que a anotação de presença no livro não retratava a realidade vivida.

Os argumentos não foram aceitos. O relator Francisco Berardo esclareceu que a dedicação à fé não exige relógio de ponto. Ele acrescentou que os elementos probatórios do processo confirmaram a presença dos pressupostos do artigo 3º, da CLT.

De acordo com o artigo, empregado é toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

“Claro que nem somente à oração dedicam-se os fiéis da Igreja. Há outras tarefas e funções socialmente válidas. No caso, porém, a atividades do recorrido ia muito além da parte social, como demonstra as provas. Era de natureza econômica”, finalizou o juiz ao condenar a igreja a fazer anotações na carteira de trabalho do obreiro, pagar aviso prévio e férias vencidas.

Leia a decisão

ACÓRDÃO: 20070207822

PROCESSO TRT/SP:00017200602802005

RECURSO ORDINÁRIO – 28 VT de São Paulo

RECORRENTE: Igreja Pentecostal Deus É Amor

RECORRIDO: Domazio Pires de Andrade

EMENTA

RECURSO ORDINÁRIO. CONTRATO DE TRABALHO

ART. 3º, DA CLT. A prova põe de manifesto que o reclamante, controlando a arrecadação, trabalhava para a entidade religiosa mediante subordinação, cumprindo jornada (que era, inclusive, registrada no livro de presença) e em atividade que não dizia respeito à fé.

Havia aplicação de penalidade e desconto na hipótese de faltas e atrasos. Portanto, não se tratava de relação fundamentada apenas e tão somente na crença e na fé mas essencialmente em objetivos econômicos.

Fazem-se presentes, na hipótese, os requisitos estabelecidos para o reconhecimento do contrato de trabalho.

ACORDAM os Juízes da 11ª TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em: por unanimidade de votos, DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso ordinário para que seja aplicada a interpretação das Súmulas 368 e 381, nos termos da fundamentação do voto.

São Paulo, 20 de Março de 2007

CARLOS FRANCISCO BERARDO

PRESIDENTE E RELATOR

PROCESSO TRT/SP nº 00017200602802005 – 11ª TURMA

RECURSO ORDINÁRIO

Recorrente : igreja pentencostal deus é amor

Recorrido : domazio pires de andrade

Origem : 28ª Vara do Trabalho de São Paulo

Recurso ordinário. Contrato de trabalho. Art. 3º, da CLT. A prova põe de manifesto que o reclamante, controlando a arrecadação, trabalhava para a entidade religiosa mediante subordinação, cumprindo jornada (que era, inclusive, registrada no livro de presença) e em atividade que não dizia respeito à fé. Havia aplicação de penalidade e desconto na hipótese de faltas e atrasos. Portanto, não se tratava de relação fundamentada apenas e tão somente na crença e na fé mas essencialmente em objetivos econômicos. Fazem-se presentes, na hipótese, os requisitos estabelecidos para o reconhecimento do contrato de trabalho.

I – Relatório

Adoto o relatório da r. sentença de fls. 89/94, que julgou a reclamação parcialmente procedente, complementada a fls. 101/102, da qual recorre a reclamada pelas razões de fls. 106/111, todas a seguir mencionadas.

Há contrariedade.

II ― Fundamentaηão

1 ― Conheço porque estão presentes os pressupostos subjetivos e objetivos estabelecidos na Lei para essa finalidade.

2 – Contrato de trabalho – A recorrente aduz que a r. sentença não subsiste em face da inexistência de contrato de trabalho.

Alega que a relação jurídica havida foi motivada pela fé, em decorrência de uma vocação.

Afirma que a existência de circulares indicando jornada – documentos estes que foram impugnados – não retrata a realidade vivida pelas partes.

Mantenho.

A percuciente, circunstanciada e criteriosa análise da prova a que procedeu o r. julgado, em que assentou a jurídica conclusão, subsiste íntegra, por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Os elementos probatórios constantes dos autos confirmam a presença dos requisitos e pressupostos do art. 3º, da CLT. para a caracterização do contrato de trabalho mantido com o reclamante ora recorrido.

Havia pessoalidade na prestação de serviço; contraprestação, mediante pagamento de salário; atividade destinada ao implemento dos fins da recorrente e, sobretudo, dependência econômica e subordinação jurídica.

Havia cumprimento de jornada. O comparecimento do recorrido era controlado mediante livro de presença. Faltas e atrasos eram objeto de desconto. Havia inclusive imposição de penalidades. Fazia controle de arrecadação.

Assim, verifica-se que a relação havida entre as partes não dizia respeito ao caráter religioso e confessional, exclusivamente. Havia – isto sim – substrato de natureza econômico-financeira de modo preponderante.

A dedicação à fé não exige relógio de ponto. Com certeza.

A esse respeito, diz grande místico: “A oração deve ser breve e pura, a não ser que tenha de se prolongar por sentimento de inspiração da graça divina. Em comunidade, porém, seja muito breve a oração. Se quisermos sugerir alguma coisa às pessoas poderosas, não teremos a presunção de fazê-lo, a não ser com humildade e reverência. Quanto mais ao Senhor Deus do universo devemos suplicar com toda humildade e devoção pura. E podemos saber que não é no muito falar, mas na pureza de coração e com lágrimas de contrição que seremos atendidos” (São Bento). Et reliqua.

Claro que nem somente à oração dedicam-se os fiéis da Igreja. Há outras tarefas e funções socialmente válidas. No caso, porém, a atividade do recorrido ia muito além da parte social, como demonstra a prova. Era de natureza econômica.

3 – Horas suplementares – A recorrente busca reforma do aresto aduzindo que não há comprovação de jornada estendida. Argumenta com a imprestabilidade do depoimento da testemunha, já que esta (segundo alegou na reclamação trabalhista que também ajuizou) trabalho até 10 de abril de 2004, ou seja, cerca de dois meses antes da alegada saída do recorrente.

Rejeito.

O fato alegado pela recorrente não descaracteriza o valor probatório e a força probante das declarações da testemunha. OJ SDI-1 nº 233.

4 – Contribuição previdenciária e atualização – Provejo em parte para aplicação das Súmulas 368 e 381, esta quanto à correção monetária.

Relativamente à prescrição, nota-se a ausência de manifestação prévia. Tampouco houve prequestionamento. Nada obstante, não há qualquer fundamento para acolhê-la em vista do reconhecimento do tempo de serviço e do não-recolhimento.

III ― Dispositivo

Por todo o exposto, dou PROVIMENTO PARCIAL ao recurso para que seja aplicada a interpretação das Súmulas 368 e 381.

CARLOS FRANCISCO BERARDO

Juiz Relator

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