Lei do grampo

Lei e juízes deixam de lado garantias constitucionais

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10 de agosto de 2007, 12h02

A Constituição Federal afirma que é inviolável o sigilo da correspondência e de conversas telefônicas, salvo, em último caso, para investigação criminal ou instrução processual penal. A Lei das Interceptações Telefônicas (9.296/96) autoriza o grampo na investigação de todo e qualquer crime de reclusão. Será que quando o legislador constitucional disse “em último caso” ele pensou em qualquer crime punido com reclusão?

O questionamento foi feito pelo professor e procurador de Justiça em São Paulo, Roberto da Freiria Estevão, durante o Congresso Nacional de Direito, organizado pelo Instituto Nacional de Direito, em Marília, interior de São Paulo. Esse é apenas um exemplo do que classificou como desrespeito às garantias individuais constitucionais praticadas pelos legisladores, que parecem ignorar ou fazer uma livre interpretação da Constituição Federal ao criar normas. E também dos juízes, quando deixam de lado direitos, princípios e regras constitucionais em suas decisões, segundo o procurador.

Quando há conflitos entre eles, não se pode passar por cima de um ou de outro, mas ir em busca da harmonização. Colocá-los numa balança e decidir o que é melhor para o caso concreto, diz. Para isso, é preciso seguir o caminho da ponderação. Observar a adequação da medida escolhida, a sua necessidade e a sua proporção, num sentido estrito. O que não acontece nas operações da Polícia Federal, em que as primeiras provas e mais importantes partem da quebra de sigilo telefônico. Para Estevão, esse fato fere o princípio da proteção do núcleo essencial da norma fundamental, que é o da inviolabilidade da comunicação telefônica.

Os decretos de prisão nessas operações também são questionados. Segundo ele, jogam-se no lixo os direitos fundamentais quando se determina a prisão de dezenas de pessoas ao mesmo tempo sem se apresentar indícios ou provas de que realmente tenham participação no crime.

Recentemente, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, garantiu a liberdade dos 36 presos na segunda fase da operação da Polícia Federal que desarticulou, em abril desse ano, um esquema de compra de sentenças para favorecer o grupo que explorava ilegalmente jogos de bingo e caça-níqueis. A Operação Hurricane II teve como alvo policiais acusados de receber propina da máfia dos jogos.

“Apesar dos anseios da sociedade por uma mudança de quadra, deve-se apurar, com a percuciência própria, com o rigor devido, para, posteriormente, punir-se”, afirma o ministro em sua decisão.

Pimenta nos olhos

Os desrespeitos só causam espanto na população quando acontecem com pessoas próximas, diz Estevão. Enquanto Fernandinho Beira-Mar, acusado de chefiar o tráfico de drogas no Rio de Janeiro, tiver seus diretos violados, a sociedade não se manifesta e chega até a comemorar. Quando chega mais perto, a história não é a mesma, alerta o procurador.

A Lei de Interceptações Telefônicas tem outro vício na opinião de Estevão, que fere a garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório. Ele explica que no curso de uma investigação, o juiz pode decretar a quebra do sigilo telefônico do réu. É garantido ao Ministério Público acompanhar a produção de provas. Depois de todas as ligações colhidas, tem de ser feita uma sessão para descartar as transcrições sem valia para o processo, de acordo com a avaliação da acusação.

O réu tem o direito de comparecer a essa sessão, mas desconhece o conteúdo do que está sendo descartado e do material que será usado contra ele. “E se as transcrições que estão sendo tiradas do processo servirem para a defesa do réu? Nesse caso, não podemos falar de ampla defesa e do contraditório.”

Na sexta-feira (10/8), o ministro da Advocacia-Geral a União, José Antônio Dias Toffoli, participa do Congresso Nacional de Direito para também discutir Investigação Criminal x Direito Fundamental. Em maio, quando questionado pela revista Consultor Jurídico a respeito da legalidade das operações da Polícia Federal, ele disse que estão dentro dos limites da lei e que não houve nenhum tipo de excesso. E lembrou que o processo de investigação foi presidido pelo Judiciário com acompanhamento do Ministério Público.

Clamor popular

A Lei dos Crimes Hediondos (8.072/90), para Roberto da Freiria Estevão, também passa por cima de muitos direitos fundamentais, além de ser constantemente alterada por populismo com base no clamor público. O princípio da proporcionalidade não é muito observado quando se inclui um novo tipo de crime no rol dos hediondos.

Estevão atuou 12 anos em Tribunal do Júri e passou por 600 julgamentos. Pela sua experiência, observou que a maioria dos crimes qualificados é praticado por homicida ocasional. Isto é, depois daquele crime é difícil que cometa outro. Portanto, defende que a pessoa seja punida, mas não com o rigor da lei de um crime hediondo, que acaba com sua vida. “É um absurdo incluir entre os crimes hediondos de cada crime que acontece no país”, diz.

Até no caso das pílulas anticoncepcionais de farinha, crime por alterar a fórmula de um remédio ou de um cosmético, a pena era detenção de, no máximo, dois anos. Depois de toda a repercussão do caso, o crime tornou-se hediondo, com pena de 10 a 15 anos de prisão. Um homicídio doloso simples tem pena de seis a doze anos. Vender um esmalte com fórmula alterada dá, no mínimo, 10 anos de prisão.

Outro ponto que critica da lei está no artigo 2º, parágrafo 3: “Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade”. Se o réu for condenado, ele será preso e terá de entrar com recurso para tentar a sua liberdade. “Exigir como regra a obrigatoriedade de se recolher à prisão para pedir a liberdade é uma clara violação ao princípio da presunção de inocência”, conclui.

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