Reconhecimento de ofício

A prescrição intercorrente nas execuções fiscais

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7 de agosto de 2007, 0h00

Em razão da alteração no teor do Código de Processo Civil, permitindo o reconhecimento de ofício da prescrição, é interessante o exame do assunto, principalmente porque isso vem no bojo da chamada segunda Reforma do Poder Judiciário, com alterações de ordem infraconstitucional.

Tais alterações visam agilizar o funcionamento do Poder Judiciário, posto que a Emenda Constitucional 45, chamada de Reforma do Judiciário, em sentido estrito, buscou mais o estabelecimento do órgão de controle, o Conselho Nacional de Justiça, e a instituição da súmula vinculante.

As alterações legislativas são necessárias para melhorar a velocidade de andamento dos feitos, o que não acontece com a simples alteração do texto constitucional. O artigo 174 do Código Tributário Nacional estabelece a incidência da prescrição:

Artigo 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.

Parágrafo único. A prescrição se interrompe:

I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (Redação dada pela LCP nº 118, de 2005)

II – pelo protesto judicial;

III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.

O inciso I do artigo 174 foi alterado em 2005. A redação anterior dizia que a prescrição era interrompida pela citação pessoal feita ao devedor. A jurisprudência vem entendendo que tal inciso revogado, vale para as execuções fiscais iniciadas antes da Lei Complementar 118, que fez a alteração mencionada.

“Para o CTN, no entanto, a prescrição é causa de extinção do crédito tributário (art. 156, V). Dessa forma, a prescrição extingue a pretensão e, de forma indireta, o próprio direito (Código Tributário Nacional Comentado, coordenação de VLADIMIR PASSOS DE FREITAS, editora RT, 3ª. Edição, 2005, pg. 722)”.

A prescrição ocorre em cinco anos. O seu marco inicial é a data de constituição definitiva do crédito tributário, com a notificação regular do lançamento. É certo que, se houver recurso administrativo por parte do devedor, o prazo não começa a correr até a notificação da decisão definitiva.

Iniciada a contagem do prazo prescricional, ele pode ser interrompido ou suspenso. Existem as seguintes formas de interrupção da prescrição:

a) despacho do juiz que ordenou a citação (para as execuções iniciadas depois da entrada em vigor da Lei Complementar 118/2005; para as anteriores, somente a citação do devedor);

b) protesto judicial;

c) ato que constitua em mora o devedor;

d) o reconhecimento inequívoco por parte do devedor.

Se o prazo prescricional não for interrompido por qualquer um desses motivos, verificado o decurso do prazo de cinco anos, a prescrição pode ser reconhecida de ofício pelo julgador. A alteração foi feita no artigo 219, parágrafo quinto do Código de Processo Civil. Diz ele: “O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”. Essa alteração está na lei 11.280 de 16 de fevereiro de 2006, que entrou em vigor em 16 de março de 2006.

Anteriormente, somente era possível o reconhecimento da prescrição se houvesse provocação da parte interessada. Assim, não é raro encontrarmos execuções fiscais em que a parte não foi citada e mais de cinco anos se passaram. Antes dessa alteração legal, o juiz nada podia fazer em tais casos. Eram casos em que, se o devedor fosse citado, certamente alegaria a prescrição, o feito seria extinto e arquivado. Agora, mesmo sem a ouvida da Fazenda Pública, pode o juiz extinguir a execução, se decorridos mais de cinco anos e, com o trânsito em julgado, arquivar o feito.

O impacto dessa nova norma sobre os milhões de feitos em andamento no Brasil, sendo mais da metade deles execuções fiscais, ainda não foi mensurado. Suspeito que nem os administradores públicos perceberam isso.

Transcrevo aqui um julgado do STJ (feito REsp 843557 / RS; RECURSO ESPECIAL2006/0092732-0), de lavra do ministro José Delgado, julgado em 07 de novembro de 2006:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. ART. 219, § 5º, DO CPC (REDAÇÃO DA LEI Nº 11.280/2006). DIREITO SUPERVENIENTE E INTERTEMPORAL. 1. Tratam os autos de execução fiscal proposta pelo Município de Porto Alegre para cobrança de débito tributário decorrente de IPTU.

A exordial requereu:

a) o chamamento do responsável tributário devidamente indicado na CDA anexa para pagar o valor dos créditos da Fazenda Municipal. A sentença declarou a prescrição do crédito tributário e julgou extinto o feito nos termos do art. 269, IV, do Código de Processo Civil uma vez que transcorridos mais de cinco anos entre a constituição do crédito e a citação válida do executado que ocorreu em 29.01.2003. Interposta apelação pelo Município, o Tribunal a quo negou-lhe provimento por entender que:


a) a prescrição no direito tributário pode ser decretada de ofício, porquanto extingue o próprio crédito (art. 156, V, do CTN); b) o direito positivo vigente determina tal possibilidade. Inteligência do art. 40, § 4°, da LEF acrescentado pela Lei 11.051 de 29/12/2004.

O Município de Porto Alegre aponta como fundamento para o seu recurso que a prescrição não pode ser conhecida ‘ex officio’. Não foram ofertadas contra-razões.

2. Vinha entendendo, com base em inúmeros precedentes desta Corte, pelo reconhecimento da possibilidade da decretação da prescrição intercorrente, mesmo que de ofício, visto que: — O art. 40 da Lei nº 6.830/80, nos termos em que admitido no ordenamento jurídico, não tem prevalência. A sua aplicação há de sofrer os limites impostos pelo art. 174 do CTN.

— Repugnam os princípios informadores do nosso sistema tributário a prescrição indefinida. Assim, após o decurso de determinado tempo sem promoção da parte interessada, deve-se estabilizar o conflito, pela via da prescrição, impondo-se segurança jurídica aos litigantes.

— Os casos de interrupção do prazo prescricional estão previstos no art. 174 do CTN, nele não incluídos os do artigo 40 da Lei 6.830/80. Há de ser sempre lembrado que o artigo 174 do CTN tem natureza de lei complementar.

3. Empós, a 1ª Turma do STJ reconsiderou seu entendimento no sentido de que o nosso ordenamento jurídico material e formal não admite, em se tratando de direitos patrimoniais, a decretação, de ofício, da prescrição.

4. Correlatamente, o artigo 40, § 4º, da Lei 6.830/80 foi alterado pela Lei nº 11.051/04, passando a vigorar desta forma:“Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.”

5. Porém, com o advento da Lei 11.280, de 16/02/06, com vigência a partir de 17/05/06, o art. 219, § 5º, do CPC, alterando, de modo incisivo e substancial, os comandos normativos supra, passou a viger com a seguinte redação: “O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”.

6. Id est, para ser decretada a prescrição de ofício pelo juiz, basta que se verifique a sua ocorrência, não mais importando se refere-se a direitos patrimoniais ou não, e desprezando-se a oitiva da Fazenda Pública. Concedeu-se ao magistrado, portanto, a possibilidade de, ao se deparar com o decurso do lapso temporal prescricional, declarar, ipso fato, a inexigibilidade do direito trazido à sua cognição.

7. Por ser matéria de ordem pública, a prescrição há ser decretada de imediato, mesmo que não tenha sido debatida nas instâncias ordinárias. In casu, tem-se direito superveniente que não se prende a direito substancial, devendo-se aplicar, imediatamente, a nova lei processual.

8. “Tratando-se de norma de natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso, cabendo ao juiz da execução decidir a respeito da sua incidência, por analogia, à hipótese dos autos” (REsp nº 814696/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 10/04/2006).

9. Execução fiscal paralisada há mais de 5 (cinco) anos. Prescrição intercorrente declarada. 10. Recurso não-provido.

O Ministro José Delgado tem trajetória ímpar dentro da magistratura nacional. Foi juiz estadual, federal, desembargador no Tribunal Regional Federal. Depois, foi ele ao Superior Tribunal de Justiça. No julgamento supra, verifique-se que o Ministro dispensa a prévia ouvida da Fazenda antes do reconhecimento da prescrição. Além disso, estabelece que a prescrição pode ser reconhecida de ofício mesmo para os feitos que tramitavam antes da referida alteração legal.

Apesar do que consta acima no item nove, não é necessário que o feito esteja paralisado por cinco anos consecutivos, ininterruptos, sem qualquer ato praticado. É o que argumentam defensores da Fazenda Pública, que argumentam ser a prescrição uma “sanção” ao devedor. De acordo com a linha geral de raciocínio colocada pelo Ministro, verificados cinco anos da constituição do tributo e ainda não citado o devedor (se iniciado o feito antes da alteração da LC 118/2005), a prescrição pode e deve ser reconhecida de ofício. Isso faz com que o direito tributário aproxime-se do direito penal, no qual o reconhecimento da prescrição, de ofício, é dever legal.

A prescrição pode ser reconhecida de ofício em todos os tipos de execução, estadual, federal ou municipal. Neste aspecto, destaco diversos julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, reconhecendo a prescrição em execuções fiscais municipais para cobrança de IPTU (grifos nossos):

TIPO DE PROCESSO:
Apelação Cível

NÚMERO:

70018212001

Inteiro teor

RELATOR: Liselena Schifino Robles Ribeiro


EMENTA: APELAÇÃO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO. Segundo o art. 174 do CTN, a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos contados da data da sua constituição. No caso do IPTU, o termo inicial é o primeiro dia do exercício em que lançado, ou seja, o primeiro dia do exercício fiscal respectivo. A prescrição pode ser reconhecida de ofício, após a entrada em vigor da Lei n° 11.280/06, não o impedindo a Súmula 19 do TJRS. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70018212001, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 29/12/2006)

TRIBUNAL:

Tribunal de Justiça do RS

DATA DE JULGAMENTO:
29/12/2006

Nº DE FOLHAS:

ÓRGÃO JULGADOR: Vigésima Primeira Câmara Cível

COMARCA DE ORIGEM: Comarca de Capão da Canoa

SEÇÃO: CIVEL


PUBLICAÇÃO: Diário da Justiça do dia 22/01/2007

TIPO DE DECISÃO:
Monocrática

EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO E FISCAL. EXECUÇÃO FISCAL. IMPOSTO PREDIAL. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA. Tratando-se de IPTU, o prazo prescricional começa a fluir a partir da constituição do crédito tributário. A prescrição para a cobrança do crédito tributário somente se interrompe com a citação válida do devedor na execução fiscal. Não citado o devedor depois de cinco anos da constituição do crédito tributário, incide a prescrição. Inteligência do art. 174, parágrafo único, I, do CTN, na redação anterior a LC nº 118/05, tratando-se de crédito anterior à sua vigência. Precedentes do TJRGS e STJ. DECLARAÇÃO DE PRESCRIÇÃO DE OFÍCIO. NOVA REDAÇÃO DO ARTIGO 219, § 5º, DO CPC. ARTIGO 462 DO CPC. POSSIBILIDADE. Em sede de execução fiscal a prescrição pode ser decretada de ofício, independentemente de provocação da parte, com amparo no disposto no artigo 219, § 5º, do CPC, observada a redação da Lei 11.280/06, tratando-se de norma de ordem pública, aplicável aos processos em curso. Aplicação do artigo 462 do CPC. Apelação a que se nega seguimento. (Apelação Cível Nº 70018088476, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 26/12/2006)

Destaco, ao final, importante observação feita pelo Juiz Wilney Magno de Azevedo Silva, da 22ª Vara Federal, da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, na Segunda Região da Justiça Federal:

“Registro, por oportuno, que a inércia do autor constitui, in casu, óbvio comportamento de coação do réu — dado que a existência do registro da distribuição da ação inibe a prática de inúmeros negócios jurídicos, como a compra e venda de imóveis -, diverso daqueles expedientes de coerção explicitamente autorizados por lei e cuja prática incumbe, juridicamente, ao juiz.” (Texto obtido no seguinte endereço eletrônico http://www.cjf.gov.br/revista/numero3/artigo14.htm)

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