Cláusulas claras

Plano de saúde pode restringir cobertura de transplantes

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6 de agosto de 2007, 10h44

Não é abusiva a cláusula de contrato de plano de saúde que exclui da cobertura os transplantes de órgãos. A conclusão é da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. A ação pretendia obrigar a Blue Life a custear transplante para um dos seus associados.

Um grupo de associados recorreu ao STJ pedindo para que fosse reconhecida abusiva a cláusula contratual que excluía transplanetes heterólogos (introdução de células ou tecidos de um organismo em outro). Alegaram ofensa a seis artigos do Código de Defesa do Consumidor: aquele que define os direitos básicos do consumidor (art. 6º), o que obriga que os produtos postos no mercado não tragam prejuízos ou riscos à saúde do usuário (art. 8º) e o que veda práticas abusivas dos fornecedores de produtos e serviços (art. 39).

Para o grupo, também os dispositivos que regulam contratos (art. 46 e 47) e o que veda cláusulas abusivas ou leoninas (art. 51) foram descumpridos. Além dos artigos 458 e 535 do Código de Processo Civil.

No recurso, argumentaram divergência no entendimento sobre o assunto na corte. E que o CDC seria aplicável mesmo em contratos firmados antes de sua vigência e as cláusulas não seriam claras, devendo ser, portanto, interpretadas da maneira mais favorável ao consumidor, como o Código determina.

O ministro Humberto Gomes de Barros considerou adequada a decisão que não classificou a cláusula como abusiva. Para ele, os associados entraram no plano de livre vontade. Além disso, as cláusulas de restrição são claras o suficiente para o consumidor médio, segundo ele.

Gomes de Barros ressaltou que a jurisprudência do STJ entende que, mesmo regidos pelo CDC, os contratos podem restringir os direitos dos consumidores com cláusulas expressas e de fácil compreensão. A decisão individual do ministro foi confirmada pelos demais ministros da 3ª Turma.

Não conformados, os associados entraram com Embargos de Divergência na 2ª Seção. Esse recurso é usado quando há decisões judiciais conflitantes sobre a mesma matéria. Eles alegaram haver entendimentos diferentes na 3ª e na 4ª Turma e na própria 2ª Seção. A tentativa foi rejeitada pelo ministro Jorge Scartezzini, o que levou a outro recurso, dessa vez apreciado por todos os ministros da Seção. Com a aposentadoria de Scartezzini, o caso foi distribuído ao ministro Fernando Gonçalves.

Para a 2ª Seção, a divergência apontada não foi demonstrada, pois foram apresentadas apenas decisões da 3ª Turma. Para haver divergência, as decisões devem originar-se de órgãos julgadores diferentes.

Além disso, não há semelhança nos fatos apontados nas decisões citadas como exige o artigo 255 e 266 do Regimento Interno do STJ, já que se refeririam a situações diferentes, como tratamento de Aids ou tempo de internação de paciente. “Naqueles casos as cláusulas eram dúbias, sendo que as cláusulas limitativas de direito do consumidor deveriam ser redigidas com clareza e destaque”, aponta a decisão.

Leia a decisão:

AgRg nos EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 378.863 – SP (2006⁄0120002-6)

RELATOR : MINISTRO FERNANDO GONÇALVES

AGRAVANTE : GERALDO ARLINDO FRACALOSSI E OUTRO

ADVOGADO : GUILHERME HELMER

AGRAVADO : ASSOCIAÇÃO DE MÉDICOS SÃO PAULO – BLUE LIFE

ADVOGADO : TIAGO HENRIQUES PAPATERRA LIMONGI E OUTRO(S)

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. O acórdão objeto do recurso de embargos de divergência sustenta não ser abusiva cláusula contratual expressa excluindo da cobertura o transplante, cuidando a espécie de transplante heterólogo.

2. Os paradigmas versam temas diversos, como limitação do tempo de internação, cláusula excludente do tratamento da AIDS e cláusula constante do contrato de adesão de natureza dúbia e limitativa de direito do consumidor, posto que não redigida com clareza e destaque.

3. Neste contexto, não há similitude fática entre as hipóteses confrontadas, carecendo, em conseqüência, de amparo os embargos de divergência.

4. Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao Agravo Regimental. Os Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Aldir Passarinho Junior, Nancy Andrighi, Hélio Quaglia Barbosa, Massami Uyeda, Humberto Gomes de Barros e Ari Pargendler votaram com o Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.

Brasília, 27 de junho de 2007 (data de julgamento).

AgRg nos EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 378.863 — SP (2006/0120002-6)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES:

Trata-se de agravo regimental tirado contra decisão negando seguimento a recurso de embargos de divergência onde Geraldo Arlindo Fracalossi e outro sustentam estar o julgado da lavra do em. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS em aberta divergência com outros, oriundos da Segunda Seção e das duas Turmas dela (Seção) integrantes.

É o relatório.

AgRg nos EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 378.863 – SP (2006⁄0120002-6)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES (RELATOR):

O acórdão da Terceira Turma (fls. 897⁄901), louvando-se no entendimento do Tribunal de origem que, por seu turno, teve apoio nos fatos e nas provas oferecidas, declina que a cláusula não pode ser considerada abusiva, porquanto expressa ao excluir da cobertura contratual o transplante, cuidando a espécie de transplante heterólogo, “consistente na introdução de células de outro organismo.”

Já os paradigmas versam outras matérias, a saber: a) limitação do tempo de internação (Resp 251.024⁄SP e Resp 214.237⁄RJ); b) cláusula excludente do tratamento da AIDS (Resp 258.007⁄SP) e, por fim (c) cláusula constante do contrato de adesão, de natureza dúbia e limitativa do direito do consumidor, posto que não redigida com clareza e destaque.

Então, com a vênia devida, não há como se dar acolhimento aos embargos de divergência, pela via do presente regimental, pois ausente a similitude fática entre os julgados em confronto, nada havendo a ser uniformizado.

De outro lado, como bem realçado pelo Min. GOMES DE BARROS, em caso análogo (Resp 319.707 – Rel. p⁄o acórdão o Min. CASTRO FILHO) foi assentada a impossibilidade de ser responsabilizado o Plano de Saúde “por cobertura que, por cláusula expressa e de fácil verificação, tenha sido excluída do contrato”. E conclui, o Relator:

“Desta forma, assim como é lícito ao segurador restringir os riscos assumidos pela apólice, entendo que, sendo clara e de entendimento imediato, não é abusiva a cláusula que exclui da cobertura contratual o transplante de órgãos.

Não há como, especificamente neste caso, o Judiciário fincar-se em juízo de íntima convicção para impor às entidades privadas a prestação de serviços expressa e claramente excluídos da cobertura contratual.

Por fim, a clareza dos termos contratuais não está obrigatoriamente vinculada ao modo como foram grafados.” (fls. 901)

Nestas circunstâncias, reportando-me, inclusive, aos termos da decisão agravada de fls. 1025⁄1027, da lavra do Min. JORGE SCARTEZZINI, nego provimento ao regimental.

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