Renovação no trabalho

Entrevista: Pedro Paulo Teixeira Manus, juiz do Trabalho

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5 de agosto de 2007, 0h00

Pedro Paulo Manus - por SpaccaSpacca" data-GUID="pedro_paulo_manus.jpeg">Até o final do ano o Tribunal Superior do Trabalho deverá completar sua formação de 27 ministros, dos quais nada menos que 15 foram nomeados recentemente. Isto significa que não participaram da sumulação da jurisprudência da corte. Esta renovação forçada pode até provocar conflitos de geração e de idéias, mas é uma oportunidade ímpar para posicionar o Tribunal em sintonia com as demandas do mundo do trabalho contemporâneo.

Nomeado recentemente para ministro do Tribunal Superior do Trabalho, o juiz Pedro Paulo Teixeira Manus está cheio de projetos e idéias inovadoras para enfrentar sua nova missão, certo de que está no lugar certo, na hora certa. Com uma cabeça das mais lúcidas, Manus é uma das melhores expressões deste anseio de renovação das leis e da Justiça do Trabalho.

Manus entende que capital e trabalho devem selar um armistício e unir esforços já que não estão em guerra. Muito pelo contrário, defendem interesses que se completam. Para ele o pior que pode acontecer numa disputa entre empregado e empregador é o fechamento da empresa. “Neste caso os dois lados perdem”.

Entende também que o que preocupa não são as novas formas de relação de trabalho, como terceirização e cooperativas de serviço. Mas a precarização das condições de trabalho.

Manus também defende uma diferenciação no regime de encargos trabalhistas com as pequenas empresas tendo uma maior facilidade tributária. “Uma multinacional consegue transferir o custo trabalhista para o fornecedor ou cliente. Já o seu Manoel da venda da esquina só consegue transferir estes custos para os empregados. Se dermos facilidades tributárias para ele, quem vai ganhar é o empregado dele”

Se empresas grandes e pequenas devem ter um regime diferenciado, o mesmo deve acontecer com trabalhadores mais ou menos qualificados. “Como professor da PUC eu não preciso ter as mesmas garantias legais do rapaz que trabalha no departamento de pessoal da escola”, diz ele citando seu exemplo pessoal.

Formado em Direito pela PUC-SP, Pedro Paulo Manus é mestre e doutor em Direito do Trabalho. Ele também é professor da matéria há 30 anos com livre docência na PUC e especialização na Università Degli Studi di Roma, na Itália. Com nove livros publicados, Manus é juiz de carreira desde 1974. Ocupou diversos cargos da magistratura paulista tendo exercido também a função de juiz substituto do TST no ano de 1997.

Participaram da entrevista, os jornalistas Mauricio Cardoso e Priscyla Costa.

ConJur — O que muda no TST com a indicação de três novos ministros?

Pedro Paulo Manus — O momento no tribunal é muito interessante. Dos atuais 21 ministros, os nove mais recentes não participaram da elaboração da jurisprudência sumulada da casa. O TST tem tido decisões de turma contrárias às súmulas. Além de nós três que chegamos agora, imagino que, até o fim do ano, outros três colegas sejam indicados e tomem posse. Com sua formação completa de 27 ministros, o tribunal talvez tenha que fazer uma revisão da jurisprudência para ficar de acordo com o entendimento médio dos ministros. Isso é um trabalhão, mas significa que a casa está viva. A jurisprudência é a manifestação de progresso do tribunal. Afinal de contas, o TST tem que julgar de acordo com a lei, mas através de uma interpretação dessa lei. O que se achava há cinco anos, hoje pode não ser da mesma maneira. Os doze ou treze ministros mais antigos já têm um entendimento solidificado. Foram eles que, junto com os outros que não estão mais lá, construíram esse entendimento. Então vai haver um choque de opiniões. O que a gente precisa é tomar cuidado para que as pessoas não briguem.

ConJur — Qual a diferença entre ser juiz do TRT e ministro do TST?

Manus — O juiz de primeiro grau enxerga a partir da sua cidade. Quando vai para o regional, tem a visão do estado ou da região. No TST, começa a entender o Direito do Trabalho com uma visão macro do Brasil todo. Para um paulista isso é muito bom. Porque a gente tem mania de achar que o mundo é São Paulo. Quando se fala em trabalho análogo à condição de escravo, o paulista tende a pensar que é uma ficção. Mas em Mato Grosso ou no Pará, percebe-se que isso existe. Essa coisa de juiz ir para Brasília como substituto devia existir de maneira rotativa para todo mundo. No TST dá para fazer muita coisa. O tribunal pode influir na mudança da legislação, passando para o Legislativo e para o Executivo, a visão que a gente tem no dia a dia de audiência.

ConJur — O senhor teve uma experiência interessante de conciliação no TRT-2, de São Paulo. Como foi isso?

Manus — A conciliação sempre foi feita no plano das relações individuais através de acordos entre empregado e empresa, em que o juiz só fica prestando atenção. A novidade é pensar também na mediação, em que o juiz interfere, sugerindo soluções. Foi isso que o Tribunal de São Paulo passou a fazer seguindo uma idéia do juiz João Carlos Araújo. Nos dois anos do meu mandato como vice-presidente judicial do TRT-2 estimulamos bastante este procedimento.


ConJur — Como funciona a mediação na prática?

Manus — Atuamos quando percebemos que o sindicato e a empresa estão interessados em resolver o problema, mas falta o jeito de se aproximarem. Cabe ao juiz conduzir a proposta de maneira a resolver o problema de forma que pese menos para quem ganha menos e mais para quem ganha mais. O que acontece é que a negociação coletiva chega a um momento de ruptura, em que um não pode ouvir falar do outro, embora os interesses sejam os mesmos. O que a gente tem feito aqui é chamar ambos para conversar, com o suporte da assessoria econômica do tribunal que é muito competente. Mostramos que sempre tem uma saída viável. Por exemplo, uma empresa que tem uma receita de R$ 50 mil por mês e um déficit de R$ 200 mil de INSS, fundo de garantia, salários atrasados e férias. Se a empresa tem uma perspectiva de realizar mais dinheiro, a primeira providência do juiz é a seguinte: vamos negociar para voltar a trabalhar?

ConJur — Se não trabalharem não tem produção e todos ficam sem dinheiro.

Manus — Claro. Em vez de ficar cada um na sua, o tribunal monitora o processo. A assessoria econômica estuda a situação, que gastos são essenciais, luz, matéria prima, água. Depois estuda um plano para utilizar o dinheiro que sobra para pagar os empregados. Com isso a empresa volta a funcionar, as pessoas têm os salários dos dias que vão trabalhar e começam a receber os atrasados. É melhor para todo mundo. Do ponto de vista da empresa porque não fecha e do ponto de vista dos empregados porque não perdem o emprego. as, que são as que dão emprego nesse país. O processo é importante inclusive do ponto de vista psicológico. No primeiro dia de negociação, um não olha para o outro. Quando a parte percebe que o tribunal está tentando compreender o problema, os espíritos começam a se desarmar e um passa a acreditar no que o outro está dizendo. Esse tipo de situação atinge 90% das pequenas e médias empresas.

ConJur — Qual é o resultado da mediação?

Manus — De um universo de dez empresas que se submetem à mediação seis ou sete se recuperam em pouco tempo.

ConJur — Esta é uma visão diferente da relação entre trabalho e capital.

Manus — O patrão sempre acha que o trabalhador ganha mais do que produz. E o empregado tem certeza que o patrão paga menos, porque se pagar o que se produz, a empresa não tem lucro. Isso é uma teoria antiga de um certo senhor barbudo. Agora, mesmo que os interesses sejam antagônicos, o importante é perceber que se eu, como empregado, colaborar para fechar a empresa, posso me vingar dela, mas perco o emprego. Então existe interesse comum entre empregado e empregador. Principalmente na hora da crise. Quando as vacas estão gordas, um pouco dessa gordura é distribuída para os trabalhadores também. Nós temos a participação nos lucros e resultados, uma forma que a Constituição reconhece para distribuir a riqueza. Mas não podemos esquecer que estamos num regime capitalista e a Constituição prestigia a iniciativa privada. Precisamos desfazer a noção de relação de guerra entre patrão e empregado. Na própria greve existe interesse comum.

ConJur — Como assim?

Manus — Tem um artigo na lei de greve que diz assim: as atividades essenciais durante a greve têm de ser objeto de negociação entre sindicato e empresário. Tanto no transporte público quanto no hospital ou no fornecimento de água. Agora imagine uma metalúrgica, que tem um alto forno. Se você desligar, vai demorar um tempo para aquecer e voltar a produzir depois que terminar a greve. Então aquele serviço dentro da metalúrgica é essencial. Esse artigo é interessante porque desmistifica a idéia de que o empregado está de mal com o patrão para sempre. A empresa tem que desmistificar também esse papel. Ela não pode achar que sindicalistas são comunistas perigosos. Cada um tem seu papel. Disso depende o sucesso da própria greve. A lei de greve tem uma coisa formidável. Ninguém está proibido de fazer greve na atividade privada, mas há uma gradação da possibilidade de paralisação, seja ele essencial ou não.

ConJur — Servidor público tem direito de fazer greve?

Manus — O artigo 37 da Constituição garante ao servidor público civil o direito de greve. Mas, quem trabalha em um hospital público está impedido de fazer greve total. O direito de greve não é de cada pessoa. Ele é coletivo. Precisamos entender o seguinte: o fato da categoria dos enfermeiros terem direito de greve não permite parar o pronto-socorro ou a UTI do hospital, porque o direito que está sendo violado com este ato está acima do direito de greve.

ConJur — Como ficam os servidores militares nesta situação?

Manus — O artigo 142 da Constituição diz que é proibido o direito de sindicalização e de greve para o servidor público militar. Mas existem setores em que trabalham civis e militares. Fazem o mesmo serviço, em regimes jurídicos diferentes. O caso mais visível é o dos controladores de vôo. Estamos em uma fase muito triste e complexa, mas essa categoria vai sair dessa crise com um tratamento mais humano. A gente precisou ter 200 pessoas mortas para dar atenção ao assunto.


ConJur —Seria possível pensar num SuperSimples trabalhista?

Manus — Acho que é possível, necessário e urgente. As empresas não são iguais. Quando falamos da precarização das relações de trabalho, onde isso é mais patente? Nas pequenas e médias empresas. Uma grande multinacional consegue transferir o custo trabalhista para o fornecedor ou para o cliente. O banco, por exemplo, passa esse encargo para aqueles milhões de taxas que cobra da gente. Então ele pode pagar todos os encargos. Já o seu Manuel da venda da esquina não pode fazer isso. Deveríamos ter um tratamento tributário para os pequenos que permitissem que eles competissem no mercado sem precisar repassar esse custo para o único elo da cadeia para quem eles podem transferir: o trabalhador.

ConJur — Existe alguma fórmula de tornar o encargo do trabalho mais suportável para a pequena empresa?

Manus — Tem economista que, quando fala de encargo trabalhista, coloca férias, décimo terceiro salário, repouso semanal e Previdência Social. Não é bem assim. Do custo do salário, tem uma parcela que é custo trabalhista e uma outra que é custo tributário. O peso tributário pode ser diminuído para as pequenas empresas. Talvez estimulasse a regularização de mais contratos de trabalho.

ConJur — Sem tirar direitos dos trabalhadores?

Manus — É. A gente falou que as empresas não são todas iguais. Em contrapartida os trabalhadores também são diferentes. A proteção que a CLT dá para alguns é até exagerada. Profissionais especializados, pessoas que ocupam altos cargos têm de ter os mesmos direitos e proteção da lei que os operários da fábrica, dos trabalhadores do comércio ou da fazenda? Estes não têm condições de discutir. Só de conseguir um emprego, já erguem as mãos para o céu. Eu, por exemplo, sou professor da PUC-SP, se a PUC fizer uma alteração no meu contrato, tenho o mesmo direito que o rapaz do departamento pessoal de entrar na Justiça em até dois anos. Para o rapaz está perfeito, porque ele não tem condições de brigar com a reitora e dizer “não concordo”. No meu caso, que sou professor de Direito do Trabalho e tenho outra atividade, preciso desta proteção? Como o apresentador de televisão, que tem uma equipe trabalhando para ele, essa gente deve ter a mesma proteção que os empregados subalternos? A gente deveria pensar em um novo tipo de relação de trabalho para esse profissional.

ConJur — Ele não pode ser tratado como um que ganha salário mínimo.

Manus — Essa é a revisão que o Direito do Trabalho necessita. A CLT fez 64 anos em maio. Ela precisa receber uma lipoaspiração. A legislação devia ter os princípios gerais e uma regulamentação especifica para cada região. O mesmo trabalho prestado em São Paulo talvez tenha características diferentes daquele prestado em Goiás. A CLT deveria conter os princípios básicos, mas com possibilidade de os sindicatos negociarem.

ConJur — A relação de trabalho ficaria fora da CLT?

Manus — Isso. Por exemplo, ninguém pode trabalhar mais que oito horas. Pergunta para um enfermeiro se ele quer trabalhar oito. Ele geralmente tem dois empregos e trabalha 12 horas para descansar 36. Isso é ilegal para a CLT, mas é a realidade. Ou a lei se adequa à realidade ou ninguém a obedece. O inverso não acontece.

ConJur — Até onde se pode avançar na flexibilização?

Manus — Existem três tipos de flexibilização. Tem uma que é flexibilizar para melhorar. Essa não tem limite e o próprio mercado estabelece o limite. Se a empresa quiser dar muito para os empregados, o concorrente vai reclamar. Também é admissível a flexibilização de adaptação para enfrentar um momento mais difícil. A Constituição permite a redução dos salários, desde que se negocie a reposição na hora da volta do lucro. É o banco de horas. Estamos com uma demanda menor, então diminuímos as horas de trabalho. Você faz seis agora e, lá na frente, quando eu precisar você faz dez horas e eu te pago oito tanto agora quanto lá. Outra situação: a empresa está em uma situação delicada e precisa demitir 20% dos trabalhadores. Em vez disso, ela reduz o salário de todo mundo em 20%. Em compensação dá garantia de emprego para todo mundo. Quando a situação melhorar todos voltam a receber o normal. É como se fosse socializar o prejuízo. Se for uma flexibilização honesta que pretende adaptar as condições à situação momentânea, é perfeitamente lícito.

ConJur — E o terceiro tipo de flexibilização?

Manus — O que não se pode permitir é a flexibilização para piorar as condições de trabalho. O que geralmente se chama de flexibilização é na verdade uma precarização. Não se pode tirar do trabalhador o custo da produção para competir com os chineses. É por isso que a expressão “flexibilizar” virou um palavrão.


ConJur — A Lei de Recuperação Judicial, ao contrário da antiga Lei de Falências, não prevê a preferência para o pagamento das dívidas trabalhistas. O que o senhor diz disso?

Manus — A velha lei de falências era dos anos 70. Antigamente os trabalhadores detinham a totalidade dos direitos. Eram os primeiros a receber. Agora, a lei limitou a 150 salários-mínimos. Mas tem um problema na prática. Quando as empresas chegam até a falência, com raras exceções, elas não têm mais patrimônio. Tudo já está dilapidado. Os empregados acabam sendo os primeiros, a saber, que não vão receber nada. Como é isso na prática? Se eu sou empregado de uma empresa falida, vou ao juiz da falência, não recebo nada e tenho um processo trabalhista. Volto para o juiz do trabalho. Quero responsabilizar sócios e ex-sócios e isto é deferido na Justiça do Trabalho. O argumento é de que o patrimônio daqueles sócios foi acrescido à custa do meu trabalho.

ConJur — Mas existe algum limite?

Manus — Claro. A lei fixa um prazo de responsabilidade quando o sócio deixa a empresa regularmente. O problema é que não há na legislação do trabalho uma previsão de concurso de credores trabalhistas. O que é concurso de credores? O juiz diz quais são os credores e os créditos que devem se pagos. Mas a lei trabalhista nunca permitiu isso. A discussão é saber se pelo fato de ser omissa não se pode fazer, ou pelo fato de não proibir pode-se fazer. Na prática, o que a gente faz é isso: a empresa tem trinta credores. Somando tudo o que têm a receber dá R$ 1 milhão. Agora, ela tem somente R$ 600 mil. O melhor é pagar 60% do crédito que cada um tem. Há quem diga que isso é ilegal, porque não tem previsão legal. De fato não tem, mas é mais justo.

ConJur — E além de tudo tem a questão de competência no processo de recuperação.

Manus — Na Justiça comum, na hora que o juiz decretou a falência desaparece a empresa. É outra pessoa jurídica. Todas as dívidas vencem no mesmo momento. Acaba a empresa e o contrato de trabalho. O ideal é dar um passo a frente e evitar tudo isso. Qualquer economia tem empresas que aparecem e desaparecem. Mas sempre que for possível recuperar a empresa, isso é positivo. É um procedimento que não tem previsão expressa na lei, mas tem fundamento doutrinário. Seria interessante incluir na CLT, porque além de cuidar das relações individuais entre patrão e empregado, ela cuida da estrutura sindical, de relações coletivas de trabalho e do processo do trabalho.

ConJur — As propostas de reforma trabalhista são promissoras?

Manus — Existem projetos no Congresso de mudança da legislação para todo gosto. Um parlamentar, por exemplo, sugeriu que seja facultado ao trabalhador escolher se quer que sua relação de trabalho seja regida pela CLT ou como autônomo. Esse filme eu já vi em 1967 com o Fundo de Garantia. Com o tempo se descobriu que quem optava era a empresa. Se você chegasse a uma empresa e dissesse que não queria ser optante, ela respondia que tudo bem, mas aqui você não trabalha. O Fundo de Garantia acabou com a estabilidade. Se amanhã tiver um projeto que diga que quando um empregado entra na empresa, ele escolhe se trabalha de autônomo, seria legalizar o que é hoje ilegal. O que determina se alguém é empregado, não é a carteira assinada ou um contrato escrito, é a forma pela qual ele trabalha.

ConJur — Como tratar as novas relações de trabalho?

Manus — Da década de 1940 para cá, as relações ficaram mais complexas. Certos temas, a negociação coletiva tem que cuidar. Como você pode dizer na CLT quem é subalterno? O advogado de um grande banco é subalterno? Em um grande banco eu não sei; em uma empresa média ou pequena tem uma autonomia que na grande não tem. Compare o gerente da loja de material de construção com o da agência de um banco, por exemplo. O banco gerou uma organização tão complexa que o antigo gerente que mandava e desmandava não é mais um cargo de chefia. Já o gerente da pequena loja de material de construção manda muito mais do que o gerente do banco. Como é que vamos saber na CLT qual o gerente que tem autonomia? Esse gerente do banco precisa de uma proteção maior do que o da loja de material de construção. O da loja, se vacilar, ele manda o dono embora. Então precisa que essa regra da CLT seja complementada pela negociação coletiva.

ConJur — Como o senhor vê formas de trabalho como as cooperativas de serviço?

Manus — Cooperativa é a forma mais democrática de trabalho, porque evita aquela briga que o patrão acha que você ganha mais do que produz. Na cooperativa você ganha exatamente pela sua produção. Mas, isso acontece na cooperativa de verdade. Melhor que isso só o socialismo. Mas o que aconteceu? Botaram um parágrafo único no artigo 442 da CLT, dizendo que qualquer que seja o trabalho da cooperativa, não haverá vínculo entre cooperado, cooperativa e tomador do serviço. Os malandros leram aquilo e acharam que era a fórmula mágica para burlar a lei.


ConJur — Como acontecem as fraudes?

Manus — Em São Paulo na década de 70, culturas variadas foram substituídas pela monocultura da cana-de-açúcar. Mandaram os colonos para cidade para serem bóia-fria. O administrador da fazenda passou a ser o “gato”, o camarada que arregimenta os bóias-frias. A usina faz o serviço com 50 pessoas, mas finge que é uma só, a cooperativa com quem mantém vinculo. Às vezes, a sede da cooperativa é o escritório do advogado da empresa. Enfim, começaram, em bom português, a avacalhar com a cooperativa. A Justiça do Trabalho e Ministério Público do Trabalho começaram a dizer que era irregular. Criou-se a idéia de que cooperativa é fraude. Algumas palavras ficaram malditas como flexibilização, terceirização e cooperativa.

ConJur — Terceirização também?

Manus — Terceirizar é um negócio interessante: em vez de fazer uma atividade com empregados da empresa, ela utiliza terceiros. O TST baixou um entendimento dizendo que só pode terceirizar atividade meio e não atividade fim. E terceirização só é lícita se não houver subordinação do trabalhador para o tomador. Então eu sou empregado da sua empresa e ela faz o contrato com o terceiro para fazer o serviço de vigilância, por exemplo. Aí complica: como é que eu vou trabalhar na sua empresa e não ser seu subordinado? Ela é quem vai dizer onde e a que horas vigio. Tem um exemplo formidável que contraria isso. A Volkswagen tem uma fábrica de caminhões em Resende (RJ). Ela só coloca a grife no que é produzido. Toda a linha de montagem é prestada por terceirizados, dentro da fábrica, o que tornaria o caso uma fraude.

ConJur — Mas quase não se houve falar de processos contra a Volkswagen. Por que?

Manus — Porque é um projeto de terceirização sem precarizar. Os trabalhadores são de outras empresas satélites, mas têm os mesmos benefícios dos empregados da Volks. Terceirizar em si não é o pecado. O pecado é usar a terceirização para diminuir custo. Para botar no ombro do empregado o lucro que o empregador tem. A súmula do TST que autoriza a dizer que nem toda terceirização é ilícita está mal das pernas. E o inverso também. Por exemplo, você contratou um vendedor autônomo para uma empresa, que faz bijuterias. Só que você não está vendendo muito e contrata ele como autônomo. Ele vai vendendo e daqui a pouco a empresa começa a faturar alto. Você contrata mais dois vendedores e um ano depois, você tem seis vendedores. Eles começam a brigar e então você contrata um gerente de vendas. O gerente de vendas vai fazer reunião todo dia, tem relatório, cota mínima de venda e tabela de preço. Na verdade não há má intenção, mas o volume da atividade acabou com a autonomia.

ConJur — É a realidade escapando do marco legal.

Manus — Estamos em um momento interessante. Precisamos reestruturar essa relação de emprego, mas isso passa pela revisão da estrutura sindical. Um país que tem quase 20 mil sindicatos, alguma coisa está errada. Se tiver 10% de sindicatos autênticos e representativos é muito. O sindicato representa a categoria toda, mas só os sócios têm direito a participar de assembléia. Só tem uma coisa mais interessante que sindicato. São essas igrejas fajutas que tem por aí para angariar dinheiro. Uma categoria de 10 mil pessoas recebe imposto sindical, contribuição assistencial, contribuição confederativa de todos. Mas tem 100 sócios e 70 apóiam o presidente. É a garantia de reeleição eterna. Com esse tipo de estrutura morro de medo de uns acordos que alguns sindicatos possam vir a fazer com a empresa. O que deve mudar primeiro: a legislação trabalhista ou a estrutura sindical? Devia primeiro mudar a estrutura sindical para existir sindicatos representativos, mas o empresariado não pensa assim. Ele quer primeiro mudar a legislação trabalhista.

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