Mutações na corte

A nova perspectiva do STF sobre controle difuso

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3 de agosto de 2007, 0h00

Considerações preliminares: a mutação como caminho (ou condição) para a decisão

A recente polêmica que vem sendo travada no Supremo Tribunal Federal a partir da Reclamação 4335-5/AC, cujo relator é o Ministro Gilmar Mendes, não fará da decisão que vier a ser tomada, com certeza, apenas mais um importante julgado.1 Mais que isso: ao final dos debates entre os ministros daquela Corte, pode-se chegar, de acordo com o rumo que a votação tem prometido até o momento, a uma nova concepção, não somente do controle da constitucionalidade no Brasil, mas também de poder constituinte, de equilíbrio entre os poderes da república e de sistema federativo.

Isto porque a questão está ancorada em dois pontos: primeiro, o caminho para a decisão que equipara os efeitos do controle difuso aos do controle concentrado, que só pode ser feito a partir do que — nos votos — foi denominado de “mutação constitucional”, que consistiu, na verdade, não a atribuição de uma nova norma a um texto Sinngebung, mas, sim a substituição de um texto por outro texto (construído pelo Supremo Tribunal Federal); o segundo ponto é saber se é possível atribuir efeito erga omnes e vinculante às decisões emanadas do controle difuso, dispensando-se a participação do Senado Federal ou transformando-o em uma espécie de diário oficial do STF em tais questões.

É sobre estes aspectos cruciais que, motivados pela fertilidade do tema e pela responsabilidade como juristas comprometidos com o Estado Democrático de Direito, decidimos propor algumas reflexões sobre a matéria, na intenção de provocar discussões durante o processo decisório no STJ. E a discussão que propomos inicia a partir dos votos proferidos pelos ministros Gilmar Ferreira Mendes e Eros Roberto Grau, que, acaso majoritários, estabelecerão uma ruptura paradigmática no plano da jurisdição constitucional no Brasil. Ao não concordarmos com os referidos votos, buscamos trazer alternativas teóricas que possam ser aptas a contribuir com o debate.

Afinal, numa sociedade que se quer democrática, é papel dos juristas comprometidos com essa sociedade contribuir não apenas para a formação de opinião pública especializada, mas também para a cidadania em geral, aprofundando a discussão sobre questões centrais para a realização permanente do Estado Democrático de Direito. Dialogar com as instituições, especialmente com o STF, e com uma esfera pública ampliada é a razão central que justifica escrever a presente contribuição.

<a Reclamação 4335-5, o controle difuso e a as conseqüências da nova posição do Supremo Tribunal Federal

Fundamenta o entendimento do ministro relator Gilmar Mendes o fato de que, de acordo com a jurisprudência do STF (Rcl.1880, 23.05.2002), o Tribunal reconhece o cabimento de reclamações que comprovem “prejuízo resultante de decisões contrárias às teses do STF, em reconhecimento à eficácia vinculante erga omnes das decisões de mérito proferidas em sede de controle concentrado” (grifamos).

A questão envolve aspectos sobre a natureza do poder constituinte — e do poder constituinte brasileiro — , num primeiro momento, e, ainda, elementos acerca do caráter sofisticado do controle da constitucionalidade no Brasil, isto é, caracterizado pela co-existência dos modelos de controles concentrado e difuso.

Sendo mais específicos e utilizando parte do voto do ministro. Eros Grau (concorde com o Relator), na verdade houve a alteração do próprio texto constitucional. Assim, como admite Eros Grau:

“passamos em verdade de um texto [pelo qual] compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, a outro texto: “compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo STF, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo”.

Pacífico é o entendimento do papel das cortes constitucionais e de sua vinculação à Constituição a que devem guardar, nas distintas formas de controle da constitucionalidade. Esta vinculação, longe de decorrer de uma simples retórica da dogmática, resulta da finalidade essencial do constitucionalismo e da natureza concreta dos fatos que se descrevem perante a corte controladora da constitucionalidade. Mesmo nos casos do chamado controle concentrado, qualquer tribunal constitucional somente agirá quando se comprove que a eventual violação da constituição é atual e efetiva, e não uma simples projeção intelectiva.

Nesse sentido, o STF em sede de Recurso Extraordinário (artigo 103, III, a, b, c, d, da Constituição da República) julga “as causas decididas em única ou última instância”, ou seja, julga a aplicação dada à Constituição em situações jurídicas concretas, e não meras teses sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de leis e de atos normativos.

O Supremo Tribunal, aqui, não funciona nem mesmo como mera corte de cassação, mas como corte de apelação, cabendo-lhe julgar tanto o error in procedendo quanto o error in iudicando Assim, o resultado da atuação do STF no controle difuso de constitucionalidade nunca é o julgamento de uma tese, e dessa atuação não resulta uma teoria, mas uma decisão; e essa decisão trata da inconstitucionalidade como preliminar de mérito para tratar do caso concreto, devolvido a ele por meio de recurso, sob pena de se estar negando jurisdição (artigo 5.º, XXXV e LV, da Constituição da República).

Esta exigência aplica-se com maior rigor quando se tem diante dos olhos casos que envolvam as chamadas cláusulas pétreas. Não foi outro o entendimento do Tribunal Federal Constitucional alemão quando, em 17 de agosto de 1956, proibiu a existência do Partido Comunista da Alemanha (KPD). Os termos do acórdão 14 daquele ano não deixam dúvidas: “Um partido não é inconstitucional quando ele apenas não reconhece os mais elevados princípios de uma livre e democrática ordem constitucional; deve se constatar uma postura mais ativa, agressiva e de luta contra esta ordem existente”2.

Desta forma, a alegação de que é cabível reclamação contra as “teses” — e não contra os julgados —3 do STF incorre na imprecisão inerente ao papel das cortes controladoras da constitucionalidade que é o de agirem somente diante de uma situação contextualizada4.

Agir no limite de um contexto significa obedecer aos ditames do poder constituído, condição existencial do STF como poder jurisdicional vinculado à Constituição. Esta compreensão, claro, origina-se do simples fato de que os poderes de um Estado estão submetidos a uma mesma vontade política, objetivamente identificada num determinado percurso histórico das sociedades, ou seja, o instante constituinte. E a importância disso é incontestável, bastando, para tanto, examinar o papel das constituições para a consolidação das democracias no século XX.

O sistema atual de controle de constitucionalidade sobre o pano de fundo da tradição do controle difuso: o papel do Senado Federal

A tradição brasileira de controle da constitucionalidade é a de controle difuso. Desde a Constituição de 1891 até a de 1988, o controle difuso foi incorporado ao rol de competências do Poder Judiciário, tendo o STF como a última instância neste e em todas as outras questões. A partir da Constituição de 1934 até os dias atuais, permanece a competência do Senado Federal de, por meio de resolução, suspender a execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF. Aqui também uma tradição já consolidada no constitucionalismo brasileiro, na medida em que são corridos mais de setenta anos da mencionada realidade institucional. O controle concentrado de constitucionalidade somente apareceu quando da Emenda Constitucional 16, de 26 de novembro de 1965, então oferecendo nova redação ao artigo 101 da Constituição de 1946, não se confundindo, todavia, com a chamada ação interventiva introduzida em 1934.

Esta realidade permaneceu quase inalterada até, praticamente, 1988. Aqui a redação original da vigente Constituição da República incorporou à ação direta de inconstitucionalidade — ADI — a ação direta de inconstitucionalidade por omissão — ADI por omissão e a ADPF — arguição de descumprimento de preceito fundamental. Somente em 17 de março de 1993, com a Emenda Constitucional 3, é que foi introduzida no sistema de controle concentrado da constitucionalidade a ação declaratória de constitucionalidade, diga-se, de passagem, de duvidosa constitucionalidade, dentre outras razões por não possuir similar em qualquer sistema constitucional contemporâneo.

Ainda assim, esses processos de controle concentrado da constitucionalidade aguardaram até o final de 1999 para receberem tratamento legislativo mais específico, o que se deu com as Leis 9.868 e 9.882 ainda pendentes em parte, todavia, de decisão definitiva por parte do Supremo Tribunal quanto à sua constitucionalidade.

A ADI foi a forma que o constituinte originário encontrou de também envolver a sociedade civil organizada na guarda da Constituição. A objetividade desta observação comprova-se a partir da leitura do rol dos ativamente legitimados para a propositura de ADI: encontram-se no artigo 103 da Constituição da República tanto representantes do Estado, como da sociedade. Neste sentido, a tônica democrático-participativa da Constituição se evidencia, já que a própria Constituição não compreende a sociedade sem seus nexos com o Estado e vice-versa (veja-se, já aqui, a importância do alargamento da legitimidade, questão que assumirá relevância no exame da Reclamação sob comento, que “equipara” coisas absolutamente diferentes: uma — a ADI -, ao também atribuir legitimidade processual autônoma a entes da sociedade civil; a outra — o controle difuso, feita por todos juízes e tribunais, por iniciativa das partes ou de ofício, de modo incidental a processos em que atuem).

Assim, se para alguns, num primeiro momento, teria sido possível afirmar que a ADC seria um “instrumento da governabilidade” — e não da democracia — tal não é mais: após a Emenda Constitucional 45/2004, a unificação do rol de ativamente legitimados, em favor de representantes da sociedade civil e de órgãos do Estado para ADI, ADC e ADPF, mostra com clareza que a tarefa do controle concentrado da constitucionalidade é uma missão para todos, e não somente para órgãos estatais.

Esta diferenciação possui outros desdobramentos possíveis no quadro do sistema constitucional. Se o controle concentrado é exercido pelo Supremo Tribunal, por outro lado poderá existir, neste controle, a participação da sociedade civil. A decisão do Supremo estará, então, legitimada não somente porque emanou da corte que possui em última instância a complexa responsabilidade da guarda da Constituição. Principalmente, a decisão estatal estará legitimada por ser o resultado de um processo jurisdicional em que a sociedade poderá vir a ter participação.

Mas o modelo de participação democrática no controle difuso também se dá, de forma indireta, pela atribuição constitucional deixada ao Senado Federal. Excluir a competência do Senado Federal — ou conferir-lhe apenas um caráter de tornar público o entendimento do Supremo Tribunal Federal — significa reduzir as atribuições do Senado Federal à de uma secretaria de divulgação intra-legistativa das decisões do Supremo Tribunal Federal; significa, por fim, retirar do processo de controle difuso qualquer possibilidade de chancela dos representantes do povo deste referido processo, o que não parece ser sequer sugerido pela Constituição da República de 1988.

Como se não bastasse reduzir a competência do Senado Federal à de um órgão de imprensa, há também uma conseqüência grave para o sistema de direitos e de garantias fundamentais. Dito de outro modo, atribuir eficácia erga onmes e efeito vinculante às decisões do STF em sede de controle difuso de constitucionalidade é ferir os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (artigo 5.º, LIV e LV, da Constituição da República), pois assim se pretende atingir aqueles que não tiveram garantido o seu direito constitucional de participação nos processos de tomada da decisão que os afetará.

Não estamos em sede de controle concentrado! Tal decisão aqui terá, na verdade, efeitos avocatórios. Afinal, não é à toa que se construiu ao longo do século que os efeitos da retirada pelo Senado Federal do quadro das leis aquela definitivamente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal são efeitos ex nunc e não ex tunc. Eis, portanto, um problema central: a lesão a direitos fundamentais.

Se a Constituição — seja na sua versão original, seja naquela que decorreu das reformas realizadas pelo poder constituinte derivado — elabora tão preciosa diferenciação entre controle concentrado e controle difuso, não há como se imaginar que os efeitos do controle concentrado sejam extensivos ao controle difuso, de forma automática.

É preciso entender que a questão do papel do Senado no controle difuso de constitucionalidade diz respeito aos efeitos da decisão. Isso parece claro. O texto do artigo 52, X, da Constituição do Brasil, somente tem sentido se analisado — portanto, a norma que dele se extrai, — a partir de uma análise do sistema constitucional brasileiro. O sistema é misto.

Portanto, parece óbvio que, se se entendesse que uma decisão em sede de controle difuso tem a mesma eficácia que uma proferida em controle concentrado, cairia por terra a própria diferença. É regra que o controle concentrado tenha efeitos ex tunc (a exceção está prevista na Lei 9.868/99). O controle difuso tem na sua ratio o efeito ex tunc entre as partes.

Então, qual é a função do Senado (artigo 52,X)? Parece evidente que esse dispositivo constitucional não pode ser inútil. Veja-se: em sede de recurso extraordinário, o efeito da decisão é inter partes e ex tunc.

Assim, na hipótese de o Supremo declarar a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em sede de recurso extraordinário, remeterá a matéria ao Senado da República, para que este suspenda a execução da referida lei (artigo 52, X, da CF). Caso o Senado da República efetive a suspensão da execução da lei ou do ato normativo declarado inconstitucional pelo STF, agregará aos efeitos anteriores a eficácia erga omnes e ex nunc.

Nesse sentido, “(…) há que se fazer uma diferença entre o que seja retirada da eficácia da lei, em sede de controle concentrado, e o que significa a suspensão que o Senado faz de uma lei declarada inconstitucional em sede de controle difuso. Suspender a execução da lei não pode significar retirar a eficácia da lei. Caso contrário, não haveria diferença, em nosso sistema, entre o controle concentrado e o controle difuso. Suspender a vigência ou a execução da lei é como revogar a lei. Pode-se agregar ainda outro argumento: a suspensão da lei somente pode gerar efeitos ex nunc, pela simples razão de que a lei está suspensa (revogada), à espera da retirada de sua eficácia.

Daí a diferença entre suspensão/revogação e retirada da eficácia. Sem eficácia, a lei fica nula; sendo nula a lei, é como se nunca estivesse existido. Não se olvide a diferença nos efeitos das decisões do Tribunal Constitucional da Áustria (agora adotada no Brasil), de onde deflui a diferença entre os efeitos ex tunc (nulidade) e ex nunc (revogação). Dito de outro modo, quando se revoga uma lei, seus efeitos permanecem; quando se a nulifica, é esta írrita, nenhuma. Não fosse assim, bastaria que o Supremo Tribunal mandasse a lei declarada inconstitucional, em sede de controle difuso, ao Senado, para que os efeitos fossem equiparados aos da ação direta de inconstitucionalidade (que historicamente, seguindo o modelo norte-americano, sempre foram ex tunc).

Se até o momento em que o Supremo Tribunal declarou a inconstitucionalidade da lei no controle difuso, a lei era vigente e válida, a decisão no caso concreto não pode ser equiparada à decisão tomada em sede de controle concentrado. Repetindo: a valer a tese de que os efeitos da decisão do Senado retroagem, portanto, são ex tunc, qual a real modificação que houve com a implantação do controle concentrado, em 1965? Na verdade, se os efeitos da decisão desde sempre tinham o condão de transformar os efeitos inter partes em efeitos erga omnes e ex tunc, a pergunta que cabe é: por que, na prática, desde o ano de 1934 até 1965, o controle de constitucionalidade tinha tão pouca eficácia? Desse modo, mesmo que o próprio Supremo Tribunal assim já tenha decidido (RMS 17.976), temos que a razão está com aqueles que sustentam os efeitos ex nunc da decisão suspensiva do Senado” 5.

A discussão sobre se o Senado está ou não obrigado a elaborar o ato é outra coisa. O que está em jogo na presente discussão é a própria sobrevivência do controle difuso e os efeitos que dele devem ser retirados. Não por diletantismo acadêmico-intelectual, mas pela objetiva e singela razão de que a Constituição da República possui determinação expressa sobre o papel do Senado neste sentido e que não foi revogada. Por isso cabe insistir nesse ponto, e não apenas em nome de uma suposta defesa da tradição pela tradição, mas de todo um processo de aprendizagem social subjacente à história constitucional brasileira; e da grave lesão que representa para o “modelo constitucional do processo” e do sistema de garantias constitucionais dos direitos fundamentais a atribuição de eficácia erga omnes de efeito vinculante às decisões do STF em sede de recurso extraordinário.

E isso envolve uma discussão paradigmática que está presente a todo momento nas presentes reflexões (afinal, o Estado Democrático de Direito é um paradigma constitucional e o que dele menos se pode dizer é que dá guarida a ativismos e decisionismos judiciais).

Parece que a diferença está na concepção do que seja vigência e eficácia (validade). Decidir — como quer, a partir de sofisticado raciocínio, o ministro. Gilmar Mendes — que qualquer decisão do Supremo Tribunal em controle difuso gera os mesmos efeitos que uma proferida em controle concentrado (abstrato) é, além de tudo, tomar uma decisão que contraria a própria Constituição. Lembremos, por exemplo, uma decisão apertada de 6 a 5, ainda não amadurecida. Ora, uma decisão que não reúne sequer o quorum para fazer uma súmula não pode ser igual a uma súmula (que tem efeito vinculante — e, aqui, registre-se, falar em “equiparar” o controle difuso ao controle concentrado nada mais é do que falar em efeito vinculante). E súmula não é igual a controle concentrado.

Assim, “se o Supremo Tribunal Federal pretende — agora ou em futuros julgamentos — dar efeito vinculante em controle difuso, deve editar uma súmula (ou seguir os passos do sistema, remetendo a decisão ao Senado). Ou isso, ou as súmulas perderam sua razão de ser, porque valerão tanto ou menos que uma decisão por seis votos a cinco (sempre com o alerta de que não se pode confundir súmulas com declarações de inconstitucionalidades). (…) Uma decisão de inconstitucionalidade — em sede de controle dito “objetivo” (sic) — funciona como uma derrogação da lei feita pelo Poder Legislativo. O Supremo Tribunal Federal, ao declarar uma inconstitucionalidade no controle concentrado, supostamente funciona como “legislador negativo” (sic). Por isso também são bem distintos os efeitos das decisões de inconstitucionalidade em países que possuem controle difuso ou controle misto (concentrado-difuso) e aqueles que possuem apenas o controle concentrado, bastando ver, para tanto, como funcionam os tribunais constitucionais europeus em comparação com os Estados Unidos (controle difuso stricto sensu) ou o Brasil (controle misto). (…) Em face disso é que, em sede de controle difuso, torna-se necessário um plus eficacial à decisão do Supremo Tribunal, introduzido em 1934, com o objetivo de conceder efeito erga omnes às decisões de inconstitucionalidade (hoje o artigo 52,X).

Observemos: tanto no controle concentrado como no difuso o Supremo Tribunal Federal decide através de full bench. A diferença é que, na primeira hipótese, o controle é “objetivo” (é “em tese”, como diz a doutrina, embora saibamos que não há decisões in abstracto); no segundo caso, o julgamento representa uma questão prejudicial de um determinado “caso jurídico”. Mas, então, há que se perguntar: se em ambos os casos o julgamento é feito em full bench e o quorum é o mesmo (mínimo de seis votos), o que realmente diferencia as decisões? (…) Mas, se são iguais, porque são diferentes? Aí é que está o problema: as decisões exsurgentes do controle difuso não possuem autonomia, pois dependem do “socorro” do poder legislativo para adquirir força vinculante erga omnes.

Esta é uma questão de cumprimento do princípio democrático e do princípio do devido processo legal. É nesse sentido que o Senado, integrante do Poder Legislativo, ao editar a resolução que suspende a execução da lei, atuará não no plano da eficácia da lei (essa é feita em controle concentrado pelo STF), mas, sim, no plano da vigência da lei. Daí que, no primeiro caso — controle concentrado — o efeito pode ser ex tunc; no segundo caso — controle difuso — o efeito somente poderá ser ex tunc para aquele caso concreto e ex nunc após o recebimento desse plus eficacial advindo de um órgão do Poder Legislativo.(…) Na verdade, o que faz a riqueza do sistema são essas possibilidades de divergir. Conseqüentemente, não é qualquer decisão que pode ser vinculante. E isso é absolutamente relevante. Afinal, nosso sistema não é o da common law. Aliás, mesmo no sistema da common law, há que se levar em conta, como bem lembra Dworkin, a força gravitacional dos precedentes. Uma decisão só pode ser considerada como sendo “um precedente” retrospectivamente se for considerado o caso concreto objeto de apreciação aqui e agora. Caso contrário, adotaríamos a tese da aplicação mecânica dos precedentes, típica do positivismo exegético, enfim, do convencionalismo estrito” 6.

Deve, ainda, ser ressaltado que “Se entendermos que uma decisão do STF em controle difuso vale contra tudo e contra todos, além de ter efeito ex tunc, também teremos que entender que uma decisão afirmando a constitucionalidade de uma lei deve ter igual efeito. E teremos que suportar as conseqüências. E os efeitos colaterais. (…) Assim, por uma exigência de integridade no Direito (Dworkin), parece óbvio afirmar que a norma constitucional que estabelece a remessa ao Senado (artigo 52, X) não poderia ser “suspensa” em nome de argumentos políticos ou pragmáticos.7

Deixar de aplicar o artigo 52, X, significa não só abrir precedente de não cumprimento de norma constitucional — enfraquecendo sobremodo a força normativa da Constituição — mas também suportar as conseqüências, uma vez que a integridade também supõe integridade da própria Constituição. E, não se pode esquecer que a não aplicação de uma norma é uma forma de aplicação. Incorreta. Mas é”8.

Controle difuso e controle concentrado no Brasil

A competência do Senado Federal estabelecida pelo artigo 52, X da Constituição, para além de se materializar no exercício de uma atribuição do poder constituinte originário, deixa-se refletir, ainda, quando da contextualização de seu lugar constitucional. Espaço de representação política da Federação, ao Senado Federal foi atribuída a competência do artigo 52, X da CF porque, racionalmente, somente a um organismo da Federação é que poderia recair a autoridade para suspensão de instrumentos normativos, por exemplo, oriundos de outros entes da Federação, como estados, Distrito Federal ou municípios, em razão, especialmente, da solidificada sistemática de controle da constitucionalidade a inadmitir controle concentrado de espécie normativa municipal diretamente no Supremo Tribunal.

Tem-se, então, uma dupla acepção de democracia: a que parte do controle reflexo do povo na eleição de representantes dos entes federados e o trato e o equilíbrio necessários à harmonização do sistema federativo brasileiro.

Como se trata de uma das Casas do Poder Legislativo, o Senado Federal não teria como estar vinculado ao entendimento do Supremo Tribunal, o que também é pacificamente aceito pelo próprio STF. Porém, se o Senado Federal decidir pela suspensão, deverá fazê-lo, nos termos do entendimento esboçado pelo STF, a fim de preservar a autoridade dos julgados deste último. Tem-se aqui, do ponto de vista da idealidade, um sistema de controle bem formulado e, do ponto de vista do realismo, que não tem sido a fonte de martírios para a Constituição da República.

Assim, não parece prosperar o entendimento do ministro relator a respeito da evolução das formas e métodos de controle da constitucionalidade, quando recorre especificamente à interpretação conforme a constituição (verfassunsgskonforme Auslegung) ou a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto (Teilnichtigerklärung ohne Normtextreduzierung). O problema afigura-se mais complexo.

Com efeito, declarar a inconstitucionalidade não pode ter os mesmos efeitos que não declarar a inconstitucionalidade (embora esse equívoco tenha sido cometido pelo legislador brasileiro, ao conceder efeitos “cruzados” nas ADIs e ADCs). Isto é, é preciso ter claro que nem mesmo nos sistemas constitucionais que podem ser considerados como “consolidados” como Espanha e Portugal, a afirmação da constitucionalidade (ou, se se quiser, a não pronúncia de inconstitucionalidade) tem efeito vinculante (não esqueçamos, aqui, que a interpretação conforme é uma forma de “afirmação da constitucionalidade”.

veja-se, nesse sentido, a opinião de autores como J. J.Gomes Canotilho.8 e Jorge Miranda9 sobre os efeitos da interpretação conforme a Constituição. Dito de outro modo, eis aqui uma diferença fundamental entre as decisões que acolhem a inconstitucionalidade e as que a desacolhem: as primeiras fazem coisa julgada material; as segundas têm força meramente de coisa julgada formal, não impedindo sequer que o mesmo requerente solicite novamente a apreciação da inconstitucionalidade da norma anteriormente “declarada” (sic) constitucional.

Duas razões podem ser elencadas em favor dessa tese, a partir das lições de Rui Medeiros, Miguel Galvão Teles, Ferreira de Almeida e Garcia de Enterría: primeiro, a eficácia geral da declaração de constitucionalidade impediria que, por uma evolução da interpretação das regras constitucionais, resultante da transformação das circunstâncias e das concepções e porventura da própria alteração da mentalidade do tribunal, repusesse-se o problema da validade de normas já anteriormente apreciadas. Ou seja, se tribunal constitucional pudesse declarar a conformidade da norma com a Constituição, estaria a tornar estáticos e rígidos normativos abertos à variação do devir e cujas previsões e estatuições se adequam ou “se desadequam” com a mudança natural das coisas. A atribuição de força obrigatória geral à declaração de constitucionalidade dificultaria assim uma interpretação constitucional evolutiva – capaz de adaptar o texto da Constituição às situações históricas mutáveis e susceptível de atender a toda a riqueza inventiva da casuística.

O segundo argumento, que não pode ser superado por via dos limites objetivos (identidade da causa de pedir) e temporais do caso julgado (cláusula rebus sic stantibus) – a atribuição de eficácia erga omnes à decisão de rejeição de inconstitucionalidade conferiria ao tribunal — cujas decisões não podem ser corrigidas por nenhum outro órgão — o poder incontrolável de decidir infalivelmente sobre a constitucionalidade da lei, tornando-se um árbitro irresponsável da vida do Estado e dono, em vez de servo, da constituição. De forma contundente, Medeiros acrescenta um argumento avassalador: se a declaração de constitucionalidade tivesse força obrigatória geral, uma decisão do tribunal constitucional que concluísse erradamente pela conformidade à constituição de uma determinada norma envolveria, inevitavelmente, uma alteração da constituição, uma vez que a decisão teria o valor da norma constitucional que serviu de parâmetro e só poderia ser corrigida por emenda constitucional.A recusa de atribuição de eficácia erga omnes à decisão de não-inconstitucionalidade permite, pelo contrário, remediar, através de nova decisão, os possíveis erros precedentemente cometidos na apreciação da constitucionalidade pelo tribunal constitucional10.

De todo modo — há que se reconhecer — , tais teses não vinga(ra)m em terrae brasilis. Isto porque, em nome de efetividades quantitativas, optou-se, por aqui, em conceder efeito vinculante a qualquer decisão sobre (in)constitucionalidade (e, agora, conforme a tendência do STF, também para decisões em controle difuso de constitucionalidade). Agregue-se que, na Alemanha — e a lembrança é de Helmut Simon — o próprio Tribunal Constitucional já rechaçou sua vinculação a posições prévias e rapidamente realizou alterações nos critérios de julgamento.

O Tribunal foi muito criticado porque na sentença sobre o Grundlagenvertrag insistira em demasia a força vinculativa dos fundamentos jurídicos (BverfGE 36, 1 (36)). Especificamente com relação à interpretação conforme, há um acordo em relação a que unicamente pode ser vinculante o veredicto acerca de interpretações contrárias à Constituição (BverfGE 40, 88 (93 s.), assim como a resolução do Pleno (BverfGE 54, 277). Tal interpretação compadece bem com a idéia dinâmica que deve ter uma Constituição, assim como o fato de que é tarefa do Bundesverfassungsgericht defender a Constituição e não se dedicar a canonizar suas posições de outro tempo.

Uma idéia restritiva da força vinculante parece mais aconselhável que proibições constitucionais, que, em caso de erro, resultam dificilmente corrigíveis, além de que a simples ameaça de que se vá buscar guarida junto ao tribunal constitucional gera reações antecipadas de preparação de novos projetos de lei. 11

Portanto — e isso se afigura como extremamente relevante — também poderíamos questionar até mesmo o fato de a interpretação conforme a constituição ou a declaração parcial de inconstitucionalidade possuírem efeito vinculante e eficácia erga omnes (embora a Lei 9.868/99 aponte em sentido contrário).

Já no caso de controle difuso de constitucionalidade — peculiaridade nossa e de Portugal — o próprio Supremo Tribunal sempre teve ciência de que não há a possibilidade de dar efeito erga omnes às decisões proferidas nessa modalidade, necessitando da intervenção do Senado Federal (afinal, embora o próprio Supremo Tribunal não estar cumprindo, de há muito, a determinação constante no artigo 52, X, da CF). E, por fim, se se trata de súmula vinculante sabe-se que é despicienda qualquer participação do Senado Federal. Qual a razão de tais conclusões? A resposta parece simples: isto é, assim em face, das determinações que integram a Constituição Federal por decisão do poder constituinte originário e derivado.

Dizendo de outro modo, a argumentação constante do voto do ministro relator de que o próprio STF optou pela dispensabilidade de se encaminhar ao Pleno da Corte decisão tomada por uma de suas Turmas sobre constitucionalidade/inconstitucionalidade, desde que já tenha ocorrido manifestação do STF no mesmo sentido, não pode ser comparada ao caso que se tem em exame. No caso, não se extrapola o limite de poder concedido pela Constituição. Não se invade esfera outra de poder.

Já para a situação que almeja a extensão dos efeitos de controle concentrado ao difuso, não há nada que autorize o STF a operar mencionada sistemática no texto de nossa Constituição, tampouco na tradição de nossa doutrina de controle da constitucionalidade. Portanto, o primeiro caso é aceitável porque se tem uma inovação produzida no âmbito de uma competência constitucionalmente delineada e já consolidada. No segundo — não somente pela razão de ser novo posicionamento — mas, fundamentalmente, por não encontrar respaldo autorizador constitucional expresso, exigência igualmente razoável em virtude de termos um sistema jurídico escrito, herdeiro da noção romano-germânica de direito. Ao contrário: o artigo 52, X aponta em outro sentido.

Na verdade, há uma questão que se levanta como condição de possibilidade na discussão acerca da validade (e da força normativa) do artigo 52,X, da Constituição do Brasil. Trata-se de uma questão paradigmática, uma vez que sua ratificação (o que vem sendo repetido pelo menos desde 1934), em uma Constituição dos tempos de Estado Democrático de Direito, dá-se exatamente pela exigência democrática de participação da sociedade no processo de decisão acerca da (in)constitucionalidade de uma lei produzida pela vontade geral.

Por isso, o artigo 52,X é muito mais importante do que se tem pensado. Ele consubstancia um deslocamento do pólo de tensão do solipsismo das decisões do judiciário em direção da esfera pública de controle dessas decisões. Nesse aspecto, o constitucionalismo do Estado Democrático de Direito deve ser compreendido no contexto da ruptura paradigmática ocorrida no campo da filosofia.

Dito de outro modo, o direito não está imune ao pensamento que move o mundo. Mundo é mundo porque é mundo pensado. Conseqüentemente, a derrocada do esquema sujeito-objeto (ponto fulcral das reflexões das teorias democráticas que vão desde as teorias do discurso à hermenêutica) tem repercussão no novo modelo de Estado e de direito exsurgido a partir do segundo pós-guerra.

O sujeito solipsista (Selbstsüchtiger) dá lugar à intersubjetividade. Veja-se o problema ocasionado pela prevalência do velho paradigma representacional (sujeito-objeto) nas diversas reformas no processo: cada vez mais se coloca o procedimento à disposição do pensamento “justo” do juiz, valendo, por todos, citar a assim denominada “instrumentalidade do processo” (por todos, Candido Dinamarco e José Bedaque). Cada vez que se pretende “processualizar mais o sistema”, ocorre uma diminuição do processo enquanto instrumento de garantia do devido processo legal. Ora, se o devido processo legal serve para preservar direitos, não é em nome dele que se pode fragilizar o próprio processo.

Dia-a-dia, o sistema processual caminha para o esquecimento das singularidades dos casos. Trata-se, pois, de um novo princípio epocal. Na verdade, se o último princípio epocal da era das duas metafísicas foi a vontade do poder (Wille zur Macht), o novo princípio, forjado na era da técnica, acaba por se transformar no mecanismo que transforma o direito em uma mera racionalidade instrumental (lembremos, sempre e novamente, as escolas instrumentalistas…!). Manipulando o instrumento, tem-se o resultado. Ao final dessa “linha de produção”, o direito é aquilo que a vontade do poder quer que seja.

Chega-se ao ápice da não democracia: o direito transformado em política. Não que direito e política estejam cindidos. Parece desprezível qualquer comentário acerca dessa problemática (pensemos, por exemplo, na doutrina de Hans P. Schneider). O que ocorre é que a relação direito-política não pode criar/estabelecer uma contradição em si mesmo, ou seja, se o direito serve para controlar/garantir a democracia (e, portanto, a política), ele não pode ser a própria política.

O problema da mutação constitucional e os limites da jurisdição. Da alteração da norma de um texto para a alteração do próprio texto

Finalmente, uma questão não pode ser olvidada. O século XX foi atravessado por duas grandes revoluções que dizem respeito diretamente ao direito e à filosofia, transformando-se em condições de possibilidade para a compreensão dos fenômenos jurídico-políticos ocorridos principalmente a partir do segundo pós-guerra.

De um lado, o constitucionalismo compromissório e principiológico com feições claramente diretivas (tese que continuamos a defender), firmando o compromisso do povo para com as transformações sociais historicamente sonegadas, circunstância que assume foros de dramaticidade em países de modernidade tardia como o Brasil. Isso significa que o compromisso primordial de uma constituição é a democracia e a realização dos direitos fundamentais (promessas da modernidade).

A segunda revolução copernicana é a superação do esquema sujeito-objeto, que proporciona o derrota das posturas subjetivistas-solipsistas. E parece não haver dúvida de que o Estado Democrático de Direito dá-se no entremeio dessa reviravolta lingüística. Na verdade, o linguistic turn não foi devidamente recepcionado no campo do direito brasileiro; melhor dizendo, a viravolta linguística foi mal compreendida pela tese da mutação constitucional. O direito — compreendido no interior dessa ruptura paradigmática — não pode ser entendido como espaço de livre atribuição de sentido; essa questão assume especial relevância quando se trata do texto constitucional. Ou seja, em determinadas situações, mutação constitucional pode significar, equivocadamente, a substituição do poder constituinte pelo Poder Judiciário. E, com isso, soçobra a democracia. E este nos parece ser o ponto principal da discussão acerca dos votos proferidos na aludida Reclamação 4335-5.

Numa palavra, o processo histórico não pode, desse modo, delegar para o Judiciário a tarefa de alterar, por mutação ou ultrapassagem, a Constituição do País (veja-se, nesse sentido, só para exemplificar e esse é o ponto da presente discussão, o “destino” dado, em ambos os votos, ao artigo 52,X, da Constituição do Brasil).

Paremos para pensar: uma súmula do STF, elaborada com oito votos (que é o quorum mínimo), pode alterar a Constituição. Para revogar essa súmula, se o próprio STF não o fizer, são necessários três quintos dos votos do Congresso Nacional, em votação bicameral e em dois turnos. Ao mesmo tempo, uma decisão em sede de controle de constitucionalidade difuso, proferida por seis votos, pode proceder a alterações na estrutura jurídica do país, ultrapassando-se a discussão acerca da tensão vigência e eficácia de uma lei.

Não se pode deixar de frisar, destarte, que a mutação constitucional apresenta um grave problema hermenêutico, no mínimo, assim como também de legitimidade da jurisdição constitucional.

Com efeito, a tese da mutação constitucional é compreendida mais uma vez como solução para um suposto hiato entre texto constitucional e a realidade social, a exigir uma “jurisprudência corretiva”, tal como aquela a que falava Büllow, em fins do século XIX (veja-se, pois, o contexto histórico): uma jurisprudência corretiva desenvolvida por juízes éticos, criadores do Direito” (Gesetz und Richteramt, Leipzig, 1885) e atualizadores da constituição e dos supostos envelhecimentos e imperfeições constitucionais; ou seja, mutações constitucionais são reformas informais e mudanças constitucionais empreendidas por uma suposta interpretação evolutiva.12

Essa tese foi formulada pela primeira vez em fins do século XIX e inícios do século XX por autores como Laband (Wandlungen der deutschen Reichsverfassung, Dresden, 1895) e Jellinek (Verfassungsänderung und Verfassungswandlung, Berlim, 1906), e mereceu mais tarde conhecidos desenvolvimentos por Hsü-Dau-Lin (Die Verfassungswandlung, Leipzig, 1932). Como bem afirmam os professores Artur J. Jacobson (New York) e Bernhard Schlink (Berlim), em sua obra Weimar: A Jurisprudence of crisis (Berkeley: University of Califórnia, 2000, p. 45-46), o dualismo metodológico positivismo legalista-positivismo sociológico que perpassa toda a obra de Jellinek Verfassungsänderung und Verfassungswandlung (Berlim, Häring, 1906) e que serve de base para a tese da mutação constitucional (Verfassungswandlung), impediu o jurista alemão de lidar normativamente com o reconhecimento daquelas que seriam “as influências das realidades sociais no Direito”. A mutação constitucional é assim tida como fenômeno empírico e não é resolvido normativamente: “Jellinek não apresenta um substituto para o positivismo legalista, mas apenas tenta suplementá-lo com uma análise empírica ou descritiva dos processos político-sociais”.13.

Na verdade, o conceito de mutação constitucional mostra apenas a incapacidade do positivismo legalista da velha Staatsrechtslehre do Reich alemão de 1870 em lidar construtivamente com a profundidade de sua própria crise paradigmática. E não nos parece que esse fenômeno possui similaridade no Brasil. E mesmo em Hsü-Dau-Lin”14 (referido pelo ministro Eros Grau) e sua classificação “quadripartite” do fenômeno da mutação constitucional15 não leva em conta aquilo que é central para o pós-segunda guerra e em especial para a construção do Estado Democrático de Direito na atualidade: o caráter principiológico do direito e a exigência de integridade que este direito democrático expõe, muito embora, registre-se, Lin tenha sido discípulo de Rudolf Smend, um dos primeiros a falar em princípios e espécie de fundador da doutrina constitucional alemã pós-segunda guerra.

Em síntese, a tese da mutação constitucional advoga em última análise uma concepção decisionista da jurisdição e contribui para a compreensão das cortes constitucionais como poderes constituintes permanentes. 16 Ora, um tribunal não pode mudar a constituição; um tribunal não pode “inventar” o direito: este não é seu legítimo papel como poder jurisdicional, numa democracia.

A atividade jurisdicional, mesmo a das cortes constitucionais, não é legislativa, muito menos constituinte (e assim não há o menor cabimento, diga-se de passagem, na afirmação do ministro Francisco Rezek, quando do julgamento da ADC 1, quando este dizia que a função do STF é a de um oráculo (sic) que “diz o que é a Constituição”).

De uma perspectiva interna ao direito, e que visa a reforçar a normatividade da constituição, o papel da jurisdição é o de levar adiante a tarefa de construir interpretativamente, com a participação da sociedade, o sentido normativo da constituição e do projeto de sociedade democrática a ela subjacente17. Um tribunal não pode paradoxalmente subverter a constituição sob o argumento de a estar garantindo ou guardando.

Há, portanto, uma diferença de princípio entre legislação e jurisdição (Dworkin). O “dizer em concreto” significa a não submissão dos destinatários — os cidadãos — a conceitos abstratalizados. A Suprema Corte não legisla (muito embora as súmulas vinculantes, por exemplo, tenham adquirido explícito caráter normativo em terrae brasilis).

Ao pretender que caibam reclamações contra as suas teses e não contra as suas decisões proferidas em casos propriamente ditos (observe-se, estamos tratando do controle difuso, cuja ratio é o exame de casos concretos e questões prejudiciais), o STF desloca a discussão jurídica para os discursos de fundamentação (Begründungsdiskurs), elaborados de forma descontextualizada. Passam a ser “conceitos sem coisas”. E isso é metafísica, para utilizarmos uma linguagem cara à hermenêutica de cariz filosófico.

Em outras palavras, a tese esgrimida pelo ministro Gilmar Mendes reduz a discussão jurídica a questões de justificação da validade das normas. Ora, a discussão jurídica é sempre concreta e, confessemos, pela simples razão de que não somos metafísicos, não somos seres numenais: até mesmo quando se faz controle concentrado, há concretude. Afinal, há muito já se disse que a filosofia tem de descer dos céus para a terra, uma vez que os problemas estão cá em terra firme e não no mundo das idéias platônicas.

Registre-se, neste ponto, que até mesmo a sofisticada argumentação de cunho hermenêutico do ministro Eros Grau perde terreno, mesmo que ele pretenda vê-la ancorada na dicotomia “texto e norma”, assim como na repercussão dessa tese na decisão de “mutação constitucional”. Ao que se depreende das assertivas do ministro Eros Grau, “tudo vira norma” e com pretensões universalizantes (podendo, na mutação constitucional, o próprio texto soçobrar, colocando-se em lugar deste não apenas uma nova norma, mas, sim, um novo texto, em face dos limites semânticos daquele texto que tinham que ser ultrapassados — nas suas palavras — era “obsoleto”). 18

Os votos proferidos até agora adentram, assim, na discussão acerca do papel do direito e dos limites da “função corretiva” da jurisdição (em especial, da jurisdição constitucional). A interpretação da Constituição pode levar a que o STF produza (novos) textos, isto é, interpretações que, levadas aos limite, façam soçobrar os limites semânticos do texto no modo que ele vinha sendo entendido na (e pela) tradição (no sentido hermenêutico da palavra)?

Veja-se, nesse sentido, que o ministro Eros Grau sustenta — e, com isso, concorda com o ministro Gilmar — que cabe ao STF não apenas mudar a norma, “mas mudar o próprio texto constitucional” (o texto do inciso X do artigo 52 foi, efetivamente, alterado). Veja-se: o ministro Eros Grau se pergunta se o ministro Gilmar Mendes, ao proceder a “mutação constitucional” não teria “excedido a moldura do texto, de sorte a exercer a criatividade própria à interpretação para além do que ao intérprete incumbe. Até que ponto o intérprete pode caminhar, para além do texto que o vincula? Onde termina o legítimo desdobramento do texto e passa ele, o texto, a ser subvertido?”

E ele mesmo reponde: “não houve qualquer anomalia de cunho interpretativo, pois o ministro Gilmar teria apenas feito uma “autêntica mutação constitucional”: “Note-se bem que S. Exa. não se limita a interpretar um texto, a partir dele produzindo a norma que lhe corresponde, porém avança até o ponto de propor a substituição de um texto normativo por outro. Por isso aqui mencionamos a mutação da Constituição.”

Ocorre que, ao mesmo tempo, o ministro Eros Grau admite que “a mutação constitucional é transformação de sentido do enunciado da Constituição sem que o próprio texto seja alterado em sua redação, vale dizer, na sua dimensão constitucional textual. Quando ela se dá, o intérprete extrai do texto norma diversa daquelas que nele se encontravam originariamente involucradas, em estado de potência”, para, logo em seguida, acentuar que “há, então, mais do que interpretação, esta concebida como processo que opera a transformação de texto em norma. Na mutação constitucional caminhamos não de um texto a uma norma, porém de um texto a outro texto, que substitui o primeiro.”

Por tudo isso, o ministro Eros Grau dirá que “pouco importa a circunstância de resultar estranha e peculiar, no novo texto, a competência conferida ao Senado Federal — competência privativa para cumprir um dever, o dever de publicação (=dever de dar publicidade) da decisão, do STF, de suspensão da execução da lei por ele declarada inconstitucional. Essa peculiaridade manifesta-se em razão da circunstância de cogitar-se, no caso, de uma situação de mutação constitucional”.

Certo então, para o ministro, que na mutação constitucional não apenas a norma é nova, mas o próprio texto normativo é substituído por outro. Entretanto, ele mesmo reconhece que “em casos como tais importa apurarmos se, ao ultrapassarmos os lindes do texto, permanecemos a falar a língua em que ele fora escrito, de sorte que, embora tendo sido objeto de mutação, sua tradição seja mantida e ele, o texto dela resultante, seja coerente com o todo, no seu contexto. Pois é certo que a unidade do contexto repousa em uma tradição que cumpre preservar. Recorro a Jean-Pierre Vernant para dizer que o novo texto, para ganhar sentido, deve ser ligado e confrontado aos demais textos no todo que a Constituição é, compondo um mesmo espaço semântico.”

Entretanto, nossa leitura permite-nos entender que o ministro Eros Grau reconhece, com apoio em Jean-Pierre Vernant, que sempre há que se indagar, quando se está frente a uma mutação constitucional, se o texto resultante da mutação mantém-se adequado à tradição (= à coerência) do contexto, reproduzindo-a, de modo a ele se amoldar com exatidão. A mutação não é uma degenerescência, senão uma manifestação de sanidade do ordenamento.”

Entendemos que, nesse exato contexto, a pergunta que não foi respondida é: mas o que é a tradição? De que tradição se está falando? O que diz a tradição que consubstancia o texto e a norma do artigo 52,X? Em que sentido a “substituição” do texto constitucional, efeito em nome de uma mutação, deixa o novo “texto” em harmonia com a tradição? Não é exatamente para mudar a tradição que se faz “mutação”? Mas, então, se se faz mutação para alterá-la, como lhe ser coerente e fiel? É nesse sentido que a posição de Vernant é tautológica, incorrendo em um paradoxo. E paradoxos são coisas sobre as quais não podemos decidir.

Mais ainda: se o texto “mutado” é obsoleto – como textualmente diz o Min. Eros Grau — como admitir que o STF “faça” outro, que confirme a tradição? De que modo se chega a conclusão de que “um texto constitucional é obsoleto”? E de que modo é possível afirmar que, “por ser obsoleto”, o Supremo Tribunal Federal pode se substituir ao processo constituinte derivado, único que poderia substituir o texto “obsoleto”? A tradição não residiria exatamente no fato de termos adotado — e ratificado em 1988 — o sistema misto de controle de constitucionalidade? A tradição não estaria inserida na própria exigência de remessa ao Senado, buscando, assim, trazer para o debate — acerca da (in)validade de um texto normativo — o Poder Legislativo, único que pode tratar do âmbito da vigência, providência necessária para dar efeito erga omnes à decisão que julgou uma causa que não tinha uma tese, mas, sim, uma questão prejudicial?

Lembremos, de todo modo, que – embora esse não seja, nem de longe, o foco principal da tese do ministro. Eros Grau — sempre se corre o risco, toda vez que se colocar demasiada ênfase nos discursos de validade, de aproximar o direito de determinadas teses realistas, reduzindo e enfraquecendo o papel da doutrina e das demais instâncias de formação do discurso jurídico, circunstância que nos faz ressaltar, aqui, por extrema justiça, o papel histórico do doutrinador e professor Eros Roberto Grau na formação do discurso crítico sobre o direito em tempos duros sem constituição e que influenciou e influencia uma geração de juristas.

Entretanto, tal problemática parece se insinuar, de certo modo, quando o ministro acentua, em seu voto, que “o discurso da doutrina [=discurso sobre o direito] é caudatário do nosso discurso, o discurso do direito. Ele nos seguirá; não o inverso.”

Numa palavra final: essa “redução” do direito ao plano da validade, a confundir a perspectiva jurisdicional e a legislativa, não é novidade, valendo referir o modo como isto é visto pela teoria da argumentação jurídica proposta por Robert Alexy. Veja-se, nesse sentido, a descabida crítica que Alexy18 faz à distinção de Klaus Günther faz entre “discursos de fundamentação e discursos de aplicação”, na qual fica claro um deslocamento da esfera de tensão dessa distinção em direção aos discursos de validade (“the application of norms, too, can be considered a justification of norm; in its logical form it only differs from is generally called “justification os norms” insofar, as its object of is not na universal but an individual norm”). Por isso a argumentação é hispostasiada, isto é, tudo se resume a fórmulas matemáticas e a cálculos de custo-benefício, que, por ter pretensão corretiva, acaba se substituindo ao próprio direito.

Com efeito, Alexy resume essa tensão à validade do Direito, buscando uma espécie de discurso com validade universal. Esse discurso de validade, ao que indica, conteria a “idéia” que daria uma validade universalizante das diversas situações aplicativas (norma universal, nas palavras de Alexy).

No Brasil, essa tese — a de Alexy e a do STF na Rcl 4335-5 — pode dar (ainda mais) respaldo aos defensores das súmulas vinculantes e a distorções no seu processo inadequado de aplicação. De fato, ao se constituírem em discursos de validade construídos para resolver problemas futuros que nela se “subsumam” (não parece haver dúvida a esse respeito, porque a súmula busca impedir a construção de discursos de aplicação — (Anwendugsdiskurs), as súmulas vinculantes parecem encaixar-se na tese de que tudo se resume a discursos de validade, uma vez que nos discursos de justificação (validade) já haveria a referência a muitas situações construídas e experenciadas. 19

Não se pode deixar de lembrar que, para os discursos de justificação — e essa tese é subscrita por Alexy —, a questão é saber qual norma universal é correta. Mas do fato de que essas duas questões (aplicação e justificação) devem ser distinguidas, não implica a existência de dois tipos de discurso essencialmente diferentes; para ele, é possível que essas duas questões iniciem duas operações diferentes dentro de uma mesma forma de discurso e, então, leve a duas variações de uma mesma forma de discurso.

A pergunta que fica é: como saber em que circunstâncias uma norma “universal” é correta ou “qual” das normas é correta? Afinal, correção normativa no direito é antes de tudo uma questão legislativo-democrática, assegurados os direitos fundamentais garantidores da eqüiprimordialidade das autonomias pública e privadas (Habermas). Além isso, o problema é saber se é suficiente descobrir que — e quando — uma norma universal é correta, uma vez que uma norma pode ser correta, mas inaplicável ao caso concreto. Talvez o problema esteja na exigência de Alexy, de que um juízo em fase de uma situação concreta deve se justificar também em razão da sua universalidade, ou seja, ele deve ser adequado a toda e qualquer situação que àquela se assemelhe.

Por aqui — e parece que a questão relacionada ao destino a ser dado ao controle difuso está inexoravelmente ligada a essa querela — , parece que a tese da hipostasiação da discussão acerca da validade toma corpo a cada dia. Com isso, soçobra a realidade.

Afinal, cabe ao STF “corrigir” a Constituição? A resposta é não. Isso faria dele um poder constituinte permanente e ilegítimo. Afinal, quais seriam os critérios de correção, uma suposta “ordem concreta de valores”, um “Direito Natural” no estilo de Radbruch?

Agregue-se a essa relevante questão hermenêutica a seguinte preocupação: decisões do STF, como a da Reclamação sob comento, podem incorrer no equívoco de confundir as tarefas constituídas daquelas constituintes, o que traduziria, portanto, uma séria inversão dos pressupostos da teoria da democracia moderna a que se filia a Constituição da República.

Volta-se à discussão acerca do direito enquanto paradigma, no seguinte ponto: qual é o papel do poder judiciário (ou da justiça constitucional?) É o de elaborar discursos de validade? É o de construir discursos de validade que “contenham” de antemão todas as hipóteses de aplicação? Mas, se assim fosse, a pergunta que sempre fica é: quais as condições de possibilidade que tem esse poder de Estado de ultrapassar esse limite tensionado e tensionante entre validade e aplicação? A discussão acerca da validade prescinde da aplicação?

Tais questões, ao que tudo indica, devem preocupar sobremodo a comunidade jurídica. E não provocar — como está a parecer — um silêncio eloquente!

Ainda, finalmente, uma observação: as sentenças de um tribunal são simbólicas e suas conseqüências o são quase que integralmente, até o gesto do carrasco que, real por excelência, é imediatamente também simbólico em outro nível, como bem alerta Castoriadis. Ou seja, um sistema de direito, que se constrói a partir de doutrina, jurisprudência, legislação, etc, existe socialmente enquanto sistema simbólico. As coisas não se esgotam no simbólico (os atos reais, individuais ou coletivos, o trabalho, o consumo, a guerra, o amor, a natalidade, não são, nem sempre, nem diretamente, símbolos); mas elas só podem existir no simbólico e são impossíveis fora de um simbólico.20 Assim, as conseqüências de determinados gestos, atos, decisões, são mais graves no aspecto do seu significado simbólico do que no seu aspecto “real”.

É possível, desse modo, apreender a dimensão da crise que atravessa o direito a partir das representações simbólicas. Dito de outro modo: como no gesto do carrasco, talvez o mais grave seja o que este representa simbolicamente. Nessa linha, a decisão do STF, por mais que esteja imbuída de um sentido pragmático e sustentada na melhor ciência jurídica, pode (e, certamente assim será) representar uma afirmação do imaginário jurídico que justamente levou àquilo que hoje é combatido: o excesso de recursos e a multiplicação das demandas.

Se o STF pode fazer mutação constitucional, em breve essa “mutação” começará a gerar — como se já não existissem à saciedade21 — os mais diversos frutos de cariz discricionário (portanto, positivista, no sentido em que Dworkin critica as teses de Hart). Exatamente porque no Brasil cada um interpreta como quer, decide como quer e recorre como quer (e isso parece recorrente na cotidianidade dos fóruns e tribunais da República), é que faz com que cresçam dia-a-dia as teses instrumentalistas do processo, como que a mostrar, a todo instante, que as teses de Oscar Von Büllow não foram (ainda) superadas. A solução tem sido essa: corte-se o acesso à justiça. Sob pretexto de agilizarmos a prestação jurisdicional, criamos mecanismos para impedir o processamento de recursos. E quem perde com isso é a cidadania que vê assim negada a jurisdição.

Notas de rodapé

1- Até a publicação deste texto, o julgamento está no seguinte ponto: “Após o voto de vista do Senhor Ministro Eros Grau, que julgava procedente a reclamação, acompanhando o Relator; do voto do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence, julgando-a improcedente, mas concedendo habeas corpus de ofício para que o juiz examine os demais requisitos para deferimento da progressão, e do voto do Senhor Ministro Joaquim Barbosa, que não conhecia da reclamação, mas igualmente concedia o habeas corpus, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello e a Senhora Ministra Cármen Lúcia. Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie. Plenário, 19.04.2007”.

2- No original: “5. Eine Partei ist nicht schon dann verfassungswidrig, wenn sie die obersten Prinzipien einer freiheitlichen demokratischen Grundordnung (vgl. BverfGE 2, 1[12f.]) nicht anerkenn; es muß vielmehr aktiv, kämpferische agressive Haltung gegenüber der bestehenden Ordnung hinzukommen“ (in: Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts, hrg. von den Mitgliedern des Bundesverfassungsgerichts, 5. Band, J. C. B. Mohr (Paul Siebeck). Tübingen, 1956, p. 85).

3- Não vamos discutir, aqui, o problema da relação entre o papel do Senado (art. 52,X,CF) e a questão da “repercussão geral” introduzida pela EC 45/04, regulamentada no art. 543-B do CPC. Observe-se a complexidade do problema: além do poder que o Supremo Tribunal Federal terá a partir da equiparação do controle difuso ao controle concentrado, tem-se que aquela Corte pode, agora, determinar a interpretação de uma norma constitucional e impô-la a todos os processos em sede de controle difuso. Podem ser anuladas, inclusive, as decisões já proferidas pelas diversas instâncias do Poder Judiciário. Portanto, como bem alerta Fernando Faccury SCAFF (Novas Dimensões do Controle de Constitucionalidade no Brasil: Prevalência do Concentrado e Ocaso do Difuso. In: Revista Dialética do Direito Processual n.50, São Paulo, 2007, pp. 20 e segs), isto é mais do que uma súmula vinculante: é uma decisão única, tomada por seis ministros (maioria absoluta), que pode desfazer as decisões adotadas pelos Tribunais de todo o País. A exigência de quorum qualificado (oito votos) é apenas para o juízo de admissibilidade e não para a votação do mérito. É um poder jamais visto no Brasil nas mãos do STF” (id. ib.).

4- O que não significa dizer em concreto, quando direitos subjetivos não estão em questão, ou seja, no sentido esse em que o termo é comumente emprestado por doutrina e jurisprudência do controle da constitucionalidade.

5- STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, Forense, 2ª ed., 2004, pp. 479 e ss.

6- STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e Aplicação do Direito: os limites da modulação dos efeitos em controle difuso de constitucionalidade – O caso dos crimes hediondos. Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2006, pp. 115 e ss.

7- STRECK, Hermenêutica e Aplicação, op.cit.

8- STRECK, Hermenêutica e Aplicação, op.cit.

9- Cf. CANOTILHO, JJ Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª ed. Coimbra, Almedina, 2002, p. 950.

10- Cf. MIRANDA, Jorge. Manuel de Direito Constitucional II. Coimbra, Copimbra Editora, 1996, pp. 265 e segs.

11- Ver, nesse sentido, MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade. Lisboa, Universidade Católica, 1999, p. 836 e 837, referindo a doutrina de: Nunes de Almeida, A justiça constitucional no quadro das funções estaduais, nomeadamente espécies, conteúdo e efeitos das decisões sobre a constitucionalidade de normas jurídicas. In: Justiça Constitucional e espécies, conteúdo e efeitos das decisões sobre a constitucionalidade das normas. Lisboa: Tribunal Constitucional, 1987, p. 133; TELES, Miguel Galvão. A concentração da competência para o conhecimento jurisdicional da inconstitucionalidade das leis. In: Revista O Direito. Lisboa, 1971, p.209; ALMEIDA, J.M. Ferreira de. A justiça constitucional no quadro das funções do Estado, op. cit., p.72; ENTERRIA, Eduardo Garcia de. La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional. Madrid, Tecnos, 1982, p. 141 e 142; ENGELHARDT, Dieter. Das richterliche Prüfungsrecht im modernen Verfassungsstaat. In: Jör, 1959, p. 136 e RUGGERI, Antonio. Storia di un “falso” – L’efficacia inter partes delle sentenze di regetto della Corte Constituzionalle. Milano, 1990, p. 41 e segs; STRECK, Lenio Luiz, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, op.cit.

12- Cfe. SIMON, Helmut. La jurisdicción Constitucional. In: Benda, Maihofer, Vogel, Hesse, Heide. Manual de Derecho Constitucional. 2ª ed. Madrid, Marcial Pons, 2001, p. 843.

13- MENDES, Gilmar Ferreira. “A eficácia das decisões de inconstitucionalidade – 15 anos de experiência” in: SAMPAIO, José Adércio Leite. !5 anos de Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.207.

14- JACOBSON, Artur J. e SCHLINK, Bernhard. Weimar: A Jurisprudence of crisis (Berkeley: University of Califórnia, 2000, p. 46; pp. 54-57.

15- De todo modo, lembremos que Hsü Dau Lin escreveu o seu texto no contexto da República de Weimar, havendo todo um debate sob a Lei Fundamental, por exemplo, com Konrad Hesse e Böckenförde.

16- HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. Belo Horizonte: del Rey, 2002, p.104-105. GARCÍA-PELAYO, Manuel. Derecho Constitucional Comparado. Madrid: Alianza, 1993, p. 137-138. VERDU, Pablo Lucas. Curso de Derecho Político. Madrid: Tecnos, 1984, v. 4, p. 179-180.

17- Sabe-se que na época em que foram escritas as obras de Lin e Smend, não havia Tribunais Constitucionais nos moldes construídos posteriormente. A tese da mutação não significa que não tenha sido dado valor fundamental às práticas políticas no parlamento ou no governo. A conseqüência das teses “mutacionistas” em tempos de “cortes constitucionais” poderia ser diferente.

18- CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Devido processo legislativo: Uma justificação democrática do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e do processo legislativo. 2.ª ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006. Também CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Poder Constituinte e Patriotismo Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006.

19- No fundo, toda (ess)a discussão é similar à pretensão de universalização das súmulas vinculantes; ou seja, as súmulas vinculantes podem ser entendidas como uma hipostasiação de discursos de justificação, isto é, o pólo de tensão passa a estar somente no plano da validade do discurso jurídico.

20- Cf. ALEXY, Robert. Justification and Application of Norms. In: Ratio Juris, vol. 6, no. 2, jul 1993.

21- Cf. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 2ª ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007.

22- Cf. CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982, p.142. Também STRECK, Verdade e Consenso, op.cit., onde é feita uma crítica às conseqüências de decisões que extrapolam os limites semânticos dos textos jurídicos.

23- Por todos, veja a “mutação constitucional” feita recentemente pelo STJ no art. 514 do Código de Processo Penal. Com efeito, considerando ultrapassada a garantia da defesa prévia de quinze dias que o CPP concedia ao funcionário público quando processado, o STJ editou a Súmula 330, alterando, não a norma do art. 514, mas o texto…!

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