Mercado paralelo

Informações de grampo legal são usadas para fazer chantagem

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2 de agosto de 2007, 12h57

As escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal, no Rio de Janeiro, com autorização judicial, para ajudar a investigar o esquema de fraudes nas licitações da Petrobrás pelos donos da empresa Angraporto, tiveram um segundo uso. Elas caíram nas mãos de um ex-sócio, e atual desafeto, dos proprietários da empresa e tornaram-se instrumentos de chantagem contra os mesmos.

Não se trata, certamente, de um caso isolado. O mercado paralelo de informações obtidas de escutas telefônicas, autorizadas ou não pela Justiça, cresce na mesma proporção em que o direito ao sigilo das comunicações é banalizado pela sociedade em geral.

Que o resultado dos grampos tinha caído em mãos estranhas à investigação o procurador da República Carlos Alberto Aguiar e o próprio juiz, Flávio Oliveira Lucas, da 4ª Vara Federal Criminal, que autorizou a escuta, já sabiam. Tanto assim que o “monitoramento” foi interrompido durante um período – meados do segundo semestre de 2006 – até que um delegado de confiança da cúpula da PF e do Ministério Público Federal assumisse o caso.

O que surpreendeu a todos foram as denúncias de que os áudios das gravações estavam servindo para chantagens baratas. Elas surgiram semana passada durante os interrogatórios dos quatro sócios da Angraporto, presos no dia 10 de julho. Agora será motivo de investigação policial. Um novo inquérito buscará descobrir o autor do vazamento.

A Operação Águas Profundas, responsável pela denúncia contra 26 pessoas e a prisão de 18 delas (processo 2005.51.01.503579), foi deflagrada a partir de acusações feitas pelo empresário Arnaldo de Araújo Matos Filho, que tinha mantido sociedade na empresa Planeta Operadora, com os mesmos sócios da Angraporto que foram presos: Fernando da Cunha Stérea, Mauro Luiz Soares Zamprogno, Wladimir Pereira Gomes e Simon Matthew Clayton.

Arnaldo tinha se desentendido com seus antigos sócios que o acusam de desfalques na empresa superiores a R$ 1 milhão. Isto gerou três processos na Vara Empresarial do Rio para expulsá-lo da sociedade. Provavelmente em retaliação, ele foi bater à porta do Ministério Público Federal denunciando os esquemas de corrupção que envolveriam as “vitórias” da Angraporto em licitações na Petrobrás.

Mas ele não se contentou em apenas denunciar o esquema. Passou a cobrar das autoridades agilidade nas investigações, mantendo também um íntimo relacionamento com policiais federais. Dizendo-se ameaçado, reivindicou ao juiz Flávio Lucas proteção policial, que lhe foi concedida.

O inquérito para apurar as fraudes nas licitações da Petrobrás, aberto na Superintendência da Polícia Federal, começou presidido pelo delegado federal Jerônimo José de Oliveira e depois passou para o delegado Paulo Massareti. Estranhamente, com as investigações ainda em curso, um repórter da TV Globo recebeu cópias dos grampos feitos e foi atrás do procurador Aguiar. Numa atitude ética, guardou todo o material até a deflagração da operação. Mas o fato deixou o procurador e o juiz com a pulga atrás da orelha.

O comportamento dos dois delegados que cuidaram do caso aliado às informações que chegaram ao procurador e ao juiz da 4ª Vara Federal de “festinhas” de embalo que Arnaldo promovia para os policiais de sua escolta, obrigou-os a uma guinada nas investigações.

O juiz suspendeu os monitoramentos telefônicos assim como a proteção dada ao empresário que se dizia ameaçado. A pedido do procurador, o diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda, entregou o caso a um delegado experiente e de confiança, Cláudio Nogueira, que àquela altura estava assumindo a delegacia regional de Juiz de Fora. A partir de então, o denunciante passou a ser também suspeito, e acabou tendo seus telefones monitorados, tal como seus ex-sócios.

Partiu dele a divulgação dos grampos para o repórter. O que o juiz e o procurador desconheciam foi o uso das gravações para intimidar os demais empresários investigados. O primeiro a falar disto foi Stérea, no seu interrogatório ao juiz Lucas. Segundo disse, após os processos movidos na Vara Empresarial, “Arnaldo começou a persegui-los e dizer que somente sairia (da empresa) voluntariamente se recebesse alguns milhões, que os demais sócios não possuíam, começando também a exercer chantagem contra os outros sócios, valendo-se dos mais variados expedientes, entre os quais se inclui a entrega de CDs para as esposas dos sócios Simon e Mauro, sendo que os Cds continham conversas”.

O Cd enviado à esposa de Simon transcrevia conversas em que os outros sócios da Angraporto o criticavam. Já o encaminhado à mulher de Mauro relatava um diálogo do seu marido em que ele admitia ter ocupado um mesmo quarto de hotel que sua secretária, durante um evento em Macaé, ocasião em que os hotéis encontravam-se lotados. Mauro confirmou a versão em seu interrogatório:

“Que em 2005, logo após a feira de petróleo ocorrida em Macaé, recebeu um CD contendo gravações telefônicas suas com Fernando e Wladimir, tendo sido este CD enviado para sua esposa; que o conteúdo das conversas o comprometiam no plano pessoal e o conhecimento por sua esposa provocou constrangimentos; que ligou o envio deste CD a sua esposa a Arnaldo porque na mesma época a esposa de Simon também recebeu um CD e a empresa TBS de Nova York também recebia informações assinadas por Arnaldo, voltadas a desmoralizá-lo; que não procuraram saber como Arnaldo teria tido acesso a tais conversas; que na época não tomaram providências e optaram por “passar uma borracha no mal que ele havia feito”. (sic)

Foi a primeira vez que chegou ao conhecimento da Justiça Federal fluminense a informação de que escutas telefônicas autorizadas judicialmente podem ter sido usadas por pessoas estranhas ao processo como forma de chantagem. Informações sobre abusos em monitoramento já tinham acontecido assim como notícias da indústria de gravações.

Neste mesmo processo um dos réus é o agente de policia federal Sérgio Granja que, segundo a denúncia, facilitava a entrada dos empresários da Angraporto no país, após suas viagens internacionais, sem passar pela Alfândega. Mas ele também foi acusado de montar um esquema de “escuta” das conversas da ex-mulher de Fernando Stérea, com quem ele travava uma disputa judicial.

Embora a suspeita seja grande de que as gravações usadas por Arnaldo sejam as mesmas feitas com autorização judicial, somente o Inquérito a ser aberto é que esclarecerá esta questão. Se não forem fruto dos grampos, Arnaldo responderá por crime de escuta indevida. Mas, mesmo que o vazamento tenha partido de quem estava trabalhando na investigação — o que significará crime por parte dos policiais federais — a situação do empresário que denunciou o esquema não é nada confortável.

Na denúncia assinada pelo procurador Aguiar, já existia a suspeita de que Arnaldo, através de outras empresas, estivesse usando “as mesmas práticas ilícitas” que denunciou contra seus ex-sócios.

Corroborando esta suspeita, na semana passada, a Petrobrás cancelou uma licitação que tinha sido presidida pelo seus ex-funcionário Carlos Alberto Feitosa – preso na Operação Águas Profundas e demitido por justa causa – ganha pela empresa mineira Multitek, para reforma da plataforma P-10. A Multitek estava associada ao estaleiro Cassinu, com o qual Arnaldo tem estreitas ligações, a ponto de um dos donos da empresa mineira suspeitar que ele fosse também sócio.

Todas estas suspeitas levaram o Ministério Público a pedir, e o juiz autorizar, uma busca e apreensão também nos imóveis utilizados por Arnaldo. Na sua casa, no bairro nobre de São Conrado (Zona Sul da cidade) a polícia apreendeu três espingardas Winchester, uma metralhadora Uzi, uma carabina, duas pistolas – uma delas com mira lazer – e dois revólveres.

O pai de Arnaldo, o procurador da Fazenda Arnaldo Araújo Matos, preocupado com a situação do filho tem visitado autoridades envolvidas na investigação, levando ao lado o desembargador federal aposentado Ney Fonseca. Tenta provar, com documentos expedidos pelo ministério do Exército, que o filho é colecionador de armas. Mas um detalhe chama a atenção de quem conhece a legislação a respeito. As armas encontradas na casa do empresário estavam todas municiadas e, pela lei, colecionador não pode guardar armas devidamente carregadas e prontas para o uso.

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