Operação Hurricane

Comissão de Prerrogativas da OAB agiu em tempo recorde

Autor

18 de abril de 2007, 14h34

Em meio às reclamações de desrespeito da Polícia Federal às prerrogativas de advogados durante a Operação Hurricane, os criminalistas Alberto Zacharias Toron e Nélio Machado foram nomeados presidente e vice da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil. A nomeação foi feita pelo presidente Cezar Britto, na segunda-feira (16/4).

E a primeira missão dos nomeados foi cumprida em tempo recorde. Já na terça-feira (17/4), o pedido para que os advogados dos 25 presos na operação tivessem acesso aos autos e contato livre e direto com os seus clientes foi aceito pelo ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal.

O cumprimento da decisão da Corte será verificado pela comissão na tarde desta quarta-feira (18/4). Nélio Machado, que também é advogado de um dos presos na Hurricane, vai até a sede da PF em Brasília para verificar se os agentes policiais estão respeitando o direito de advogados e clientes conversarem com privacidade. “Se uma ordem do Supremo é interpretada e descumprida é porque as coisas não andam bem”, declarou. O vice-presidente vai acompanhado de Reginaldo de Castro, ex-presidente nacional da OAB.

No último sábado, o advogado Délio Lins e Silva – que representa o procurador da República João Sérgio Leal Pereira – afirmou à revista Consultor Jurídico que só conseguiu falar com seu cliente, por cinco minutos, depois de 30 horas da chegada dele a Brasília.

Outro advogado que representa presos na operação confirmou que, depois de sete horas de espera, pôde falar com seus clientes por apenas cinco minutos e, ainda assim, sem qualquer privacidade. Em relação ao acesso aos autos, a determinação de Cezar Peluso já foi acolhida. Cada advogado recebeu uma cópia magnética das peças que compõem o inquérito que investiga o esquema de exploração de jogo ilegal.

Leia a decisão do ministro Cezar Peluso

Inquérito 2.424-4 Rio de Janeiro

Relator: Min. Cezar Peluso

Autor(as)(es): Ministério Público Federal

Decisão: Aprecio todos os requerimentos constantes de fls. 2629-2813, muitos dos quais têm alcance comum que, por conseguinte, serão objeto de uma só decisão a respeito.

1. Como é de jurisprudência assentada desta Corte, têm os suspeitos ou indiciados direito de acesso, por meio dos advogados constituídos aos elementos de prova a seu respeito já colhido e documentados nos autos do inquérito, ainda quando este se processe em segredo de justiça, embora tal prerrogativa, radicada nas garantias inerentes ao due process of law, não subtraia à autoridade policial o dever de sigilo a respeito de diligências e outras iniciativas em curso ou ainda por realizar ou decidir na apuração dos fatos:

“ADVOGADO. Investigação sigilosa do Ministério Público Federal. Sigilo inoponível ao patrono do suspeito ou investigado. Intervenção nos autos. Elementos documentados. Acesso amplo. Assistência técnica ao cliente ou constituinte. Prerrogativa profissional garantida. Resguardo da eficácia das investigações em curso ou por fazer. Desnecessidade de constarem dos autos do procedimento investigatório. HC concedido. Inteligência do art. 5º, I, XIII, da CF, art. 20 do CPP, art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/94, art. 16 do CPPM, e art. 26 da Lei nº 6.368/76 Procedentes. É direito do advogado, suscetível de ser garantido por habeas corpus, o de, em tutela ou no interesse do cliente envolvido nas investigações, ter acesso amplo aos elementos que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária ou por órgão do Ministério Público, digam respeito ao constituinte” (HC nº 88.190, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJ de 06.10.2006). No mesmo sentido, cf., ainda, HC nº 82.059-MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 30.06.2005; HC nº 88.520-MC, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ de 25.04.2006; HC nº 90.232, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 02.03.2007; HC nº 87.827, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 23.06.2006; e, ainda, decisão monocrática proferida pelo min. NELSON JOBIM, no HC nº 87.619-MC, DJ de 01.02.2006.

Ante o exposto, defiro todos os pedidos de vista, unicamente para garantir aos peticionários, por intermédio de seus advogados regularmente constituídos, o direito de acesso, no que lhes diga respeito, aos autos inquéritos, na Secretaria. Observo e deixo claro, ainda, que este provimento assegura direito de acesso apenas às informações já formalmente documentadas nestes autos.

2. Deve ser livre e direta a comunicação entre acusado defensor.

O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil — Lei nº 8.906/94 – dispõe, no art. 7º, inciso III, que é direito do advogado “comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares ainda que considerados incomunicáveis”.

Em razão do direito à defesa técnica, que deve ter o exercício assegurado desde o início da persecução penal e durante todo o procedimento conforme o art. 5º, incs. LV e LXIII, da Constituição da República, o preso teria direito de consultar advogado, até antes do interrogatório.

Estabelece o art. 185, § 2º, do Código de Processo Penal, que “antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor”. É o que convém ao Inquérito policial conforme se infere à regra contida no art. 6º, inc. V, do mesmo Código.

Assim, deve garantir-se que a comunicação entre suspeito ou indiciado e defensor se dê de forma livre e privativa, sem a presença de qualquer funcionário do Estado:

“a prisão, ou mesmo a incomunicabilidade, do cliente não podem prejudicar a atividade do profissional. A tutela do sigilo envolve o direito do advogado em comunicar-se pessoal e reservadamente com o cliente preso, sem qualquer interferência ou impedimento do estabelecimento prisional e dos agentes policiais” (LOBO, Paulo, Luiz Netto, Comentários ao Estatuto da Advocacia, 2. ed. Brasília: livraria e Editora Brasília Jurídica, Conselho Federal da OAB, 1996, p. 57).

É o que, ainda antes da atual Constituição da República e sob a vigência do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil — Lei nº 4.215/63, o Supremo Tribunal Federal já havia decidido:

“Prerrogativas do advogado. 1) O acesso do advogado ao preso e consubstancial a defesa ampla garantida na Constituição, não podendo sofrer restrição outra que aquela imposta, razoavelmente, por disposição expressa de lei. 2) A ação penal instaurada contra advogado, por fatos relacionados com o exercício do direito de livre ingresso nos presídios. Falta de justa causa reconhecida. Recurso de habeas corpus provido” (RHC nº 51.778, Rel. Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE, DJ de 05.04.1974).

Assim, oficie-se a autoridade policial para que garanta o contato pessoal, direto e reservado entre os presos e seus patronos.

3. Oficie-se também à autoridade policial, para que, nos termos da jurisprudência da Corte, que tem reconhecido aos advogados e, não menos, aos magistrados, o direito de serem recolhidos em prisão especial ou sala de Estado-Maior, assim considerado local com instalações e comodidades condignas, nos termos do art. 7º V, da Lei nº 8.906, de 4 de setembro de 1994, mas independentemente de tal reconhecimento pela OAB (cf. ADI nº 1.127, Rel, p/ac. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 17.05.2006), e art. 33, III, da Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979 — LOMAN (cf. HC nº 81.632, Rel, p/ac. Min. MAURÍCIO CORREA, DJ 21.03.03; HC nº 88.702, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ 24.11.2006; HC nº 84.490-MC, Rel. Min. CEZAR PELUSO, etc), para que informe, até com fotografias, se seja o caso, as condições dos locais em que se encontram recolhidos os magistrados e os advogados.

4. Oficie-se, ainda, à autoridade policial, para que informe, com urgência, o estado de saúde dos requerentes José Eduardo Carreira Alvim e Silvério Luiz Nery Cabral Junior, à vista da petição de fls. 2711-2714, que resume e de certo modo retifica requerimento anteriores, e cuja cópia deverá acompanhar o ofício.

5. Comunique-se ao Exmo. Min. Corregedor Nacional de Justiça, em resposta ao ofício de fls. 2642, que, se e quando o repute necessário ou conveniente, esta Corte encaminhará cópia deste procedimento sigiloso ao órgão ou órgãos competentes.

6. Acabo de receber, agora (18h52), três petições, cuja juntada determino. Duas, concernente a requerimento de vista e de revogação de prisão, já são objeto de decisão que lhes aproveita.

Quanto ao requerimento Antônio Petrus Kalil, determino se oficial à autoridade, com cópia integral da petição e documentos que a acompanha para que submeta incontinenti o requerente a avaliação médica e, sendo o caso-lhe promova imediata internação no Hospital das Forças Armadas, com cautelas de praxe e medida autorização prévia da respectiva autoridade.

7. Sobre os demais requerimentos (relaxamento das prisões, etc.), dê-se urgente vista ao Procurador Geral da República.

Int.

Brasília, 16 de abril de 2007.

Ministro Cezar Peluso

Relator

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!