Ofensas à fé

CBN tem de indenizar Universal por causa de comentário de Jabor

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17 de abril de 2007, 0h01

A rádio CBN foi condenada a pagar 50 salários mínimos de indenização por danos morais para a Igreja Universal por conta de um comentário considerado ofensivo feito pelo jornalista Arnaldo Jabor, em fevereiro de 2003. A decisão é da 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo e dela ainda cabe recurso. Para o relator, desembargador Boris Kauffman, a responsabilidade civil é da empresa, e não do comentarista.

Em seu comentário, Jabor falava de viagem que fez à Bahia, da Universal e de seu movimento contrário ao Candomblé. “Há um grande problema acontecendo em Salvador que exige uma atitude das autoridades. Para a Bahia, se mudaram charlatãs, mentirosos, falsos profetas da Universal do Reino de Deus, aquela seita de executivos que usam Jesus para botar redes de milhões de dólares em TVs, palácios em Miami e outras malandragens com os 10% dos dízimos que eles tiram dos pobres. Até aí nada se pode fazer, a não ser alertar as pessoas do conto do vigário”, comentou Jabor na CBN.

Na ação, a igreja alegou que os comentários de Arnaldo Jabor tiveram cunho ofensivo, malicioso, preconceituoso e que o comentarista se valeu “de acusações desprovidas de veracidade” e ultrapassou “seu direito de liberdade de expressão”. Para a Universal, o comentarista confundiu o seu dever de informar, impondo o seu próprio ponto de vista, com considerações subjetivas.

Na primeira instância, o pedido foi negado. A juíza Daise Fajardo Nogueira Jacot, da 15ª Vara Cível do Fórum João Mendes (na capital paulista), entendeu que o direito de crítica é essencial à atividade jornalística e que a condenação da rádio implicaria em “indisfarçável censura”.

A Universal recorreu da decisão no TJ paulista. Insistiu que o conteúdo veiculado na rádio foi ofensivo e ácido. Alegou que o fato causou danos à imagem da igreja, gerando o dever de indenizar. Os argumentos foram aceitos.

Leia a decisão

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

ACÓRDÃO) DECISÃO MONOCRATICA

REGISTRADO(A) SOB N° *01256812*

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n° 459.537-4/8-00, da Comarca de SÃO PAULO, em que é apelante IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS sendo apelado RADIO EXCELSIOR LTDA:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U. SUSTENTOU ORALMENTE A DRA. SELNIA BERNARDES SILVA.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ARIOVALDO SANTINI TEODORO (Revisor) e JOSÉ ROBERTO BEDRAN.

São Paulo, 13 de março de 2007.

BORIS KAUFFMANN

Presidente e Relator

Processo Apelação Cível no 459.537.418-00

Comarca São Paulo Origem Proc. 50.161(2003 do 15° Ofício Cível

Recorrente (si Igreja Universal do Reino de Deus

Recorrido (a) (5) Rádio Excelsior Ltda. (CBN)

VOTO 13245

Lei de Imprensa. Dano moral. Pretensão deduzida por sociedade religiosa em face de emissora de radiodifusão. Sentença de improcedência. Ato do jornalista que caracteriza a difamação dolosa. Recurso provido.

1. Ação promovida pela Igreja Universal do Reino de Deus e objetivando a condenação da Rádio Excelsior Ltda a indenizá-la pelos danos morais decorrentes de veiculação de afirmações feitas pelo jornalista Arnaldo Jabor no dia 3 de fevereiro de 2003

A sentença de fls 204/220, cujo relatório é adotado, julgou improcedente a pretensão impondo à autora o pagamento das custas e despesas processuais, nestas incluídos os honorários advocatícios fixados em 20% (vinte por cento) do valor atualizado da causa

Apelou a autora, insistindo no conteúdo ofensivo da matéria veiculada, gerando o dever de indenizar pelos danos ocasionados (fls 230/269)

Com prova do preparo e porte (fis 270/271), o recurso foi recebido (fis 362) Na resposta a apelada sustentou a manutenção da sentença, sem arguir matéria preliminar (fls 364/372)

2. A Constituição Federal, ao arrolar entre os direitos e garantias fundamentais, a inviolabilidade à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (ali 5°, X), não restringiu tal direito às pessoas naturais Em consequência, não podendo se adotar interpretação restritiva sob pena de reduzir o direito constitucionalmente assegurado, inegável que as pessoas jurídicas em geral também têm direito à inviolabilidade de sua honra ou de sua imagem, bem como assegurada a indenização do dano decorrente de sua violação.

Como salienta RUY STOCO, ao admitir a indenização após análise da doutrina e jurisprudência a respeito, necessário “se identificar a existência de um dano puramente moral, ligado à honra objetiva, ou seja, concernente à parte social do patrimônio não-econômico da pessoa jurídica lesada, que mereça indenização nesse plano”1

O conceito de honra objetiva é destacado em voto do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, no julgamento do Recurso Especial n° 60.033, também citado na mesma obra, e que merece transcrição.

Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada uni e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima, etc, causadores de dor, humilhação, vexame; a honra objetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa Por isso se diz ser a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto a difamação é ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive A pessoa jurídica. criação de ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria Pode padecer, porém. de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceircrs, passível de ser abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua2

Esta orientação acabou consolidada na Súmula 227 do c. Superior Tribunal de Justiça A pessoa jurídica pode sofrer dano moral

A sociedade, que reclama a indenização pelos danos morais, tem por objetivo a divulgação de uma seita religiosa e a reunião daqueles que a adotam, de sorte que depende desse patrimônio não-econômico para a realização de seu objetivo A difamação, portanto, pode atingir sua reputação.

Tratado da Responsabilidade Civil. ed Re’. ista dos Tribunais, São Paulo. 2004, p 1737 ‘ldern, p 1736 que é o patrimônio social não econômico de maior importância que ostenta.

Não se discute, aqui, se a finalidade da sociedade foi ou não desvirtuada por alguns de seus membros, ou mesmo pela sua direção Importa que, perante aqueles que adotam a seita difundida, qualquer atentado à sua reputação atinge a honra objetiva, e, portanto, ocasiona um dano indenizável

3 – A Constituição Federal também assegura a liberdade de manifestação do pensamento (art 5°, II), garantindo a todos o acesso à informação (art 5°, XIV) Essa liberdade, no entanto, não pode atingir a inviolabilidade assegurada à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, também garantidas constitucionalmente Mas, vedado o controle prévio da informação — denominado censura —, eventual violação pelo abuso daquela liberdade somente a posterion pode ser constatado

Por seu turno, o art 49 da Lei n° 5 250, de 9 de fevereiro de 1967, prevê a indenizabilidade, ao estabelecer

Art. 49 Aquele que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação. com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar — os danos morais e materiais, nos casos previstos no art 16, n II e 1V, no art 18 e de calúnia. difamação ou Injúrias

§ 20 Se a violação de direito ou o prejuízo ocorre mediante publicação ou transmissão em jornal, periódico, ou serviço de radiodifusão, ou de agência noticiosa, responde pela reparação do dano a pessoa natural ou jurídica que explora o meio de informação ou divulgação (art 50)

A remissão feita no parágrafo 2° ao art 50 da mesma lei diz respeito ao direito à ação regressiva contra o autor do escrito, transmissão ou notícia.

O c Supremo Tribunal Federal já assentara que apenas a empresa exploradora do meio de informação utilizado é que pode figurar no pólo passivo da relação processual

Lei de Imprensa. Indenização de dano causado por injúrias e difamações através de jornal.

A responsabilidade civil é da empresa exploradora do jornal que divulgou a matéria e não do autor desta Só por via de regresso responde este pela ofensa irrogada em ofício seu, divulgado em órgão de imprensa. Inteligência dos artigos 49 e 50, da Lei 5 250, de 1967. Recurso não conhecido

(STF — 2’ Turma. Revista Trimestral de Jurisprudência 123/78 1)

É certo que esta orientação acabou sendo superada no c Superior Tribunal de Justiça Mas não obriga a autora a colocar ambos os responsáveis no pólo passivo, podendo eleger qualquer deles, ou ambos

4. No dia 3 de fevereiro de 2003, o jornalista Arnaldo Jabor, aludindo a alegado preconceito da apelante, na Bahia, em relação aos adeptos do candomblé e ao culto dos orixás, concluiu com um pedido de providências às pessoas públicas daquele Estado, feito nos seguintes termos

Há um grande problema acontecendo em Salvador. que exige uma atitude da autoridades Para a Bahia se mudaram charlatães. mentirosos, falsos profetas da Igreja Universal do Reino de Deus, aquela seita de executivos que usam Jesus, para botar redes de milhões de dólares em TVs, palácios em Miami e outras malandragens, com os 10% dos dízimnos que eles tiram dos salários dos pobres, até aí nada .s e pode fazer, a não ser alertar as pessoas do conto do vigário

Não há dúvida quanto ao fato de que tais afirmações atingem aquele patrimônio social não-econômico da apelante Ainda que se admita a existência de redes de TVs e casas suntuosas no exterior, a afirmação de que a divulgação da seita e a congregação dos seus adeptos se constitui em “malandragens” e “conto do vigário” é altamente difamatória, posto que generaliza eventual comportamento de alguns dos dirigentes e atinge o conceito que os adeptos da seita têm sobre a sociedade A forma como foi feita a afirmação indica a real intenção de atingir, não alguns dirigentes, mas toda a sociedade, não se podendo, desta forma, afastar o comportamento doloso do jornalista

Nem se poderia admitir que, a pretexto de atacar um comportamento preconceituoso da sociedade, também se adote idêntico comportamento em relação a ela.

É o quanto basta para o acolhimento da pretensão indenizatória formulada pela sociedade apelante.

5. Na fixação da indenização, leva-se em conta que tanto a apelante como a apelada ostentam condições econômicas que não seriam alteradas por qualquer valor que se adotasse, parecendo mais adequado adotar um valor que revele a repulsa ao ato praticado

Dai porque arbitra-se a indenização no valor equivalente a 50 (cinquenta) salários mínimos vigentes no momento da satisfação do dano, acrescendo-se juros moratórios à taxa de 0,5% (meio por cento) ao mês, desde a prática do fato, passando a ré a responder pelas despesas do processo, adotando-se, na fixação dos honorários advocatícios, o mesmo percentual adotado na sentença, mas agora calculado sobre a condenação imposta

6. Dá-se provimento ao recurso

BORIS KALFFMANN

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