Operação Hurricane

Advogados reclamam de desrespeito a prerrogativas em operação

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15 de abril de 2007, 17h46

Os advogados dos presos na Operação Hurricane afirmaram neste domingo (15/4) que a Polícia Federal não tem observado as mais básicas prerrogativas da profissão e tem ferido diversos princípios constitucionais na condução das investigações que resultaram na prisão de 25 pessoas na sexta-feira (13/4).

A reclamação é generalizada. Segundo relatos, os principais problemas estão na proibição de acesso aos autos do inquérito, ao conteúdo dos depoimentos já tomados pela PF e a falta de diálogo com seus clientes. O advogado Délio Lins e Silva – que representa o procurador da República João Sérgio Leal Pereira – afirmou à revista Consultor Jurídico que só conseguiu falar com seu cliente, por cinco minutos, depois de 30 horas da chegada dele a Brasília.

Outro advogado que representa presos na operação confirmou que, depois de sete horas de espera, pôde falar com seus clientes por apenas cinco minutos e, ainda assim, sem qualquer privacidade. “Na sala onde temos contato com o cliente há três baias, mal separadas, onde os advogados ouvem o uns aos outros, mas não conseguem ouvir direito o cliente por causa da má qualidade do telefone que somos obrigados a usar”, afirmou o advogado.

Em Petição ajuizada neste domingo no Supremo Tribunal Federal (leia a íntegra do pedido ao final do texto), os advogados do desembargador José Ricardo de Siqueira Regueira escrevem que desde a prisão de seu cliente “princípios constitucionais têm sido desrespeitados como se nada fossem”.

Os advogados Nélio Machado, Mauro Tse e Gustavo Alves Pinto Teixeira reclamam que “o sigilo imposto à investigação parece valer apenas para os advogados, eis que imagens das diligências são exibidas diuturnamente nas redes de televisão, matérias são veiculadas pelos diversos órgãos de imprensa e até agora não se teve acesso ao teor do inquérito, premissa para a realização de um depoimento adequado às garantias da Lei”.

De acordo com o pedido, os advogados “sofrem graves limitações” ao exercício da profissão. Segundo afirmam, seus clientes “entrevistam-se com seus advogados como se fossem réus condenados, por meio de telefone, em parlatório, separados por vidros, tudo monitorado por filmagens, especialidade da Polícia Federal, que tudo filma, negando-se as autoridades policiais, pasme-se, alegando sigilo, a exibir o inquérito ou mesmo a cota do Ministério Público que motivou tudo que tem havido desde então a esta parte”.

O furacão

A Polícia Federal deflagrou na sexta-feira (13/4) a Operação Hurricane nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e no Distrito Federal para deter supostos envolvidos em esquemas de exploração de jogo ilegal (caça-níqueis) após um ano de investigações, ordenadas em uma operação sigilosa pelo ministro Cezar Peluso, do STF.

Foram presos os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 2ª Região José Eduardo Carreira Alvim e José Ricardo Regueira, o juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região Ernesto da Luz Pinto Dória e o procurador regional da República João Sérgio Leal Pereira. Também foram detidos Anísio Abraão David, ex-presidente da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis; Capitão Guimarães, presidente da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro; Antônio Petrus Kalil, conhecido como Turcão, apontado pela Polícia como um dos mais influentes bicheiros do Rio; a corregedora da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Suzi Pinheiro Dias de Matos, entre outros.

No total, foram cumpridos 70 mandados de busca e apreensão e 25 mandados de prisão. Os presos foram transferidos para Brasília (DF), onde são interrogados e permanecem à disposição da Justiça. O material apreendido será analisado na Diretoria de Inteligência Policial com o objetivo de complementar os trabalhos de investigação.

Togas

Conforme publicou na quinta-feira (12/4) a Consultor Jurídico, um dos desembargadores presos pela PF, Carreira Alvim, foi vice-presidente do TRF-2 até um dia antes de sua prisão, quando tomou posse a nova direção do tribunal. Pela tradição, Carreira Alvim se tornaria presidente por ser o mais antigo da casa, mas foi preterido por entrar em atrito com seus colegas.

Na sessão administrativa que elegeu a nova direção do TRF-2, em 1º de março, Carreira Alvim havia afirmado ter sido vítima de escuta ambiental em seu gabinete e que seus familiares haviam sido grampeados (Clique aqui para ler a notícia). As acusações foram feitas depois que ele foi preterido pelos colegas na eleição para a presidência do TRF-2. O clima entre o desembargador e seus colegas era de estranhamento, causado justamente por liminares dadas por Carreira Alvim em casos de bingos e caça-níqueis.


Leia a Petição em favor de Ricardo Regueira

Excelentíssimo Senhor Ministro Cezar Peluso,. D. Relator do Inquérito n. 2.424/2006

José Ricardo de Siqueira Regueira, pelos advogados signatários, vem respeitosamente a Vossa Excelência expor graves fatos ocorridos no curso do apuratório acima referido, objetivando a pronta intervenção da Suprema Corte, para coibir os abusos e cessar as ilegalidades, aduzindo, para tanto, o quanto segue:

Segue descrito, com brevidade, o cenário dantesco criado desde a prisão do Requerente, que é Desembargador Federal junto ao Tribunal Regional Federal da Segunda Região. De lá para cá, princípios constitucionais têm sido desrespeitados como se nada fossem.

Todos os advogados que oficiam no caso sofrem graves limitações ao fiel exercício de seu munus. Hoje (15 de abril de 2007), pela manhã, foram submetidos a grande constrangimento, deixados ao sol, diante de estranha ordem para que entrassem, em número de dois, nas dependências da Polícia Federal apenas no momento da inquirição de seus constituintes, manifestando a autoridade policial, com tal proceder, menoscabo ao trabalho da defesa, cuja amplitude não precisa ser declinada, sendo desnecessário referir, por igual, ser a advocacia, na forma de expressa disposição constitucional, indispensável a administração da Justiça.

O sigilo imposto à investigação parece valer apenas para os advogados, eis que imagens das diligências são exibidas diuturnamente nas redes de televisão, matérias são veiculadas pelos diversos órgãos de imprensa e até agora não se teve acesso ao teor do inquérito, premissa para a realização de um depoimento adequado às garantias da Lei. Não se tem conhecimento sequer da petição do Ministério Público, que veio a ser acatada por esta douta Relatoria, endossando motivação nela contida, cujo conteúdo também se desconhece até o presente momento.

Para ilustrar os excessos e descomedimentos – os quais, caso a Suprema Corte pudesse vaticiná-los, seguramente não teria determinado as medidas constritivas adotadas, particularmente a privação da liberdade, para a qual, nem de longe, se observou a discrição exigida por Vossa Excelência, em sua decisão –, basta que se tenha presente que os dois Magistrados alcançados pela medida gravosa foram transportados algemados e estão detidos em condições atentatórias à dignidade, eis que teriam que ficar, uma vez mantida a prisão, em Sala de Estado Maior. Custodiados estão, ao revés, em celas minúsculas, compartilhadas com outros presos, entrevistando-se com seus advogados como se fossem réus condenados, por meio de telefone, em parlatório, separados por vidros, tudo monitorado por filmagens, especialidade da Polícia Federal, que tudo filma, negando-se as autoridades policiais, pasme-se, alegando sigilo, a exibir o inquérito ou mesmo a cota do Ministério Público que motivou tudo que tem havido desde então a esta parte.

Investigados tratados como se condenados fossem. Prerrogativas asseguradas em lei postas de lado, como se delas pudessem dispor a autoridade policial e seus agentes. Magistrados tratados como bandoleiros de alta periculosidade, sob rigores dispensados aos facínoras mais temidos.

Não, não se está narrando situação vivida nos tempos de ferro e fogo, contudo, diante do que se tem visto e vivido, poder-se-ia afirmar que tudo leva a crer que voltamos àquela época.

A começar pela inobservância das cautelas de praxe quanto ao acautelamento provisório de indivíduos que detém prerrogativa de prisão especial.

Estaríamos entorpecidos com a violência estampada no nosso cotidiano, a ponto de permitir que tais afrontas passem despercebidas?

Causou – e ainda causa – mais espanto aos signatários ver noticiado no “Jornal Nacional” deste sábado, 14 de abril, matéria jornalística acerca dos “bastidores da operação Hurricane”, a ser veiculada no programa dominical “Fantástico”.

Como bem sabe Vossa Excelência – mesmo porque partiu deste relator a decretação do segredo de justiça das investigações -, nada que diga respeito ao presente procedimento pode ser tornado público, quanto mais veiculado em rede nacional, resultado pretendido e já alcançado pelos responsáveis pela condução do apuratório, que tudo informam aos órgãos de imprensa, principalmente ao responsável pela produção e exibição da matéria “jornalística”.

Sucede, porém, em que pese não ter sido facultado a estes signatários qualquer acesso aos autos do procedimento em epígrafe, nem mesmo cópia de quaisquer depoimentos prestados ao longo do sábado, sob a alegação de sigilo até mesmo para os que participam do ato (?), que o já citado órgão de imprensa alardeia que transmitirá, em horário nobre e para todo o país, filmagem realizada – ao que tudo indica – pela própria Polícia Federal, ao longo das buscas e apreensões realizadas na sexta-feira passada. É de pasmar.


As partes e seus procuradores não têm acesso a nada do que já foi investigado ou mesmo juntado aos autos. A imprensa, porém, não só tem acesso a dados cobertos por sigilo judicial como assevera que irá retransmitir a todos que possam ver as imagens das diligências, cujo sigilo – repita-se – foi expressamente determinado por Vossa Excelência.

O que se vê é a completa inversão de tudo quanto possa ser legal e lógico. Que Estado de Direito Democrático permite uma condenação midiática?

Forçoso crer – reitera-se, a não mais poder – que se Vossa Excelência pudesse prever que tais desrespeitos às garantias mais basilares fossem ocorrer, jamais teria deferido o pleito ministerial.

Assim, se vêem os advogados signatários compelidos a, como cidadãos até, informar a Vossa Excelência o cometimento de ilícitos, quando se permitiu que imagens e quaisquer outros documentos chegassem às mãos de pessoas estranhas ao procedimento, impedidas que estavam – e ainda estão – de ter acesso a tais informações.

Não fosse suficiente, toma-se ciência de que tais imagens serão publicizadas em veículo de comunicação de audiência considerável, inobstante o próprio curso das investigações, quando depoimentos ainda não foram totalmente prestados, pedindo-se vênia para relembrar, novamente, que nenhum advogado pode sequer compulsar os autos do inquérito.

Dessa forma, roga o Requerente, diante dos fatos trazidos à baila, que Vossa Excelência tome as medidas que julgar convenientes, restabelecendo a primazia da legalidade e o Estado de Direito, coibindo abusos e ilegalidades, impondo limites à autoridade policial, permitindo, imediatamente, não apenas pelas condições carcerárias impostas, mas também em decorrência, no que lhe concerne, do esgotamento completo das diligências de busca e apreensão – limite estabelecido pela própria decisão proferida por esta eminente Relatoria – ao Magistrado José Ricardo de Siqueira Regueira, sua imediata libertação ou, se assim não for, que se lhe assegure Sala de Estado Maior, na forma do artigo 33, III, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

É de se salientar, por derradeiro, que sequer ao Magistrado se permitiu, em suas declarações, fosse lançado seu justo protesto sobre as condições que lhe impuseram, originando-se daí justa recusa de sua parte e de seus advogados para assinar o termo de interrogatório, no qual a autoridade resolveu, a seu talante e alvedrio, o que consignar e o que não registrar, em procedimento flagrantemente atentatório às normas de regência do Código de Processo Penal.

Clama-se, pois, diante do Tribunal que é o guardião da Constituição da República, o restabelecimento das Garantias Fundamentais, fazendo cessar as anomalias e as enormidades que permeiam a espetacular e exagerada ação policial, valendo destacar, por oportuno, que mais uma vez, como antes já se fez sem sucesso, se busca afivelar crime de hermenêutica ao requerente, que Vossa Excelência e a Colenda Suprema Corte certamente não permitirão, sendo inacreditável o indiciamento ocorrido à conta de suposta participação no infamante crime de quadrilha.

Que se garanta, por tantas e tais razões, ao sofrido e desditoso Requerente, o retorno incontinenti de sua liberdade, sem prejuízo de qualquer perquirição que se queira fazer, na forma da lei e sem excessos, ilegalidades ou afrontas à Constituição Federal, ao Magistrado aqui postulante, garantindo-se-lhe, no mínimo, em face do princípio da eventualidade, as condições previstas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional – acautelamento em Sala de Estado Maior –, pedido alternativo e menos abrangente, inserido nesta petição ad cautelam, eis que a pretensão deduzida diz, sobretudo, com o restabelecimento de seu status libertatis, frise-se, sem prejuízo das investigações.

Brasília, 15 de abril de 2007.

Nelio Roberto Seidl Machado

OAB/RJ 23.532

Mauro Coelho Tse

OAB/RJ 68.339

Gustavo Alves Pinto Teixeira

OAB/RJ 123.924

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