Nome da dívida

Cheque sem fundo tem de ficar em cadastro até ser quitado

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1 de abril de 2007, 0h01

O Banco Real foi condenado porque retirou nome de quem passou cheque sem fundo do cadastro de devedores antes mesmo de a dívida ter sido quitada. A decisão é do Juizado Especial Cível de Cuiabá, que condenou o banco a pagar R$ 4,5 mil por danos materiais para um correntista que depositou o cheque sem fundo.

De acordo com os autos, ao vender um carro, o correntista do Real recebeu um cheque no valor de R$ 2,8 mil, que foi devolvido duas vezes por falta de fundo. O banco incluiu o nome da correntista no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos. Entretanto, a instituição o retirou antes de a dívida ter sido quitada.

Para o juiz Yale Sabo Mendes, o banco só poderia ter retirado o nome do cadastro após o pagamento da quantia ao portador ou passados cinco anos após a inclusão. Sem o nome do devedor no cadastro, o autor da ação não pôde fazer a cobrança e teve prejuízo financeiro com o erro do banco, entendeu o juiz.

Leia íntegra da decisão

AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS

Processo 1.252/2006

Reclamante: M. P. C. J.

Reclamado: BANCO REAL S/A.

VISTOS ETC…

Deixo de apresentar o relatório com fulcro no artigo 38, in fine da Lei 9.099/95.

DECIDO.

Versam os presentes autos sobre Ação de Indenização por Danos Materiais que M. P. C. J., move em desfavor do BANCO REAL S/A, alegando em síntese, que o Reclamante vendeu a terceira pessoa um veículo de sua propriedade e recebeu dessa como parte de pagamento, o cheque 010.378, da conta corrente 3000651-5, sacado contra o Banco Real, agência 0852, no valor de R$ 2.800,00 (dois mil e oitocentos reais), o qual foi depositado a pedido da adquirente. Ocorre que o cheque foi devolvido pelo Banco emissor por duas vezes, em razão da insuficiência de fundos.

Alega ainda, que o Banco réu é obrigado por força da Resolução 1.682 do Banco Central, a cadastrar o emitente no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos – CCF, e só autoriza a remoção do nome quando o débito for saldado, ou então, após transcorrido o prazo de cinco anos de inscrição. Ocorre que, ao realizar uma consulta no citado cadastro, constatou-se que o banco reclamado havia retirado o nome da terceira pessoa daquele cadastro, apesar da execução.

Ao final alega que procurou o reclamado para saber qual o motivo que havia sido retirado o nome da terceira pessoa dos cadastros do CCF, o banco em visível menosprezo e desrespeito ao cidadão disse ao autor que “procurasse os seus direitos”, e por causa disso, e por ser sua única chance de ainda receber o que lhe era devido, pede a condenação do banco réu nos danos materiais a ele causados.

O Reclamado apresentou contestação às fls. 31/41, aonde argüiu a preliminar de ausência de interesse processual, alegando que o autor não tem interesse de agir, pois o banco reclamado não tem qualquer responsabilidade ou praticou qualquer ato ilícito que pudesse ensejar a pretensa reparação dos danos materiais que pretende receber o autor, mas tal preliminar se confunde com o mérito e como tal será analisada. No mérito alega em síntese que inexiste dano a ser indenizável, posto que o réu não lhe causou nenhum tipo de prejuízo de ordem material. Ao final, requer, sejam julgados improcedentes todos os pedidos formulados na presente ação.

Inexistindo mais preliminares, passaremos a análise do mérito da causa.

A inteligência do art. 6º da Lei 9.099/95 nos mostra que: “O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime atendendo os fins sociais da Lei e as exigências do bem comum”. Isso demonstra que o Juízo, poderá valer-se da interpretação teleológica com mais liberdade como forma de buscar a solução mais justa para o caso, permitindo uma discricionariedade, amparada na Lei.

O Magistrado ao decidir, deve apreciar as provas, subministradas pelo que ordinariamente acontece, nos termos dos do disposto no artigo 335, do Código de Processo Civil Brasileiro. A jurisprudência é neste sentido:

“O Juiz não pode desprezar as regras de experiência comum ao proferir a sentença. Vale dizer, o juiz deve valorizar e apreciar as provas dos autos, mas ao fazê-lo pode e deve servir-se da sua experiência e do que comumente acontece”. (JTA 121/391 – apud, Código de Processo Civil Theotônio Negrão, notas ao artigo 335).

Como se viu nestes autos, o caso se refere à indenização por danos materiais formulados pelo Reclamante, visando ver-se ressarcido dos prejuízos pelo banco Reclamado, quando retirou indevidamente o nome da Srª. L. S. C. dos anais do CCF, apesar da mesma não ter adimplido os cheques que encontravam-se sem os devidos fundos e não se sabe o porquê o réu positivou o nome da citada senhora. Tal fato causou-lhe grande prejuízo, pois a única forma de receber o que lhe é devido, através da execução, seria com a manutenção do nome da SRª. L. S. C., nos anais do CCF – Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos.

O Reclamado, por sua vez, no mérito asseverou que não vislumbra nenhuma atitude ilegal da sua parte e dessa forma não teria praticado qualquer ilícito capaz de ensejar a sua responsabilidade pelo suposto dano causado ao autor.

Numa ação de cunho indenizatório, além da ação ou omissão, há que se apurar se houve ou não dolo ou culpa do agente no evento danoso, bem como se houve relação de causalidade entre o ato do agente e o prejuízo sofrido pela vítima. Concorrendo tais requisitos, surge o dever de indenizar.

Prelecionam os artigos 186 e 927 do Código Civil Brasileiro:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (artigos. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

A respeito da responsabilidade civil o professor Silvio Rodrigues nos ensina que os pressupostos dessa responsabilidade são: a) ação ou omissão do agente, b) relação de causalidade; c) existência do dano e d) dolo ou culpa do agente. (in Direito Civil. Saraiva, v. 1, p. 30).

A Culpa é representação abstrata, ideal, subjetiva. É a determinação jurídico-psicológica do agente. Psicológica, porque se passa no seu foro íntimo. Jurídica, em virtude de ser, muitas vezes, a lei quem estabelece a censurabilidade da determinação, mesmo que o agente não esteja pensando sequer em causar danos ou prejuízo, como ocorre nas hipóteses típicas de culpa stricto sensu.

Para que essa responsabilidade emerja, continua o mestre, necessário se faz “… que haja uma ação ou omissão da parte do agente, que a mesma seja causa do prejuízo experimentado pela vítima; que haja ocorrido efetivamente um prejuízo; e que o agente tenha agido com dolo ou culpa. Inocorrendo um desses pressupostos não aparece, em regra geral, o dever de indenizar” (in Direito Civil, Ed. Saraiva, v. 1, p. 30).

In casu, em relação a retirada da negativação da Srª. L. S. C., nos anais do CCF – Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundo, razão assiste a parte Reclamante, esta retirada ocorreu de forma indevida, pois segundo norma fixada pelo Banco Central do Brasil (Resolução 1.682), o Banco é obrigado a cadastrar o emitente de cheques sem fundos no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundo – CCF, e só autoriza a REMOÇÃO do nome quando o CRÉDITO FOR SALDADO (PAGO), ou então, após transcorrido o PRAZO DE 5 (cinco) ANOS DA SUA INSCRIÇÃO, e não ocorreu nenhuma das hipóteses acima citadas.

A norma que determina a inclusão do nome do emitente de cheque sendo fundos no CCF é a Resolução 1.682, que deu nova redação à Resolução 1.631, de 24/8/89, do Banco Central do Brasil, na forma do artigo 9º, da Lei 4.595, de 31/12/64, cumprindo determinação do Conselho Monetário Nacional, em razão do disposto no artigo 4º, inciso VIII, da referida Lei, e no artigo 69 da Lei. 7.357, de 02/09/85.

É público e notório que o Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos – CCF é gerido pelo Banco Central do Brasil, bem como que o Banco deve, obrigatoriamente, incluir o nome do emitente do cheque no referido cadastro se for devolvido pela segunda vez, por estar sem fundos. A câmara de compensação recusa-se a processar a devolução, pela segunda vez, se não houver prova de que o nome do emitente foi encaminhado ao Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos – CCF, do Bacen.

Também é público e notório que para se processar a exclusão do nome do emitente do cheque sem fundos do referido cadastro, deve o correntista juntar o cheque devolvido, provando que está pago junto ao credor. Além de entregar a via original do cheque, deve pagar a taxa de exclusão, cobrada pelo Banco Central do Brasil. Sem essas providências a agência bancária não pode determinar a exclusão do referido cadastro, sob pena de sofrer sanções por parte do Banco Central do Brasil.

Assim, caso alguém queira que seu nome seja excluído do CCF, deve pagar junto aos favorecidos todos os cheques emitidos e devolvidos por falta de provisão de fundos, pegar a via original, ou declaração do favorecido que o recebeu e o motivo pelo qual não pode entregar a via original, em seguida dirigir-se à agência que determinou a inclusão, fazer um requerimento solicitando a exclusão e pagar a taxa devida.

De posse destes documentos o banco solicita ao Banco Central do Brasil, que providencie a exclusão do nome do emitente do CCF. Sem esse procedimento o nome do emitente continuará no referido cadastro até a exclusão automática, depois de 5 anos.

Assim, o banco sacado deve ser responsabilizado civilmente quando inclui indevidamente o nome do emitente no CCF, como por exemplo, quando havia fundos e mesmo assim o cheque foi devolvido, ou quando retira o seu nome de forma indevida, a não ser que a retirada seja por ordem judicial, ou pelos requisitos determinados pela Resolução 1.682 do Banco Central do Brasil. Cumpre-nos a apontar a jurisprudência dominante:

“RECURSO DE APELAÇÃO – INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – CHEQUE SEM PROVISÃO DE FUNDOS – AUSÊNCIA DA INSCRIÇÃO DO NOME DO CORRENTISTA NO CCF E SERASA – EXCLUSÃO PROVIDENCIADA PELO BANCO RÉU – DANO NÃO CARACTERIZADO – RECURSO DESPROVIDO. O banco que toma as providências necessárias para evitar prejuízo ao seu correntista não fica obrigado a indenizá-lo por danos morais. Não há dano reparável na hipótese em que a devolução dos cheques decorreu da ausência de fundos disponíveis na conta corrente.” (TJ-MT – APC 20.552 – J. 02.06.98 – fonte: Informa Jurídico). (grifei e negritei).

Portanto, restou-se comprovada a responsabilidade na conduta da parte reclamada, pois no sistema do C.D.C., é dever e risco profissional do fornecedor de serviços agir corretamente e segundo lhe permitem as normas jurídicas imperativas, além disso, o réu deveria ter agido com maior prudência para evitar prejuízos de terceiros, conforme acarretou ao Reclamante.

PELO EXPOSTO, diante da doutrina e da jurisprudência apresentada, e com fulcro no art. 269, inciso I do Código de Processo Civil c/c artigo 6º da Lei 9.099/95, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO INICIAL, e Condeno o reclamado, BANCO REAL S/A, ao pagamento de indenização por danos materiais, no valor de R$ 4.545,40 (quatro mil e quinhentos e quarenta e cinco reais e quarenta centavos) ao reclamante, M. P. C. J., ambos já qualificados nos autos, valor esse a ser devidamente atualizado desde o dia posterior aos cálculos de fls. 18.

Sem custas e honorários advocatícios neste grau de jurisdição, a teor dos artigos 54 e 55 da Lei 9.099/95.

Transitada em julgado, execute-se na forma da Lei.

P. R. I. C.

Cuiabá – MT, 27 de março de 2.007.

Yale Sabo Mendes

Juiz de Direito

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