Flagra suspeito

Funcionário não pode ser demitido por justa causa sem provas

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28 de setembro de 2006, 15h27

Funcionário não pode ser demitido por justa causa quando não há provas contundentes de que cometeu falta grave no ambiente de trabalho. O entendimento é da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. O TRT manteve a decisão de primeira instância, que determinou que funcionária demitida, por justa causa, pela prefeitura de Ferraz de Vasconcelos recebesse os valores referentes à rescisão.

A funcionária trabalhava na Base da Guarda Municipal de Ferraz de Vasconcelos. O seu ex-namorado fez uma denúncia, dizendo que ela matinha relação sexual com colegas de trabalho dentro da Base da Guarda Municipal. Além disso, afirmou que ela foi flagrada tomando bebida alcoólica durante o expediente.

A ação foi ajuizada pela prefeitura na 1ª Vara do Trabalho de Ferraz de Vasconcelos. O juiz determinou que a funcionária voltasse ao cargo. Ele considerou contraditórios os testemunhos, além do que, constatou que o acusador omitiu que fora namorado da moça. A prefeitura recorreu.

No TRT paulista, o município insistiu na tese de que ela foi flagrada fazendo sexo e consumindo bebidas alcoólicas no trabalho. Por isso, pedia que a sua demissão fosse aceita, por incontinência de conduta. A prática consiste no o mau procedimento ligado ao desregramento do empregado, quando mantém relação sexual no curso da relação de emprego.

O relator, juiz Sergio Pinto Martins diz que como “não viu os fatos para dizer o que realmente aconteceu na base da guarda municipal de Ferraz de Vasconcelos, tem de ficar com o que consta do papel, com a letra fria da audiência”.

Assim, o juiz se baseou na decisão de primeira instância, que considerou contraditório os depoimentos das testemunhas e no fato de que não existem provas suficientes para comprovar o ocorrido. Segundo o juiz, “não se pode condenar por justa causa uma pessoa se não há prova contundente de que praticou o ato. Presume-se a inocência até prova em contrário, que não está nos autos.”

Leia a decisão

Processo 2005.020.933-1 (00724200428102005)

1ª Vara do Trabalho de Ferraz de Vasconcelos

I — RELATÓRIO

Interpõe recurso ordinário Município de Ferraz de Vasconcelos afirmando que a justa causa restou demonstrada. A autora mantinha relações sexuais no interior da Base da Guarda Municipal com outros guardas. A autora foi flagrada mantendo relações sexuais com o guarda Celso França. Foi flagrada consumindo bebidas alcoólicas durante o período que permanecia na Base. São indevidas as verbas rescisórias. Deve ser dado provimento ao recurso para modificar a sentença.

Contra-razões de fls. 112/7.

Parecer do Ministério Público de fls. 119. É o relatório.

II — CONHECIMENTO

O recurso é tempestivo. Conheço do recurso e da remessa oficial por estarem presentes os requisitos legais.

III — FUNDAMENTAÇÃO

VOTO

A empresa recorre às fls. 105 alegando que “os motivos que ensejaram a dispensa da recorrida, foi a denúncia de que a mesma estava praticando relações sexuais no interior da Base da Guarda Municipal, com outros guardas, quando visitava a Base fora de seu horário de trabalho, a fim de praticarem os referidos atos. A recorrida foi flagrada mantendo relações sexuais com o guarda Celso França, sobre a mesa do refeitório, e consta ainda dos autos que as vezes o casal utilizava o banheiro para encontros íntimos”.

“Também foi flagrada adentrando no interior da Base, e consumindo bebidas alcoólicas durante o período que permanecia na Base, juntamente com seus colegas de “farra”, em total abuso e desrespeito” (fls. 106).

O fundamento da justa causa seria o de incontinência de conduta.

Incontinência vem do latim incontinentia. É a qualidade de incontinente. Envolve falta de continência, descontinência. Incontinente é a pessoa imoderada sob o ponto de vista sexual, em sua sensualidade.

A incontinência de conduta é o mau procedimento ligado ao desregramento do empregado no tocante a aspectos sexuais praticados no curso da relação de emprego. É o comportamento inadequado do empregado em relação a questões sexuais praticadas na constância do contrato de trabalho.

Caracteriza-se a incontinência de conduta por obscenidades praticadas, a libertinagem, a libidinagem, a pornografia, a masturbação, o atentado violento ao pudor, etc. Também se qualifica pelo fato de uma pessoa não respeitar o sexo oposto.

Revela a incontinência de conduta comportamento desregrado do empregado em público. É uma conduta indecente, que fere o mínimo grau de decência que qualquer pessoa deve ter.

O ônus da prova da dispensa por justa causa é do empregador (art. 818 da CLT). Trata-se de um fato impeditivo do direito do obreiro às verbas rescisórias, que deve ser provado pela empresa (art. 333, II, do CPC).

Em razão do princípio da continuidade da relação de emprego e da presunção que se estabelece de que o obreiro é dispensado sem justa causa, as demais hipóteses de cessação do contrato de trabalho devem ser provadas pelo empregador, como no caso da dispensa por justa causa. Pelo princípio da razoabilidade, um homem comum e normal não vai ser dispensado por justa causa.

Assim, a pena trabalhista mais severa, que é a rescisão do contrato de trabalho por justo motivo, deve ser provada pelo empregador, de modo a não restar dúvidas da conduta do obreiro e não se cometa injustiça.

Infelizmente, o juiz de segundo grau não viu os fatos para dizer o que realmente aconteceu na base da guarda municipal de Ferraz de Vasconcelos e fazer justiça. Tem de ficar com o que consta do papel, com a letra fria da ata de audiência, sem ter presenciado o depoimento das testemunhas. O mais razoável é se fiar no que foi presenciado pela juíza de primeiro grau.

No âmbito administrativo, a testemunha Fernando declarou às fls. 31 que os guardas Celso França e Wanderlei Machado Carneiro passaram a receber visitas da funcionária Miguel nos finais de semana. Esta chegava em trajes civis por volta das 21 horas. Os três, às vezes usando a cozinha deste prédio e outras utilizando o banheiro praticavam relações sexuais e depois, por volta das 4 horas, a guarda Miguel saía para depois assumir seu plantão. Presenciou o ato sexual. Viu o guarda França e a guarda Miguel mantendo relações sexuais na cozinha em cima da mesa. O guarda Carneiro apenas assistia. Viu o guarda Carneiro apenas alisando as partes íntimas do corpo da guarda Miguel. Viu a guarda Miguel adentrando o prédio com uma sacola plástica contendo duas latas de cerveja.

O investigado Wanderlei Machado Carneiro declarou às fls. 35 que nunca soube de qualquer relacionamento amoroso da guarda Miguel com o guarda Fernando. Negou que praticava atos sexuais na base.

O investigado Celso de França Lima declarou que soube pelo guarda Fernando que houve relacionamento entre o guarda Fernando e a guarda Miguel. Negou a prática de atos sexuais na base (fls. 34).

A autora às fls. 88 declarou em depoimento pessoal que nunca freqüentou a base fora do horário de trabalho, nem entrou portando bebida alcoólica. Admite que namorou o sr. Fernando por uns meses. A companheira dele a ofendeu em determinado dia.

A testemunha Ismael declarou em juízo às fls. 89 que nunca viu a reclamante tendo relações sexuais na base. Declarou que a autora teve um relacionamento com o sr. Fernando.

A testemunha Fernando afirmou em juízo que presenciou o sr. Celso e o sr. Wanderlei ficarem com e sra. Cristinaide nos fundos, no refeitório e no banheiro, e algumas vezes ficava apenas o sr. Celso. Ficava no posto “de dia” no período noturno. Presenciou o sr. Celso e a sra. Cristinaide fazendo sexo, sendo que o sr. Wanderlei estava no ambiente presenciando a cena. Nunca se relacionou com a sra. Cristinaide. Viu os fatos uma vez só, pois nas demais vezes ficava no posto de trabalho. Uma ou outra vez presenciou o sr. Celso acariciando a reclamante. Presenciou o sr. Wanderlei acariciando as partes íntimas da reclamante. Uma ou outra vez presenciou o sr. Celso acariciando a sra. Cristinaide. Declarou que houve discussão entre sua esposa e a reclamante, por ciúmes da primeira (fls. 90/1).

No âmbito administrativo, a testemunha Fernando disse que os três envolvidos praticavam atos sexuais. No âmbito judicial, a testemunha Fernando declarou que presenciou o sr. Celso e a autora praticando sexo, enquanto o sr. Wanderlei ficava olhando. Ficava no posto “de dia” no período noturno. O depoimento é contraditório em suas afirmações e não pode ser levado em consideração como prova.

A testemunha Marcos André informou que nunca presenciou o sr. Celso e o sr. Wanderlei levarem mulheres ao posto de trabalho para manter relações sexuais. Nunca presenciou a sra. Cristinaide adentrar ao posto de trabalho, sendo que ela conversava com os reclamantes do lado de fora da base. Às vezes em que a autora compareceu na base, estava fora do horário de serviço. Por comentários, teve conhecimento de que o sr. Fernando namorava a reclamante.

No âmbito administrativo, o investigado Celso de França Lima asseverou que soube pelo guarda Fernando que houve relacionamento entre o guarda Fernando e a guarda Miguel. A testemunha Ismael disse que o sr. Fernando teve um relacionamento com a autora.

Pelo que se verifica acima a testemunha Fernando teve relacionamento com a reclamante.

Diante das contradições no depoimento da testemunha Fernando com outros elementos de prova contidos nos autos, não se pode considerar seu depoimento.

O parecer da Procuradoria do Trabalho foi no sentido de não haver justa causa para a dispensa (fls. 119).

Não se pode condenar por justa causa uma pessoa se não há prova contundente de que praticou o ato. Presume-se a inocência até prova em contrário, que não está nos autos.

Não restou provada a justa causa de incontinência de conduta ou de uso de bebida alcoólica no local de trabalho. São devidas as verbas rescisórias.

O saldo de salário e as férias vencidas são devidas a empregada, pois o primeiro representa os dias trabalhados e a segunda já foi adquirida.

A ré está isenta do recolhimento das custas, conforme o inciso I do artigo 790-A da CLT.

Atentem as partes para a previsão do parágrafo único do artigo 538 do CPC e artigos 17 e 18 do CPC, não cabendo embargos de declaração para rever fatos e provas e a própria decisão.

IV — DISPOSITIVO

Pelo exposto, conheço do recurso e da remessa oficial, por atendidos os pressupostos legais, e, no mérito, nego provimento ao apelo; dou provimento parcial à remessa oficial para declarar que a ré está isenta do recolhimento de custas. Fica mantido o valor arbitrado para efeito do cálculo das custas. É o meu voto.

Sergio Pinto Martins

Juiz Relator

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