Sigilo do caseiro

Defesa de Palocci usa carta de Mattoso para inocentar ex-ministro

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13 de setembro de 2006, 19h00

A defesa do ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, pediu à Justiça que seja acrescentada ao corpo das investigações contra o ex-ministro uma missiva de 164 linhas, de autoria do ex-presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso. Na carta, Palocci é inocentado da acusação que lhe custou o cargo: a de violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos Costa, o Nildo.

A 20 dias da eleição, o ex-ministro, candidato a deputado federal pelo PT, começou a enfrentar mais uma prova de fogo em sua carreira política. Num período de dez dias, Palocci será denunciado à Justiça por sete crimes: formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, peculato, quebra de sigilo bancário, quebra de sigilo funcional e prevaricação.

As denúncias, da Polícia Federal e da Polícia Civil, dizem respeito ao envolvimento de Palocci na quebra do sigilo do caseiro Francenildo — que disse que o ex-ministro freqüentava a mansão do Lago Sul, em Brasília, usada para fazer lobby —, e nas fraudes nos contratos de lixo em suas duas administrações na prefeitura de Ribeirão Preto (1993-1996 e 2001-2002).

Na segunda-feira passada (11/9), o delegado Rodrigo Carneiro Gomes, da PF, entregou à Justiça o inquérito, aberto em março, em que Palocci é acusado dos crimes de violação de sigilo bancário e funcional e prevaricação no caso do caseiro. Ele afirma que as provas que tem são suficientemente robustas.

De acordo com o inquérito da Polícia Federal, o ex-presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, e o ex-assessor de imprensa de Palocci, o jornalista Marcelo Netto, “serviram como instrumento” ao ex-ministro.

Homem forte do governo Lula e ex-prefeito de Ribeirão, Palocci sobreviveu às acusações de integrar a máfia que fraudava contratos de lixo e de ter ligação com o caixa 2 do PT, mas acabou balançando quando foi desmentido pelo caseiro, que trabalhava na mansão onde ele se reunia com os amigos da chamada República de Ribeirão.

Agora seus advogados, José Roberto Batochio e Ricardo Toledo Santos Filho, pedem à Justiça explicações sobre o fato de a PF ter quebrado o sigilo telefônico do ex-ministro e não empregar tais dados na conclusão dos inquéritos — numa sugestão ao magistrado de que a PF tergiversou o foco do inquérito. Veja a petição dos advogados seguida da carta de Jorge Mattoso — distribuída por ele a uma roda de amigos seletos, a partir de 17 de junho passado, mas que só agora chegou às mãos da defesa de Palocci. A veracidade da carta foi confirmada esta semana pelos advogados de Mattoso.

Leia a petição

Antonio Palocci Filho, qualificado às folhas, nos autos do inquérito policial em epígrafe, feito cujos trâmites se dão por esse douto Juízo e afeta secretaria, vem, por seus advogados infra-assinados, com o devido respeito’, a Vossa Excelência, para requerer a juntada da inclusa documentação, consubstanciada em missiva da lavra de Jorge Mattoso, ex-presidente da Caixa Econômica Federal, a qual exime o Requerente, definitivamente, de qualquer responsabilidade no episódio objeto do presente apuratório.

Aliás, os adminículos coletados no inquérito policial igualmente demonstram que o Requerente não teve nenhuma participação no evento. Não foi por outra razão que a Polícia Federal, de início, alardeou aos meios de imprensa que apurava se a ordem de quebra do sigilo bancário de Francenildo dos Santos Costa teria sido determinada pelo Requerente, mas, como nenhum indício coligido apontou nessa direção, ela simplesmente abandonou essa vertente para, então, investigá-lo (o Requerente) como suposto responsável pelo vazamento e divulgação para a imprensa dos dados bancários de Francenildo.

Como também nada se logrou comprovar nesse sentido, passou a Polícia Federal a representar, insistentemente, pela quebra do sigilo telefônico da residência oficial do Ministro da Fazenda, função então exercida pelo Requerente, fato que registre-se, causa profunda espécie.

Curiosamente, porém, o que antes era absolutamente imprescindível, tornou-se então, como num passe de mágica, em medida investigatória dispensável, já que se preferiu encerrar o apuratório, sem projetar nos autos o resultado do pleito que tanto se procurou.

Não é curioso?

Se era mesmo desnecessário, fato que agora se revela hialino, qual teria sido, então, o verdadeiro propósito da persistência de quebra de sigilo do Requerente? Mera bisbilhotice? Ou será que o resultado da quebra do sigilo não agradou aos investigadores?

Por isso que, com fundamento no artigo 14 do Código de Processo Penal, postula o Requerente que exija esse douto juízo a vinda para os autos do resultado dessa quebra de sigilo -, que, aliás, é um excepcionamento de garantia constitucional.

Ora, se no processo penal a busca da verdade real deve ser incessante, de rigor, pois, seja efetivamente cumprida até o final, a decisão desse douto Juízo no sentido de se encaminhar ao feito o resultado da quebra de sigilo, até para que se alcance a verdade dos fatos em sua integralidade, fim último da persecutio criminis.


Ou será que o princípio da verdade real, quando mostra inocência não é mais imprescindível em determinados setores?

Por que abandonar agora o que foi tão insistentemente pretendido?

Em razão do exposto requer-se juntada da inclusa documentação e, ainda, que seja efetivamente cumprida a decisão desse douto juízo que determinou a vinda aos autos dos dados telefônicos da residência oficial do Ministro da Fazenda.

Nestes termos, pede deferimento

José Roberto Batochio, advogado

OAB/SP n. 20.685

Ricardo Toledo Santos Filho, advogado

Leia a carta de Mattoso

Estimados amigos e amigas

Muitos de vocês telefonaram, enviaram mensagens eletrônicas ou através de amigos comuns, de apoio e solidariedade frente ao episódio que me levou a colocar o cargo de Presidente da Caixa Econômica Federal à disposição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva há mais de dois meses.

Não pude responder a muitas dessas manifestações. Tampouco respondi às notícias, especulações ou simples ilações produzidas e/ou divulgadas pela mídia sobre essas questões. Certo ou errado, desde que me afastei da CAIXA decidi manter-me junto a minha família, sem contatos públicos ou com a imprensa.

Quem me conhece sabe que minha biografia pessoal e profissional sempre esteve marcada pela defesa de idéias, do interesse público e de valores éticos. Meu patrimônio é minha biografia.

Durante os anos de chumbo, na militância, na clandestinidade, prisão, tortura ou exílio combati a ditadura em defesa de valores e idéias coletivas.

No retorno do exílio, minhas atividades como pesquisador, professor universitário ou gestor do centro de pesquisa foram consolidadas através do reconhecimento de minha capacitação profissional e da realização de concursos públicos e de bancas examinadoras. Assim completei meu mestrado, doutorado e pós-doutorado; assim ingressei e desenvolvi minha carreira universitária na UNICAMP.

Em cargos públicos — como secretário de Relações Internacionais da Prefeitura de São Paulo ou como Presidente da CAIXA — meu objetivo sempre foi o de desenvolver e valorizar as instituições em que trabalhei.

Os resultados históricos alcançados pela CAIXA nos mais de três anos que tive a honra de dirigi-la mostram que valeu a pena e que a equipe que congregamos apresentou resultados incontestes. Se os números econômico-financeiros têm sido os melhores da história dessa longeva instituição, não foram menos importantes os resultados operacionais: crescimento do crédito comercial acima dos correntes do sistema financeiro nacional, melhor desempenho dos últimos doze anos do crédito habitacional, contribuindo ao deslanche do setor da construção, significativa ampliação do número de agências e correspondentes bancários, realização do maior processo de inclusão bancária no país, participação ativa como operador do programa Bolsa-Família, melhoria do atendimento aos nossos clientes — sendo que a Caixa está há mais de dois anos ausente da lista de reclamações do Banco Central — e internalização do novo modelo lotérico, tarefa gigantesca e complexa, realizada em prazos extraordinariamente exíguos.

Nestas linhas, não objetiva analisar o período recente, nem definir perspectivas pessoais. Não analisarei a conjuntura política pré-eleitoral vivida pelo país e as motivações que têm impulsionado parte das denúncias e muitos dos processos difamatórios em curso. Também não farei considerações sobre especulações veiculadas pela imprensa.

Neste momento, desejo apenas disponibilizar aos meus amigos, amigas, colegas e companheiros alguns elementos e informações sobre o assunto que me levou a sair da Presidência da CAIXA:

1. A CAIXA, como toda e qualquer instituição do sistema financeiro nacional, tem acesso aos dados bancários de seus clientes. Dessa forma, fazer pesquisas cadastrais na sua base de clientes e emitir extratos são atividades rotineiras de qualquer instituição financeira. Tais instituições também devem evitar a divulgação indevida dessas informações e — ao mesmo tempo — transmitir às autoridades competentes (Banco Central e Conselho de Controle das Atividades Financeiras) quaisquer informações que indiquem movimentações financeiras atípicas, definidas normativamente.

2. Eram intensos os rumores em Brasília de que o Senhor Francenildo Costa estaria fazendo declarações e denúncias (como as realizadas em entrevista ao jornal Estado de São Paulo no dia 14 de março e em depoimento à CPI no dia seguinte) supostamente motivadas por recebimentos de valores. Em função desses rumores, tomei a iniciativa de solicitar, no dia 16 de março, à noite, as suas informações bancárias disponíveis na CAIXA e, caso confirmadas, movimentações financeiras atípicas, enviá-las às autoridades competentes, de acordo com as normas correntes.


3. Considerando as informações obtidas de forma legal e a constatação da existência de movimentações financeiras atípicas naquela conta (como alterações no perfil de movimentação, incompatibilidade entre a renda declarada e os valores movimentados e presença de recorrentes movimentações realizadas em espécie), considerei, tendo em vista salvaguardar os interesses da CAIXA, que deveria informar ao BACEN (visando à necessária comunicação ao COAF), e também a meu superior hierárquico, o Ministro da Fazenda, dado a relevância daquelas informações.

4. Entreguei, portanto, ao Ministro da Fazenda na mesma noite do dia 16 de março os extratos da conta-poupança do sr. Francenildo Costa, quando o notifiquei que estaria cumprindo as determinações legais, informando ao BACEN.

5. Portanto, também solicitei à área técnica da CAIXA — que, de acordo com aos normativos vigentes, confirmou a atipicidade das movimentações — fossem enviadas essas informações à autoridade competente (Bacen, órgão encarregado de noticiar ocorrências da espécie ao Coaf), fato esse realizado no final da tarde do dia seguinte 17 de março através de meio eletrônico.

6. Em nenhum momento me passou pela cabeça a possibilidade de — pessoalmente ou através de algum funcionário da CAIXA — romper indevidamente o sigilo bancário do cliente, vazando informações e tornando-as públicas, seja através da imprensa ou de qualquer outro meio. Tampouco considerei a hipótese de que outra pessoa pudesse vir a fazê-lo. Tanto assim que não houve qualquer tentativa de descaracterização dos documentos, o que permitiu a posterior localização do terminal e constatação da autoria da impressão do extrato.

7. Como outros brasileiros, tomei conhecimento da matéria publicada pela Revista Época como vazamento das informações sobre as movimentações financeiras do sr. Francenildo Costa no fim de semana (dias 18 e 19 de março).

8. No primeiro dia útil subseqüente à publicação (dia 20 de março) determinei a instauração de comissão de sindicância interna (Portaria n. 186/2006) para avaliar o cumprimento das normas internas e a eventual ocorrência da divulgação indevida referentes aos dados e movimentação bancária do sr. Francenildo Costa, no âmbito interno da CAIXA.

9. Considerando a ampla repercussão e exploração políticas do vazamento das informações realizado através da Revista Época — alheio à minha responsabilidade e da CAIXA — na manhã do dia 27 entreguei no Palácio do Planalto carta dirigida ao sr. Presidente da República, colocando meu cargo à disposição. Na mesma tarde, prestei declarações em depoimento no inquérito da Polícia Federal. Ao final da tarde, estive com o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que decidiu acolher meu pedido de exoneração, conforme publicado no Diário Oficial no dia seguinte.

10. O término da sindicância interna deu-se após minha saída da Presidência da CAIXA. Assegurado o respeito à sua autonomia e independência, a comissão inocentou os empregados envolvidos no episódio, concluindo pela inexistência, em seus comportamentos, de infiltração à lei e às normas internas da CAIXA e considerou que “os empregados agiram no cumprimento de determinação hierárquica superior, não considerada ilegal”.

11. Mais recentemente (dia 29 de maio) voltei a ser inquirido na Polícia Federal, quando novamente prestei depoimento, reafirmando as declarações anteriormente dadas.

Estou seguro de que a minha ação e da CAIXA foram norteadas pela legalidade e que ficará patente que não tivemos nenhuma responsabilidade no vazamento das informações financeiras do senhor Francenildo Costa. Lamento, contudo, que as providências levadas a afeito no âmbito da CAIXA, objetivando o cumprimento do dever de comunicar ao BACEN a ocorrência de movimentação atípica em conta de poupança — procedimento, portanto, legítimo e legalmente previsto — possam ter aberto a possibilidade, ainda que involuntária, de vazamento dessas informações por outrem.

No devido tempo, caberá à Justiça julgar o episódio, com a isenção que lhe é própria. Estou tranqüilo e confiante no seu julgamento, embora já saibamos que, no futuro, a repercussão pública de decisões favoráveis será mínima, como tem ocorrido sistematicamente. Muitos de vocês devem lembrar-se das denúncias do caso Gtech, BMG, Vila Pan-americana, etc. NO caso Gtech, depois de quase três anos e múltiplas investigações da Polícia Federal, Ministério Público Federal, Tribunal de Contas da União e Comissão Parlamentar de Inquérito, não se comprovou nenhum procedimento da administração lesivo à CAIXA ou de qualquer favorecimento àquela empresa. Pelo contrário, se reconhece que –finalmente—a CAIXA implementou um novo e complexo modelo lotérico, estando por libertar-se de um contrato por longo tempo questionado pelos órgãos controladores. Sobre os casos BMG e Vila Pan-americana, recentes decisões do TCU foram definitivas: nenhuma irregularidade foi cometida pela CAIXA. Mas quantos de vocês puderam ver na mídia essas informações?

Ao longo dos cerca de 39 meses tive a honra de servir ao governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, como presidente da Caixa Econômica Federal. Esse período foi intenso e consolidou minhas concepções como administrador, economista e homem público. Como o corpo funcional da CAIXA conseguimos atingir resultados que, em todas as áreas, foram superiores às expectativas do governo e do mercado. Foram tempos de desempenho econômico-financeiro histórico e de vitórias no campo operacional, na ampliação dos serviços (inclusive internacional), na inclusão bancária e na internalização do novo modelo lotérico.

Apesar do difícil momento vivido recentemente –como em outros de minha vida—mantenho a confiança no futuro. Confiança no futuro do Brasil, porque independentemente da recente crise o país tem mostrado vitalidade e maturidade, seguindo o seu curso democrático; no futuro do governo do Presidente Lula, por tudo que representa e pelo que tem feito e fará pelo nosso país e seu povo e no futuro da CAIXA, por sua trajetória de apoio à melhoria da qualidade de vida dos brasileiros e por seu belo desempenho recente, que a consolida como instituição financeira pública e social, eficiente e competitiva.

Recebam um forte abraço, que eu gostaria de dar pessoalmente,

Jorge Mattoso

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