Poder sob medida

Lorenzetti e Gedimar vão depor na CPI sem Habeas Corpus

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30 de outubro de 2006, 20h52

Jorge Lorenzetti, ex-integrante da campanha de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o advogado Gedimar Passos não conseguiram Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal. Eles pediam para ficar em silêncio, a fim de não se auto-incriminar nos depoimentos marcados para terça-feira (31/10) na CPMI das Ambulâncias. A decisão nos dois casos é do ministro Carlos Ayres Britto.

Para o relator, “toda Comissão Parlamentar de Inquérito detém poderes de instrução judicial, nos termos do parágrafo 3º do artigo 58 da Constituição de 1988”. Segundo o ministro, não existe a iminência de a CPMI das Ambulâncias cometer abuso de poder ou ilegalidade que venha a comprometer a liberdade de locomoção dos depoentes e os demais valores constitucionais.

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Leia a decisão no caso de Lorenzetti:

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 89.953-6 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. CARLOS BRITTO

PACIENTE(S) : JORGE LORENZETTI

IMPETRANTE(S) : ALDO DE CAMPOS COSTA E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES) : COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO – CPMI DAS AMBULÂNCIAS

DECISÃO: Vistos, etc.

Cuida-se de habeas corpus, preventivamente impetrado em favor de Jorge Lorenzetti, que foi convocado para depor na “Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das Ambulâncias“, no próximo dia 31 de outubro, terça-feira, às 14h. Habeas corpus em que o paciente veicula sua pretensão de depor na condição de investigado, e não de testemunha, uma vez que “o requerimento de nº 269/06 (em anexo), mediante o qual se requereu a convocação do paciente, revela, inequivocamente, sua condição de investigado no episódio que envolveu a tentativa de compra, em 15 de setembro próximo passado (sic), de informações supostamente contidas em um ‘dossiê’, que, em tese, relacionavam pessoas ligadas ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) ao escândalo denominado ‘Máfia das Sanguessugas’ (…).

Lamentavelmente, os eloqüentes pronunciamentos desta Corte sobre a questão podem não ser bastantes para impedir eventual coação injusta à liberdade de locomoção do paciente, em caso de recusar-se a firmar termo de compromisso legal de testemunha, ou, na hipótese em que venha a exercer o seu direito de calar-se perante a Comissão Parlamentar de Inquérito que está promovendo sua oitiva. É que, apesar de ser induvidoso que sua qualificação como investigado faz atrair ‘a observância da norma incerta no inciso LXIII do artigo 5º da Carta da República’, existe sempre o fundado risco de que o paciente possa ser etiquetado como testemunha durante sua audição, o que, além de representar uma burla à sua efetiva condição nos fatos em apuração, causaria-lhe inflição à sua liberdade de locomoção, de difícil – senão impossível – reparação” (fls. 05).

2. Daí o pedido cautelar, que objetiva assegurar ao paciente, durante a inquirição parlamentar do dia 31/10: a) a “liberdade de ir e vir“, com a expedição de salvo-conduto; b) o “direito de fazer-se acompanhar por seus advogados e de consultá-los quando entender conveniente durante sua inquirição“; c) “oitiva na posição de investigado, sem que seja compelido a firmar termo de compromisso na condição de testemunha“; d) “direito de não se auto-incriminar”, sem que, do exercício de tal direito, decorra qualquer sanção. (fls. 05/06).

3. Este o aligeirado relatório do feito. Passo a decidir. Ao fazê-lo, pontuo que toda Comissão Parlamentar de Inquérito detém poderes de instrução judicial, nos termos do § 3º do art. 58 da Constituição de 1988. O que me leva a concluir que, assim como não é de se supor que um magistrado venha a exceder os limites de sua atuação funcional para incursionar pelos domínios do abuso de poder ou da ilegalidade contra a alheia liberdade de locomoção, também assim não é de se supor que uma Comissão Parlamentar de Inquérito enverede pela mesma senda da ilicitude. Quero dizer: não tenho como razoável a presunção de que uma instituição parlamentar que se investe numa das dimensões da Judicatura venha a forçar qualquer depoente a se privar do desfrute de direitos e garantias conferidos a ele, depoente, pelo Ordenamento Jurídico. Avultando, dentre tais situações jurídicas ativas, o direito constitucional da não-auto-incriminação. Que se traduz, sabidamente, na faculdade de alguém não produzir provas contra si mesmo, ainda que para isso tenha que optar pelo silêncio puro e simples. O silêncio como relevante aspecto da própria garantia constitucional da ampla defesa, portanto.

4. Nessa linha de raciocínio, de se ver que a mesma Constituição Federal também proíbe que se inflija a quem quer que seja tratamento desumano ou degradante (além da tortura, naturalmente), conforme se lê do inciso III do art, 5º. O que já significa a vedação de se submeter eventual testemunha ou investigado a situações de menosprezo. Quero dizer, situações desrespeitosas, humilhantes ou, por qualquer forma, atentatórias da integridade física, psicológica e moral de qualquer depoente. Além da ofensa ao ineliminável direito que tem toda pessoa de não se auto-incriminar, mesmo que estando a depor como testemunha.

5. Acresce que tais direitos e garantias individuais tanto podem ser exigidos pelos sujeitos jurídicos de que trata o tópico anterior quanto por seus eventuais advogados. Sem distinção entre uma sala de audiências judiciais e uma sessão de Comissão Parlamentar de Inquérito. Comissão Parlamentar de Inquérito que não pode tolher o livre exercício da função advocatícia, aí incluído o poder de aconselhamento e orientação a seu cliente, a qualquer momento. Poder que se entrelaça com os próprios direitos e garantias constitucionais dos depoentes (sejam eles testemunhas, ou investigados).

6. Daqui se percebe, porém, que não basta reconhecer ao paciente a titularidade dos direitos e garantias por ele invocados, para que se lhe conceda a liminar requerida. Isto porque essa requestada concessão depende de pressupostos constitucionais que, no caso, e num juízo sumário que é próprio dos provimentos cautelares, não me parecem ocorrentes. Que pressupostos? A iminência de a “CPMI das Ambulâncias” cometer abuso de poder ou ilegalidade que venha a comprometer a liberdade de locomoção do paciente e os demais valores constitucionais aqui tantas vezes encarecidos. A menos, enfatize-se, que deste processo ressaísse que a Comissão Parlamentar impetrada houvesse, neste ou em qualquer outro procedimento investigatório do gênero, resvalado para a mencionada zona proibida da ilegalidade ou da abusividade.

7. Por esse modo de ver as coisas, afigura-seme descabido que o Supremo Tribunal Federal, para conceder a pretendida liminar, tenha que presumir algo de cuja factibilidade os autos não dão conta, de plano. Razão por que indefiro o pedido cautelar.

Comunique-se, com urgência.

Publique-se.

Brasília, 30 de outubro de 2006.

Ministro CARLOS AYRES BRITTO

Relator

Leia a decisão do caso Gedimar Passos

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 89.955-2 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. CARLOS BRITTO

PACIENTE(S) : GEDIMAR PEREIRA PASSOS

IMPETRANTE(S) : LUCIANO ANDERSON DE SOUZA E

OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES) : COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE

INQUÉRITO – CPMI DAS AMBULÂNCIAS

DECISÃO: Vistos, etc.

Cuida-se de habeas corpus, preventivamente impetrado em favor de Gedimar Pereira Passos, que foi convocado para depor na “Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das Ambulâncias”, no próximo dia 31 de outubro, terça-feira, às 14h. Habeas corpus em que o paciente veicula sua pretensão de depor na condição de investigado, e não de testemunha, de sorte a lhe assegurar o livre exercício dos direitos “ao silêncio e à não-incriminação” (fls. 12).

2. Daí o pedido cautelar, que objetiva dispensar o paciente da assinatura de termo de compromisso, além da expedição de salvo-conduto contra eventual decretação de sua prisão pelos crimes de falso testemunho ou desacato.

3. Este o aligeirado relatório do feito. Passo a decidir. Ao fazê-lo, pontuo que toda Comissão Parlamentar de Inquérito detém poderes de instrução judicial, nos termos do § 3º do art. 58 da Constituição de 1988. O que me leva a concluir que, assim como não é de se supor que um magistrado venha a exceder os limites de sua atuação funcional para incursionar pelos domínios do abuso de poder ou da ilegalidade contra a alheia liberdade de locomoção, também assim não é de se supor que uma Comissão Parlamentar de Inquérito enverede pela mesma senda da ilicitude. Quero dizer: não tenho como razoável a presunção de que uma instituição parlamentar que se investe numa das dimensões da Judicatura venha a forçar qualquer depoente a se privar do desfrute de direitos e garantias conferidos a ele, depoente, pelo Ordenamento Jurídico. Avultando, dentre tais situações jurídicas ativas, o direito constitucional da não-auto-incriminação. Que se traduz, sabidamente, na faculdade de alguém não produzir provas contra si mesmo, ainda que para isso tenha que optar pelo silêncio puro e simples. O silêncio como relevante aspecto da própria garantia constitucional da ampla defesa, portanto.

4. Nessa linha de raciocínio, de se ver que a mesma Constituição Federal também proíbe que se inflija a quem quer que seja tratamento desumano ou degradante (além da tortura, naturalmente), conforme se lê do inciso III do art, 5º. O que já significa a vedação de se submeter eventual testemunha ou investigado a situações de menosprezo. Quero dizer, situações desrespeitosas, humilhantes ou, por qualquer forma, atentatórias da integridade física, psicológica e moral de qualquer depoente. Além da ofensa ao ineliminável direito que tem toda pessoa de não se auto-incriminar, mesmo que estando a depor como testemunha.

5. Acresce que tais direitos e garantias individuais tanto podem ser exigidos pelos sujeitos jurídicos de que trata o tópico anterior quanto por seus eventuais advogados. Sem distinção entre uma sala de audiências judiciais e uma sessão de Comissão Parlamentar de Inquérito. Comissão Parlamentar de Inquérito que não pode tolher o livre exercício da função advocatícia, aí incluído o poder de aconselhamento e orientação a seu cliente, a qualquer momento. Poder que se entrelaça com os próprios direitos e garantias constitucionais dos depoentes (sejam eles testemunhas, ou investigados).

6. Daqui se percebe, porém, que não basta reconhecer ao paciente a titularidade dos direitos e garantias por ele invocados, para que se lhe conceda a liminar requerida. Isto porque essa requestada concessão depende de pressupostos constitucionais que, no caso, e num juízo sumário que é próprio dos provimentos cautelares, não me parecem ocorrentes. Que pressupostos? A iminência de a “CPMI das Ambulâncias” cometer abuso de poder ou ilegalidade que venha a comprometer a liberdade de locomoção do paciente e os demais valores constitucionais aqui tantas vezes encarecidos. A menos, enfatize-se, que deste processo ressaísse que a Comissão Parlamentar impetrada houvesse, neste ou em qualquer outro procedimento investigatório do gênero, resvalado para a mencionada zona proibida da ilegalidade ou da abusividade.

7. Por esse modo de ver as coisas, afigura—seme descabido que o Supremo Tribunal Federal, para conceder a pretendida liminar, tenha que presumir algo de cuja consistência os autos não dão conta, de plano. Razão por que indefiro o pedido cautelar.

Comunique-se, com urgência.

Publique-se.

Brasília, 30 de outubro de 2006.

Ministro CARLOS AYRES BRITTO

Relator

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