Os craques do Direito

Quem são e como vivem as estrelas da advocacia paulistana

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21 de outubro de 2006, 11h47

A revista Veja São Paulo publica na edição que começou a circular este final de semana uma reportagem completa sobre o vigor e a vitalidade da advocacia paulistana. A repórter Marcella Centofanti percorreu os principais escritórios da capital, entrevistou suas estrelas e produziu um relato dinâmico do setor. Entre as descobertas da revista está a de que um grande escritório chega a faturar cerca de R$ 200 milhões por ano e que um sócio-sênior pode receber, em média R$ 60 mil ao mês.

Veja a reportagem:

Berço do mais antigo curso de direito do país, criado no Largo São Francisco em 1827, São Paulo é a capital jurídica brasileira. Por aqui, há 95 000 advogados ativos, número que corresponde a quase metade dos profissionais do estado, ou um quinto do país. Atualmente, cerca de 150.000 alunos debruçam-se sobre códigos, leis e jurisprudências em uma das 222 faculdades paulistas. Quem sobreviver ao crivo da Ordem dos Advogados do Brasil, que no último exame aprovou apenas 9,8% dos inscritos, encontrará um mercado efervescente. À diferença do que ocorre com outras tradicionais carreiras universitárias, como engenharia e medicina, o disputadíssimo mercado sorri para os que mostram talento e competência na área jurídica. A nova fase da profissão começou nos anos 90, na esteira da abertura da economia e das privatizações. Com a globalização, vieram as multinacionais, as fusões e as aquisições – logo, uma tonelada de contratos, processos e… mais trabalho. “Estamos na era do direito”, afirma o jornalista Márcio Chaer, criador do site Consultor Jurídico, referência de informações do setor. “A advocacia tornou-se uma indústria, e os escritórios viraram empresas.”

Nos últimos quinze anos, escritórios de advocacia mudaram de fato seu perfil. Embora a maioria das 7.622 bancas paulistas ainda tenha estrutura familiar, uma parcela transformou-se numa espécie de loja de departamentos das leis, onde trabalham mais de uma centena de formados e estagiários. Para a compra de um banco, consulte especialistas em aquisições. Demissão em massa? A área trabalhista resolve. Se tiver problemas com a Receita Federal, passe pelo setor dos tributaristas. Nesses endereços, o cliente resolve qualquer tipo de pendenga corporativa. Administrados por CEOs, eles oferecem planos de carreira e treinamentos a seus funcionários. Estamos falando dos superescritórios, que empregam de 300 a 400 advogados cada um e podem faturar cerca de 150 milhões de reais por ano. Sete deles se destacam, seja pelo número de advogados, seja pelo faturamento: Pinheiro Neto; Machado, Meyer, Sendacz e Opice; Trench, Rossi e Watanabe; Demarest & Almeida; Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga; Leite, Tosto e Barros; e Tozzini, Freire, Teixeira e Silva.

Em quantidade de advogados, o Tozzini, Freire lidera esse ranking, com 428 profissionais, incluindo os 53 sócios (em 1991, antes das privatizações, tinha apenas onze advogados). É o último dos grandes escritórios a funcionar no centro, perto dos tribunais – seus concorrentes hoje estão principalmente nas zonas Sul e Oeste da capital, mais próximos da clientela. Mas por pouco tempo. Em duas semanas, uma caravana de caminhões estaciona na Rua Líbero Badaró e segue para a Rua Borges Lagoa, na Vila Clementino. Um dos maiores entusiastas dessa mudança foi Syllas Tozzini, que comanda o escritório ao lado de José Luis de Salles Freire. Sócios desde 1977, eles se conheceram há 43 anos no Colégio Santo Américo, que ficava em Santa Cecília. Freire cuida do lado comercial e dos relacionamentos no exterior, enquanto Tozzini é uma espécie de clínico-geral do escritório. Elabora manuais de orientação sobre os mais diversos temas jurídicos, estuda a nova legislação e investe na carreira de seus profissionais.

Formado no Largo São Francisco, Tozzini iniciou sua carreira no Demarest & Almeida. Logo ficou conhecido por suas extravagâncias. Nos tempos de estagiário, certo dia apareceu para trabalhar num terno cor-de-rosa (cena inimaginável para quem o vê hoje em bem cortadas roupas inglesas e sóbrias camisas sob medida). Morador do último piso de um prédio em Higienópolis, Tozzini comprou o 1º andar para abrigar sua biblioteca com mais de 5 000 títulos. Lá, ele guarda livros sobre a história de São Paulo, como uma encadernação de jornais de 25 de janeiro de 1954, que registraram os 400 anos da capital. Entre as paixões estão o Corinthians e a série O Senhor dos Anéis, da qual tem mais de 100 edições, algumas ainda embaladas. “Meu personagem favorito é o Gandalf”, diz ele, referindo-se ao mago da trilogia interpretado na tela pelo ator britânico Ian McKellen. “Você leva um tempo para descobrir em que lado da história ele está.” Freire, que viaja para o exterior de seis a oito vezes por ano, já contribuiu para a coleção do sócio. Os dois não varam mais as noites no escritório, mas estão sempre de olho nos mínimos detalhes. Tozzini, por exemplo, lê aleatoriamente algumas cópias de correspondências que foram enviadas pelo escritório para checar como anda o português de seus funcionários. Freire faz questão de atender pessoalmente clientes importantes, ainda que não esteja cuidando diretamente do processo. “Crescemos em função da competência, da estratégia e da vontade de investir no próprio negócio”, afirma ele, que arruma tempo para jogar tênis, correr e fazer musculação de segunda a sexta.


Nenhum escritório, no entanto, desperta tanto o interesse de jovens estudantes de direito quanto o Pinheiro Neto. A seu RH, chegam de 1.800 a 2 000 currículos por ano. Todos os candidatos sonham com uma vaga na mais tradicional das bancas paulistanas. Desde que deixou a Rua Boa Vista, no centro, e se instalou em junho no pomposo prédio que abrigou o Banco Santos, na Rua Hungria, ganhou um apelido dos concorrentes: Daslei, trocadilho com a butique Daslu. A decoração impressiona. Nas salas de reunião, mesas de madeira e cadeiras com estofado de couro são vintage, conservadíssimas. As paredes exibem belas fotografias em preto-e-branco de São Paulo nas décadas de 20 e 30.

Fundado em 1942 pelo lendário José Martins Pinheiro Neto, que morreu em 2005, aos 88 anos, o escritório implantou o conceito de empresa jurídica no Brasil. Hoje, é administrado por três sócios: Alexandre Bertoldi, Antonio Mendes e Celso Mori. Bertoldi, aos 45 anos, é sorridente e informal a ponto de ser chamado de “Alê” por recepcionistas, sem o precedente título de doutor. Nas horas vagas, mantém uma curiosa paixão: cafés. Neto e bisneto de imigrantes italianos que cultivaram o grão no interior, comprou uma máquina de café expresso nos tempos de faculdade. Tem atualmente dez e gaba-se de tirar uma xicrinha de expresso com maestria de barista.

Embora o Pinheiro Neto não divulgue números, o mercado calcula que seja o escritório de maior faturamento, com mais de 200 milhões de reais anuais. Estima-se que o Machado, Meyer, o Tozzini, Freire e o Demarest & Almeida faturem algo em torno de 150 milhões de reais. Trata-se do mesmo montante declarado pelo Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga, que emprega 199 profissionais. “Concorremos em igualdade de faturamento e lucratividade por sócio”, diz Roberto Quiroga Mosquera. Seus advogados recebem salário de 3.300 a 18.000 reais mensais. Já os sócios podem alcançar rendimentos de 60 000 reais por mês, incluindo participação nos lucros.

Filho do grande maître Ramón Mosquera Lopez, imigrante espanhol que fez fama na churrascaria Rodeio, morto em 1999, Quiroga estudou violão clássico e sonhava em seguir carreira como músico ou engenheiro. Mas foi convencido pelo pai, que estudou até o 4º ano do primário, a cursar direito. Aos 45 anos, formado pelo Mackenzie, Quiroga é sócio de um dos mais informais desses escritórios. No 1º pavimento de seu prédio de oito pisos na esquina da Avenida Paulista com a Alameda Joaquim Eugênio de Lima, instalou o fun floor, ou andar da diversão. Ali, os funcionários podem disputar uma partida de sinuca, jogar xadrez, fazer escova na cabeleireira ou ficar estirados no sofá, assistindo à televisão. Veja bem: durante o expediente.

Se no Mattos Filho os funcionários tomam aulas de culinária no Atelier Gourmand e de filosofia na Casa do Saber, no Leite, Tosto e Barros (LTB), no Itaim Bibi, eles têm seminários de feng shui, do-in e numerologia. Fundado há quinze anos, o LTB foi uma das principais surpresas do anuário Análise Advocacia – Os Mais Admirados do Direito, lançado no mês passado. Baseada em votos dos departamentos jurídicos de 600 das 1.000 maiores empresas brasileiras, a edição ranqueia as mais admiradas bancas do país. As sete firmas mostradas nesta reportagem ocupam as primeiras posições. No topo, está o Pinheiro Neto. O LTB vem em sexto, à frente do Tozzini, Freire.

Ricardo Tosto, de 43 anos, comanda o escritório. Expulso na adolescência do Colégio São Luiz, gosta de repetir que nunca foi estudioso. No Mackenzie, levou bomba em sociologia e processo penal. Hoje, é amante de bons vinhos e charutos. Define-se como um bon-vivant. “Não tenho sangue azul nem faço parte da panelinha dos advogados”, declara. No andar que ocupa na Rua Doutor Renato Paes de Barros, espalhou frases como “A genialidade por si só não é garantia de sucesso”, extraída do filme Amadeus. Um quadro exibe a letra e a tradução da canção We Are the Champions, do grupo Queen, uma de suas favoritas. No ano passado, afirma ter faturado 50 milhões de reais.

Tosto ganhou fama depois de ter sido contratado por Paulo Maluf, em 1999. Nas últimas eleições, além do ex-prefeito, atendeu de Cristovam Buarque a Paulinho da Força. Durante o período de exibição do horário gratuito, uma equipe passava o dia monitorando programas de rádio e televisão para encontrar possíveis pedidos de direito de resposta. Mas sua atuação não se resume à área eleitoral. “Todos os grandes casos de repercussão no Brasil passaram por aqui”, exagera. Apesar de ser a grande estrela do escritório, Tosto faz questão de manter seu sobrenome no meio da sigla. Não por modéstia, que não é exatamente uma de suas características, mas por sugestão de um astrólogo.

“Todo mundo quer ter o nome lá no topo”, afirma Rogério Lessa, diretor-geral do Demarest & Almeida, criado em 1948. Ele, no entanto, tem poucas chances de ver o seu Lessa em destaque – as bancas não costumam mudar seus nomes mesmo depois da morte dos fundadores. Ele conta que, na firma instalada no modernoso edifício do Centro Cultural Ohtake, em Pinheiros, parte das suas atribuições é resolver problemas interpessoais. “Há muita gente talentosa e de personalidade aqui”, diz. “Várias prima-donas exigem o piano branco no camarim.” Sócio há vinte anos, Lessa queria ser pastor na juventude. Mudou de idéia durante o curso na São Francisco. Aos 59 anos, perto da aposentadoria, gosta de passar os fins de semana em sua casa em Campos do Jordão, com a família e nove cachorros. Seu colega de classe desde os tempos do colégio Mackenzie, Antonio Meyer, a quem Lessa chama de Tonico, também já pensa em pendurar a gravata. “O mercado financeiro é dominado por gente mais jovem. Cabe à nova geração conquistar essa clientela”, acredita. Sua experiência e credibilidade, ele sabe, ainda abrem portas. “Falo com juízes e desembargadores. É a mim que os ministros recebem.”


Especialista em fusões, Claudia Prado é uma das poucas mulheres que aparecem à frente de um grande escritório – embora a advocacia esteja se tornando uma profissão crescentemente dominada pelo sexo feminino. Aos 44 anos, ela é CEO do Trench, Rossi e Watanabe. Mãe de três adolescentes, Claudia consegue dividir seu horário entre a família e o trabalho. Mas paga um preço. “Nunca tirei uma licença-maternidade completa”, conta. Quando seu segundo filho tinha 2 meses, foi convocada para uma reunião nos Estados Unidos. Embarcou com o bebê e a babá. Nas horas vagas, gosta de cozinhar. Antes de dormir, não dispensa a leitura de livro de receitas. “Ajuda a esvaziar a cabeça”, diz. Durante o dia, sua jornada é intensa. A banca administrada por ela ocupa o 11º lugar entre as maiores de São Paulo, mas conquistou a medalha de bronze no ranking das mais admiradas. “Big is not beautiful”, ou grande não é bonito, afirma ela, explicando que o Trench, Rossi não faz questão de crescer. Associado ao gigante americano Baker & McKenzie, o escritório conta com cinco departamentos, que eles chamam de desks, voltados para clientes estrangeiros: french, german, spanish, japanese e chinese. Tudo assim mesmo, em inglês. Com essa nova leva de advogados, nada de citar Cícero em latim. Data venia, a expressão da moda, nos megaescritórios, é one stop shop. “Ou seja, em um lugar só, os clientes têm a conveniência de ser assessorados em todas as áreas”, traduz Claudia.

Antonio Corrêa Meyer

• Escritório: Machado, Meyer, Sendacz e Opice

• Fundação: 1972

• Número de advogados: 316

• Principais clientes: Telefônica, Wal-Mart, JPMorgan Chase, LG Electronics, Nike, HSBC, Merrill Lynch e Grupo Suzano

Sócio-fundador, acumula a função de administrador do escritório. São-paulino fanático, na reta final de campeonatos estende uma bandeira do time em sua sala de trabalho. Na semana passada, ganhou um autógrafo de seu jogador preferido, o goleiro Rogério Ceni

Rogério Lessa

• Escritório: Demarest & Almeida

• Fundação: 1948

• Número de advogados: 392

• Principais clientes: Monsanto, Goodyear, Votorantim, CPFL, Itaú, Santander, Ford, Volkswagen e General Electric

Há 38 anos, iniciou a carreira como estagiário no Demarest & Almeida. Hoje, ocupa a função de CEO. Nos fins de semana, gosta de recolher-se com a família, especialmente com seu xodó, a única neta, Carolina, na mansão que construiu em Campos do Jordão

José Luis de Salles Freire

• Escritório: Tozzini, Freire, Teixeira e Silva

• Fundação: 1976

• Número de advogados: 428

• Principais clientes: Colgate, Honeywell, Renner, NET, UPS, Femsa, Devon Energy e Casino

Cuida da parte comercial da firma e do relacionamento com clientes no exterior. Adora praticar esportes. De segunda a sexta, corre na esteira, joga tênis e faz musculação. Aos sábados, na companhia de outros ciclistas, percorre trilhas de mountain bike nos arredores de Itu

Claudia Farkouh Prado

• Escritório: Trench, Rossi e Watanabe

• Fundação: 1959

• Número de advogados: 126

• Principais clientes: Abbott, Visa, Companhia Vale do Rio Doce, General Electric, Motorola, Petrobras, Siemens e Procter & Gamble

No posto de CEO, é uma das poucas mulheres a comandar um grande escritório. Desdobra-se para dividir o tempo entre trabalho e família. Mãe de três meninos, nunca conseguiu tirar uma licença-maternidade completa. Quando o segundo filho tinha 2 meses, embarcou com ele para uma reunião nos Estados Unidos. Nas horas vagas, adora praticar esportes de aventura e cozinhar.

Ricardo Tosto

• Escritório: Leite, Tosto e Barros

• Fundação: 1991

• Número de advogados: 140

• Principais clientes: BankBoston, Grupo Alusa, Grupo Schahin, Grupo Eucatex, Alcatel, Avon Cosméticos e Votorantim Metais

Principal estrela da firma, ficou conhecido por atuar em defesa de políticos. O mais famoso deles é Paulo Maluf. Seu escritório promove seminários de feng shui, do-in e numerologia para os funcionários. É apaixonado por vinhos franceses e charutos cubanos. “Sou um bon-vivant”, define-se

Roberto Quiroga Mosquera

• Escritório: Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga

• Fundação: 1992

• Número de advogados: 199

• Principais clientes: Citibank, HSBC, OAS, Grupo Folha, Santander, Grupo Neoenergia e Embraer

Filho do espanhol Ramón Mosquera Lopez, famoso maître da churrascaria Rodeio, já falecido, sonhava em ser violonista profissional ou engenheiro. Por sugestão do pai, que estudou até o 4º ano do primário, cursou direito. Aos 45 anos, é o mais jovem dos quatro sobrenomes que batizam a banca

Alexandre Bertoldi

• Escritório: Pinheiro Neto

• Fundação: 1942

• Número de advogados (incluindo sócios): 320

• Principais clientes: Telefônica, Carrefour, Itaú BBA, General Motors, Bradesco, Eletropaulo e Makro

Divide o comando do escritório com outros dois sócios. Gosta de praticar corrida, assistir a filmes de arte e colecionar máquinas de café expresso. Comprou a primeira numa viagem à Europa, nos tempos de faculdade. Atualmente tem dez, entre elas uma italiana de cobre

Reportagem publicada na revista Veja São Paulo desta semana

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