Hora de acusar

Procurador só responde por denunciar inocente se agir com má-fé

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20 de outubro de 2006, 18h38

O procurador que denuncia um inocente — ou o delegado que o indicia — só deve responder pelo ato se agiu com má-fé ou abuso de poder. O fato de a denúncia ser rejeitada pela Justiça, por si só, não justifica reparação por danos morais ao acusado ou qualquer punição ao agente público.

Essa é a opinião predominante entre os especialistas ouvidos pela revista Consultor Jurídico. A discussão foi provocada com a ação ajuizada pelo juiz federal Ali Mazloum contra duas procuradoras da República e dois delegados federais. Absolvido pela Justiça, o juiz acusado de abuso de poder, formação de quadrilha e prevaricação, entrou com pedido de indenização contra os agentes que o processaram e a União ( clique aqui para ler a notícia).

Segundo Marcelo Roberto Ferro, professor de Direito Civil da PUC do Rio de Janeiro, “só cabe reparação por danos morais se a denúncia é abusiva ou construída com má-fé. O simples fato de a denúncia ser rejeitada ou o processo extinto não justifica o pedido de indenização por danos morais e materiais. Houve uma suspeita. Ela foi apurada. É esse o papel do Ministério Público”.

Fernando Lottenberg, que também atua na área do Direito Civil, explica que a ação deveria ser ajuizada apenas contra a União, porque as procuradoras e a PF protegem o Estado. Se a União fosse condenada, caberia então ação de regresso. “Ainda assim, o fato de oferecer denúncia é lícito, o que já afasta o argumento de dano moral. Só se há abuso é que cabe reparação.”

Seguindo a mesma linha, o promotor de Justiça Carlos Cardoso, de São Paulo, afirma que a responsabilização civil é cabível se o procurador ou delegado age com consciência de que está acionando um inocente. De acordo com o promotor — que fez questão de ressaltar que falou em tese, por não conhecer o caso concreto — o dever do Ministério Público é denunciar, se há indícios.

“O simples fato de o denunciado ser absolvido não justifica uma ação de reparação. Se há indícios que apontam determinada pessoa como autora de um crime, o Ministério Público deve denunciar, pois assim estará agindo dentro dos limites legais, cumprindo suas obrigações. Mas se há má-fé ou dolo ao denunciar, o promotor pode responder não apenas na esfera civil, mas também criminal e administrativamente”, concluiu Cardoso.

Imunidade profissional

O Supremo Tribunal Federal pode começar a definir os limites das responsabilidades de agentes públicos no exercício de suas funções ao julgar se procuradores federais devem responder ao Tribunal de Contas da União por eventuais prejuízos causados aos cofres públicos com base em seus pareceres e manifestações jurídicas. O julgamento da questão foi adiado em maio, com um segundo pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.

Os procuradores entraram com Mandado de Segurança no STF contra ato do TCU que quer responsabilizá-los por terem se manifestado a favor de convênio entre o Ministério da Previdência Social, o INSS e o Centro Educacional de Tecnologia em Administração.

Segundo os procuradores, os atos proferidos no legítimo exercício da advocacia não podem gerar responsabilidade e o TCU não pode instaurar procedimento investigatório para fiscalizar seus pareceres. O advogado dos procuradores, Marlon Tomazette, sustenta que os advogados públicos só podem ser responsabilizados se é provado que houve dolo ou má-fé em seus atos, o que não teria ocorrido no caso.

O placar está em cinco votos contra os procuradores — ou seja, eles devem responder pessoalmente pelo parecer — e dois a favor do pedido de Mandado de Segurança. O relator da matéria, ministro Marco Aurélio, e os ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto e Ricardo Lewandowski votaram contra a concessão do Mandado de Segurança. Os ministros Gilmar Mendes e Eros Grau abriram divergência e votaram a favor dos procuradores.

Para o ministro Marco Aurélio, o artigo 38 da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações) impõe responsabilidade solidária aos procuradores. O ministro sustentou que a lei “é explicita ao prever que o ato do procurador não é simplesmente opinativo, é um ato conclusivo quanto à aprovação ou não”. De acordo com o ministro Joaquim Barbosa, “se o advogado privado tem que prestar contas ao seu cliente, mais forte e constritiva deve ser a obrigação do advogado público de responder perante a Administração, perante os órgãos de controle e perante a sociedade pelos atos que pratica”.

Gilmar Mendes, ao abrir divergência e deferir o pedido, afirmou que o advogado público não é isento de responsabilidade, principalmente em matéria de licitação. No entanto, disse que a acusação aos procuradores, nesse caso, chega a ser imprópria. “Pretender que a formulação do convênio tenha sido responsável por eventual burla ao sistema licitatório afigura-se, a meu ver, abusiva”, afirmou. Ao pedir vista novamente, o ministro pode rever sua posição. A definição sobre o tema continua em aberto.

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