Sabotagem informática

UOL deve fornecer dados de usuário à Justiça alemã

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9 de outubro de 2006, 18h05

O provedor UOL — Universo On Line terá de informar à Justiça alemã os dados de um usuário acusado de bloquear o acesso aos sites da empresa Online-forum, em fevereiro de 2004. Para o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Raphael de Barros Monteiro, informações cadastrais, como o endereço, não estão protegidas pelo sigilo. O ministro acolheu pedido feito pelo Tribunal da Comarca de Düsseldorf, por meio de carta rogatória.

O tribunal alemão pediu os dados para ajudar no inquérito que investiga o crime de sabotagem informática. O UOL questionou a ordem. Argumentou que, antes de cumprir a decisão, é preciso a homologação da sentença alemã. Segundo a defesa do provedor, a Constituição brasileira dispõe que os dados são invioláveis, o que impede a quebra de sigilo das informações cadastrais. A empresa, contudo, declarou que não se opõe a fornecê-las, desde que haja expressa autorização judicial.

Ao analisar o pedido, o presidente do STJ destacou que, em casos semelhantes, o tribunal foi favorável ao fornecimento de dados cadastrais. Ele ressaltou inclusive que o Supremo Tribunal Federal tem entendido que “o que se protege, e de modo absoluto, até em relação ao Poder Judiciário, é a comunicação de dados e não os dados, o que torna impossível qualquer investigação administrativa, fosse qual fosse”.

O ministro concluiu que não se pode falar em ofensa à soberania nacional ou à ordem pública, uma vez que a Constituição Federal proíbe a quebra do sigilo da comunicação dos dados, não o conhecimento dos dados em si. O presidente do STJ determinou que o caso seja encaminhado à Justiça Federal de São Paulo, para que providencie o cumprimento da decisão.

Leia a decisão

Superior Tribunal de Justiça

CARTA ROGATÓRIA Nº 297 — DE (2005/0010755-8)

JUSROGANTE: TRIBUNAL DA COMARCA DE DÜSSELDORF

INTERES.: UOL — UNIVERSO ON LINE

ADVOGADA: ANA LUIZA BROCHADO SARAIVA MARTINS E OUTROS

DECISÃO

Vistos, etc.

1. O Tribunal da Comarca de Düsseldorf, República Federal da Alemanha, solicita, mediante esta carta rogatória, que a empresa “Universo On Line” informe os dados da pessoa que, em 25 de fevereiro de 2004, às 3:20 hs (hora da Europa Central), a partir do IP n. 200.98.154.187, bloqueou o acesso aos sites atendidos pela empresa “Online-forum”.

A rogatória fundamenta-se em inquérito para investigação de “sabotagem informática”, conforme consta da tradução do texto rogatório (fls. 13/16).

2. Intimada previamente, a interessada apresentou impugnação (fls. 43/47), sob o argumento de que é necessário, primeiramente, homologação da sentença prolatada pela Justiça rogante, para que possa prestar as informações relativas ao usuário em questão. Invoca o princípio constitucional da inviolabilidade de dados, previsto no art. 5º, XII, da CF/88, que, segundo alega, impede a quebra do sigilo de dados cadastrais. Por fim, não se opõe em fornecer as informações solicitadas, desde que mediante expressa autorização judicial.

O Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem (fls. 55/57).

3. A carta rogatória em tela encontra-se devidamente motivada, contendo a exposição dos atos ilícitos praticados bem como a conduta da pessoa envolvida. No tocante à diligência requerida, verifica-se não haver caráter constritivo na medida, vez que visa somente obter os dados do usuário conectado ao IP n. 200.98.154.187, no dia e hora mencionados, a fim de instruir investigação instaurada perante a Justiça estrangeira.

Esta Corte já proferiu decisão no sentido de que o fornecimento de dados cadastrais, como o endereço p. ex., não está protegido pelo sigilo, conforme se verifica na ementa a seguir reproduzida:

“Imposto de renda. Informações. Requisição. Os elementos constantes das declarações de bens revestem-se de caráter sigiloso que não deve ser afastado se não em situações especiais em que se patenteie relevante interesse da administração da Justiça. Tal não se configura quando se trate apenas de localizar bens para serem penhorados, o que é rotineiro na prática forense. Injustificável, entretanto, negar-se o pedido na parte em que pretende obter dados pertinentes ao endereço do executado. Em relação a isso não há motivo para sigilo” (RESP 83824/BA, relator Ministro Eduardo Ribeiro, DJ 17.5.99) (grifou-se).

A respeito do assunto, cabe mencionar o estudo de Tércio Sampaio Ferraz Júnior em seu trabalho “Sigilo de Dados: O Direito à Privacidade e os Limites à Função Fiscalizadora do Estado’ (Revista da Faculdade de Direito USP, vol. 88, 1993, p. 449), ao explanar sobre o alcance da proteção à vida privada:

“Pelo sentido inexoravelmente comunicacional da convivência, a vida privada compõe, porém, um conjunto de situações que, usualmente, são informadas sem constrangimento. São dados que, embora privativos — como o nome, endereço, profissão, idade, estado civil, filiação, número de registro público oficial etc, condicionam o próprio intercâmbio humano em sociedade, pois constituem elementos de identificação que tornam a comunicação possível, corrente e segura. Por isso, a proteção desses dados em si, pelo sigilo, não faz sentido. Assim, a inviolabilidade de dados referentes à vida privada só tem pertinência para aqueles associados aos elementos identificadores usados nas relações de convivência, as quais só dizem respeito aos que convivem. Dito de outro modo, os elementos de identificação só são protegidos quando compõem relações de convivência privativas: a proteção é para elas, não para eles. Em conseqüência, simples cadastros de elementos identificadores (nome, endereço, R.G., filiação, etc.) não são protegidos. Mas cadastros que envolvam relações de convivência privada (por exemplo, nas relações de clientela, desde quando é cliente, se a relação foi interrompida, as razões pelas quais isto ocorreu, quais os interesses peculiares do cliente, sua capacidade de satisfazer aqueles interesses, etc) estão sob proteção. Afinal, o risco à integridade moral do sujeito, objeto do direito à privacidade, não está no nome, mas na exploração do nome, não está nos elementos de identificação que condicionam as relações privadas, mas na apropriação dessas relações por terceiros a quem elas não dizem respeito”.

Não é demais evocar a jurisprudência emanada da Corte Suprema brasileira, em especial o trecho do voto proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence, que também dá amparo ao acolhimento da ordem pleiteada na peça exordial:

“Não entendo que se cuide de garantia com status constitucional. Não se trata da ‘intimidade ‘ protegida no inciso X do art. 5º da Constituição Federal. Da minha leitura, no inciso XII da Lei Fundamental, o que se protege, e de modo absoluto, até em relação ao Poder Judiciário, é a comunicação ‘de dados’ e não os ‘dados’, o que tornaria impossível qualquer investigação administrativa, fosse qual fosse.”

(voto proferido no MS n. 21.729-4/DF, DJ 19.10.2001)

Não há falar, nesses termos, em ofensa à soberania nacional ou à ordem pública, eis que, como bem ressaltado pelo Ministro Sepúlveda Pertence no voto acima, pela interpretação da garantia estampada no art. 5º, X e XII da CF/88, veda-se a quebra do sigilo da comunicação dos dados, não do conhecimento do dados em si.

4. Posto isso, satisfeitos os pressupostos necessários, concedo o exequatur. Encaminhem-se os autos à Justiça Federal do Estado de São Paulo, para as providências cabíveis (art. 13 da Resolução n. 9/2005, deste Tribunal).

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 18 de setembro de 2006.

Ministro BARROS MONTEIRO

Presidente

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