18 anos de Constituição

O cidadão ainda não recobrou a capacidade de se indignar

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5 de outubro de 2006, 15h56

Na comemoração dos 18 anos da Constituição Federal de 1988, tornam-se oportunas algumas reflexões. Comecemos lembrando que, inobstante aquela carta ter sido qualificada como Constituição Cidadã, perdura, na sua vigência, a repartição injusta da riqueza, agravada por uma estrutura tributária desumana: a classe pobre sendo mais onerada que a rica, que nunca é atingida pelos paliativos comumente utilizados nas reformas da política econômica.

Basta lembrar o castigo imposto aos aposentados na reforma da Previdência Social, bem como a ficção do salário mínimo, destinado a atender às chamadas necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família (artigo 6º, IV).

A concentração do poder pela União, em detrimento dos estados membros, compromete a democracia, num país que, embora conte com cinco séculos de existência, na realidade, não tem mais que 50 anos de regime democrático.

Lembremos que, somente a partir de 1930, foi instituído o voto secreto universal, deixando à margem do processo de escolha a população analfabeta.

O advento do Estado Novo (1937/1945) e o Regime Militar (1964/1985) concorreram para que o povo se acomodasse ao autoritarismo, sendo certo que, até hoje, ainda não recobrou plenamente a capacidade de indignar-se, notadamente contra aqueles que tentam fazer do Brasil uma cleptocracia.

A Constituição de 1988 não tornou verídico o princípio da isonomia, de modo que todos sejam “iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, no que concerne a “inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade” (artigo 5º).

Conforme assinalou Dalmo Dallari, bem mais importante que a igualdade “perante a lei”, há de ser a igualdade “perante o juiz” ou “perante o Estado”, a não ser que nos contentemos em fazer daquela “garantia” mera promessa, tão falsa como inconseqüente.

Já a comovente afirmativa de que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes” (artigo 1º, parágrafo único), continua a ser simples figura de retórica.

O candidato eleito pelo povo, na maioria das vezes, já no dia seguinte ao pleito, sente-se descompromissado tanto com as promessas de campanha como em relação àqueles que o sufragaram.

Com razão, pois, o professor Fábio Konder Comparato na sua pregação em favor do recall, com a retomada do mandato daqueles que se tornaram não merecedores da confiança popular, fazendo da eleição um autêntico estelionato.

O direito elementar do voto, por si só, não constitui a efetivação da democracia, sem que os princípios éticos sobreponham-se aos interesses pessoais, de modo que o eleitor constitua um instrumento transitório de prestígio, numa escolha despida de autenticidade.

Assinale-se, ainda, a ineficácia do mandado de injunção (artigo 5º, LXXI), destinado a tornar efetivo o exercício dos direitos e liberdade constitucionais.

Numa Constituição tantas vezes emendada, torna-se indispensável que dela constasse a finalidade desse nobre instituto, evitando que persistissem as dúvidas quanto à sua finalidade.

As decisões do Supremo Tribunal Federal, conferindo ao mandado de injunção a mesma importância de uma ação direta de inconstitucionalidade, por omissão, concorreram para que o brasileiro não consiga desfrutar dos direitos previstos na Constituição, retirando do mandado a sua significação verdadeira.

Por tudo isso, é válido concluir que a Constituição atual ainda não ensejou a participação política do cidadão na maioria das questões relevantes, de modo que pudesse atingir o acalentado Estado Democrático de Direito.

Se a lei não pode ter origem na vontade individual, a Constituição, como lei suprema, deve ser a expressão da razão, sob pena de ficarmos sujeitos ao totalitarismo.

Convém assinalar, finalmente, que nem sempre o Estado de Direito é também o Estado de Justiça, conforme a história tem demonstrado. Assim foi no passado e continua a ser no presente.

A justiça social é a fonte da verdadeira segurança, uma vez que direito e justiça são termos de mútua atração e compreensão, que levam ao bem comum”.

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