Faxina fluminense

MP do Rio vai investir contra eleitos acusados de corrupção

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4 de outubro de 2006, 16h54

Principal protagonista das tentativas da Justiça Eleitoral do Rio de Janeiro de barrar a candidatura de políticos acusados de corrupção, improbidade administrativa e outros crimes contra a administração pública, o procurador regional eleitoral Rogério Nascimento ainda não se deu por vencido. Mesmo depois de o Tribunal Superior Eleitoral ter revisto as cassações determinadas pelo Tribunal Regional Eleitoral fluminense, ele tentará barrar os mandatos daqueles políticos que, apesar das acusações, sobreviveram às urnas.

Até o final desta semana seus assessores irão recolher nos processos de registro de candidaturas do TRE-RJ cópia de todas as folhas de antecedentes dos 46 políticos que se elegeram para a Câmara dos Deputados, mais os 70 que ganharam cadeira na Assembléia Legislativa do Rio, e ainda alguns suplentes que podem ser chamados a substituir os titulares. Com isto, prepara-se para, tão logo os eleitos sejam proclamados — o que deve ocorrer até 20 de dezembro — ingressar junto ao TRE com pedidos de impugnação dos mandatos.

“O trabalho da Procuradoria Regional Eleitoral foi bastante facilitado pela ajuda recebida dos próprios eleitores”, admite Nascimento. Nesta eleição houve maior preocupação com os políticos acusados de atos criminosos ou improbidade administrativa. Um exemplo foi o que aconteceu na escolha dos deputados que representarão os fluminenses na Câmara dos Deputados.

Nesta legislatura (2003/2007), as 46 cadeiras destinadas ao Rio foram ocupadas por 58 políticos, incluindo suplentes que tiveram mandatos tampões. Desta bancada, dois foram cassados — André Luiz (PMDB) e Roberto Jefferson (PTB) — e outro renunciou para evitar a cassação — Bispo Rodrigues (PL). Dos 55 restantes, nada menos do que 16 foram acusados de envolvimento com a Máfia dos Sanguessugas. Dez deles ainda tentaram a reeleição, mas foram rechaçados pelo eleitorado que também não renovou o mandato do discutível deputado Eurico Miranda (PTB), presidente do Clube de Regatas Vasco da Gama e dono de uma extensa lista de acusações.

Os deputados acusados de envolvimento com a Máfia dos Sanguessugas, os que respondem a processos criminais e os que tiveram contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União ou do estado foram os principais alvos dos pedidos de impugnação dos registros de candidaturas pelos procuradores regionais eleitoral do Rio, Rogério Navarro e seu xará, Rogério Nascimento. Os dois embarcaram na tese levantada pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) de que o parágrafo 10 do artigo 14 da Constituição prevê a impugnação dos mandatos daqueles contra os quais existirem “provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude”.

O tribunal fluminense, na sua maioria, acatou este argumento. O TRE recusou o registro de candidatura de muitos, mas o TSE só manteve a decisão no caso dos responsáveis por contas rejeitadas. Para os acusados de corrupção ou processados, prevaleceu o entendimento da necessidade de sentença transitada em julgado.

Para o procurador Nascimento, porém, toda esta discussão provocou ganhos no processo eleitoral. Ele, primeiro, adverte que a decisão do TSE foi apertada, por quatro a três. O debate foi acirrado e, nele, surgiu uma nova tese, defendida pelo ministro Ayres Britto sustentando a diferença do direito individual do candidato à presunção de inocência e o direito coletivo da sociedade de ter representantes políticos sem suspeita de envolvimento com ilicitudes. A discussão repercutiu na sociedade e até em outros meios jurídicos. No TRE-RJ circula a tese de que pode haver mudanças nesta decisão. Há quem diga até que os argumentos dos vencidos estão encontrando novos adeptos entre os demais ministros do Supremo Tribunal Federal.

Nascimento também está convencido de que a rejeição dos deputados sanguessugas nas urnas foi conseqüência deste debate e da repercussão que a decisão do TRE-RJ teve na mídia, de uma maneira em geral. Com todo o debate público, o eleitor foi à cabine muito mais bem informado e fez a depuração natural. Para ele, o resultado das urnas mostra que “não existe eleitor leviano, pode existir sim voto conduzido ou voto mal informado. No caso, como o eleitor recebeu mais informações, votou mais consciente”.

Mas o procurador eleitoral acha que pode conseguir mais. Por isto está se preparando para entrar com os pedidos de impugnação de mandatos. Já tem quatro alvos: os deputados federais reeleitos Edson Ezequiel, Eduardo Cunha, Nelson Bornier, do PMDB, e Sandro Matos, do PTB. Os três primeiros registram nas folhas de antecedentes diversas ações por improbidade administrativa da época em que ocuparam cargos no Executivo — Cunha foi secretário estadual de habitação do governo Garotinho, Ezequiel foi prefeito de São Gonçalo e Bornier prefeito de Nova Iguaçu. Contra Matos há acusações de ter se beneficiado do dinheiro do mensalão em sua campanha para prefeito de São João de Meriti, em 2004. O dinheiro teria sido repassado por Roberto Jefferson, presidente do PTB, que nega as acusações.

Mattos alegou à imprensa que as denúncias feitas pelo ex-deputado Waldemar Costa Neto (PL-SP), agora reeleito, não se confirmaram e ele acabou inocentado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Cunha garante que nem sequer foi intimado dos processos de improbidade administrativa, portanto, não é réu ainda. Bornier apega-se ao fato de nos processos que responde não haver decisão transitada em julgado. Ezequiel não foi encontrado.

Estes quatro nomes são casos conhecidos publicamente, mas Nascimento não deseja cometer injustiças, deixando passar casos desconhecidos ou de políticos recém eleitos que ainda não têm notoriedade. Quando investiu contra os registros de candidatura, não conseguiu atingir todos, pois muitos deles já tinham seus processos aprovados no tribunal. Agora vai passar um “pente fino” na ficha de antecedentes criminais apresentadas ao TRE-RJ, estudando-a uma a uma para selecionar os casos em que considera, à luz dos critérios de moralidade, indignos do exercício do mandato.

Ao insistir na tentativa de impugnação — agora do mandato eletivo — o procurador poderá gerar fatos novos. A discussão, novamente tende a chegar ao TSE onde o resultado pode acabar sendo igual ao das impugnações das candidaturas. Mas nada impede, por exemplo, que o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, acabe provocando o Supremo Tribunal Federal. Afinal, foi o próprio Antônio Fernando quem redistribuiu às Procuradorias Regionais a consulta feita pelo deputado Miro Teixeira. Tal gesto foi interpretado como uma concordância dele com a tese. Ou seja, intrinsecamente ele estaria sugerindo a medida.

Mais ainda, quando a impugnação do registro da candidatura de Eurico Miranda chegou ao TSE, coube ao próprio Antônio Fernando fazer a defesa oral da impugnação na sessão do Tribunal Superior Eleitoral. Ou seja, ele comprou a briga pessoalmente, o que permite imaginar que ele ainda leve o caso até o Supremo, dando oportunidade de manifestação aos outros ministros da Corte, além dos três que compõem o TSE — Marco Aurélio, Carlos Ayres de Brito e Antônio Cezar Peluso.

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