Pedido de preferência

Ministro acusa ex-presidente do STF de tráfico de influência

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23 de novembro de 2006, 19h11

O clima esquentou no plenário do Supremo Tribunal Federal durante o julgamento da Reclamação da União no caso de uma indenização por desapropriação de terras no Paraná, de quase R$ 100 milhões.

No momento da sustentação oral, o ministro Joaquim Barbosa estranhou que quem se preparava para falar não era o ex-ministro e ex-presidente da casa, Maurício Corrêa. Segundo Barbosa, Corrêa tinha ligado várias vezes em sua casa pedindo celeridade na tramitação do processo. Se ele não era o advogado do caso, alguma coisa estaria errada.

“Se o ex-presidente desta Casa, ministro Maurício Corrêa, não é o advogado da causa então trata-se de um caso de tráfico de influência que precisa ser apurado”, disse Joaquim Barbosa, em tom exaltado.

Corrêa, contudo, participa do processo e tem procuração nos autos. Antes do fim da sessão, o próprio Maurício Corrêa compareceu ao plenário exibindo a procuração de um dos 32 envolvidos na ação e pediu explicações a Joaquim Barbosa.

Procurado pela revista Consultor Jurídico, Corrêa se defendeu. “Se o ministro Joaquim tivesse lido o processo direito, isso não teria acontecido”, disse. “Não vou guardar ressentimento, vou pensar depois com a cabeça fresca. Ele se desculpou e está tudo bem”, completou. O pedido de preferência em casos que se encontram há muito tempo no tribunal é corriqueiro. O processo em questão está no STF desde 2004.

Ao jornal O Estado de S.Paulo, contudo, Corrêa afirmou que considerou “uma descortesia, uma irresponsabilidade de um ministro que ficou com os autos por bastante tempo”. O advogado confirmou que ligou para Barbosa para saber se havia uma previsão para o julgamento da ação. “Sou um cidadão brasileiro, sou inscrito na OAB. Ninguém tem nada a ver com a minha vida. Muito menos o senhor Joaquim Barbosa”, reagiu, cogitando recorrer a alguma medida judicial contra o ministro. “Estou pensando em tomar providências contra ele, sim.” O ex-presidente do STF ressaltou que não existe nenhum impedimento legal para que ele advogue na Corte. Informou que se aposentou há quase três anos e, na época, ainda não estava em vigor a emenda constitucional da reforma do Judiciário, que estabeleceu uma quarentena para os juízes.

Maurício Corrêa elegeu-se senador em 1986. Antes disso, exerceu advocacia em Brasília durante 25 anos, tendo sido dirigente da OAB-DF por onze anos — entidade que presidiu em quatro mandatos. Entre 1992 e 1994 foi ministro da Justiça e, nos dez anos seguintes ministro do Supremo Tribunal Federal.

Embargos auriculares

Joaquim Barbosa sabe que é o ministro menos querido entre os advogados. Pelo menos, entre os advogados acostumados à advocacia do corpo-a-corpo, de proximidade com o magistrado, em suma, os adeptos daquilo que ele chama ironicamente de “embargos auriculares”.

Entre amigos, o ministro costuma dizer que acha um absurdo, além de inconstitucional, a promiscuidade entre advogados e julgadores. Ele acredita que esta prática consagra privilégios e viola a igualdade de armas que deve nortear a prestação jurisdicional. Já revelou também sua esperança de que mais cedo ou mais tarde o Congresso estabeleça limites quanto a isso.

Porque não pode

Com o ministro, concorda o presidente da Associação Brasileira de Direito Constitucional, Flavio Pansieri, para quem o incidente é apenas sintoma de um mal maior. Ele está convencido de que enquanto não houver uma vedação explícita na lei para que desembargadores e ministros aposentados voltem a advogar, vai pairar a suspeita de tráfico de influência.

“Independentemente de o ex-ministro ter ligado ou não, o fato é que se uma cria uma possibilidade de dúvida”, diz Pansieri. Na maioria dos países, ele garante, existe a proibição para que ex-autoridades do Judiciário exerçam a advocacia depois da aposentadoria. “O simples cafezinho que um ex-desembargador vai tomar com seus ex-colegas já cria uma situação de desequilíbrio”, diz Pansieri.

Para o advogado, a vedação deve alcançar tanto a advocacia consultiva quanto a contenciosa. “Perdemos a oportunidade de fazer isso na Reforma, mas não podemos desistir”.

Porque pode

O presidente em exercício da OAB, Aristóteles Atheniense, não vê mal em que “ex” voltem à ativa na iniciativa privada. “Qualquer consideração à margem, que possa envolver seu passado, como o de ex-ministro, no caso de Maurício Corrêa, para a OAB não tem significado maior. Desde que ele esteja atuando como advogado, exercendo o mandato que lhe foi outorgado por seu cliente, ele deverá ser respeitado”.

Atheniense sustenta que “todo aquele que está de posse de uma procuração, tem direito a exercê-la e, acima de tudo, de ser respeitado, em qualquer lugar em que se apresente como advogado — seja no Supremo Tribunal Federal, seja no fórum, seja numa delegacia de polícia”.

Para ele, se existir algum problema ético, a Ordem deve ser notificada, o que não aconteceu nesse caso. “Nenhuma questão de ordem ética que possa envolver a sua influência ou sua presença como ex-ministro daquela Corte chegou à consideração da Ordem”.

O caso em julgamento

Em julgamento estava uma Reclamação da União contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que autorizou os interessados na causa a levantar o valor de indenização considerada milionária, depositada em juízo. Alega que as terras, na verdade, são de sua propriedade. A discussão se arrasta por décadas.

Na sessão de 4 de maio deste ano, o relator Cezar Peluso deferiu preliminarmente a assistência litisconsorcial Incra, e não conheceu da reclamação. Acompanharam o relator os ministros Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence e Celso de Mello, que anteciparam o voto.

Joaquim Barbosa, que pediu vista naquela oportunidade, apresentou seu voto nesta quinta-feira (23/11). Barbosa divergiu do relator alegando que, “não posso considerar a decisão do TRF-4 como mera execução da sentença que julgou procedente a ação de desapropriação ajuizada pelo Incra”. O julgamento foi suspenso com o pedido de vista da ministra Cármen Lúcia.

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