Fora do cadastro

OAB tem de tirar nomes de juízes do Trabalho da lista de inimigos

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21 de novembro de 2006, 14h53

O juiz Ricardo de Castro Nascimento, da 3ª Vara Cível Federal de São Paulo, determinou que a seccional paulista da OAB retire o nome de 12 juízes trabalhistas de seu Cadastro das Autoridades que receberam Moção de Repúdio ou Desagravo — a lista de inimigos da advocacia.

A liminar foi parcialmente concedida em Mandado de Segurança ajuizado pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região (Amatra II). A entidade pediu a suspensão de toda a lista e a proibição de sua divulgação. Conseguiu apenas a suspensão dos registros contra os juízes que representa.

A presidente em exercício da OAB-SP, Márcia Regina Machado Melaré, afirmou que a seccional paulista cumprirá a decisão e que o cadastro não tem a intenção de promover a “punição” de qualquer autoridade. Apenas de reconhecer a violação da prerrogativa profissional do advogado. “Todas as autoridades que figuram no Cadastro tiveram direito de defesa”, afirma.

O presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB-SP, Mário de Oliveira Filho, afirmou que “dos juízes que conseguiram a liminar, muitos deles têm mais de três processos de desagravo na Ordem e seus processos obedeceram rigorosamente os preceitos constitucionais de ampla defesa, contraditório, devido processo legal e publicidade. Todos foram devidamente comunicados”.

Mas, de acordo com a decisão, “a atuação da OAB na defesa das prerrogativas encontra limite na ausência de competência para punir alguém estranho a seus quadros”. Para o juiz Nascimento, a lista de inimigos vai além do que autoriza a lei. “A manutenção por tempo indeterminado da lista das autoridades que receberam desagravo e moção de repúdio configura punição, sem o devido processo legal.”

O juiz Ricardo Nascimento destacou que diante da força da OAB, “conquistada e legitimada durante sua história, a pecha de autoritário lançada reiteradamente em suas publicações, sites, etc constitui pena imposta unilateralmente pela suposta vítima, o que não é condizente com o estado democrático de direito”.

Os juízes que terão o nome excluído da lista de inimigos são: Adalgisa Lins Dornellas Glerian, Andréa Paola Nicolau Serpa, Célia Gilda Titto, Cíntia Taffari, José Eduardo Olivé Malhadas, Lúcio Pereira De Souza, Mylene Pereira Ramos, Patrícia Esteves Da Silva, Ricardo Apostólico Da Silva, Roberto Aparecido Blanco, Silvana Louzada Lamantina Cecília e Thereza Christina Nahas.

Polêmica da lista

No começo de novembro, a Consultor Jurídico publicou a reportagem OAB de São Paulo faz lista de inimigos da advocacia, que tratou da existência de uma relação de quase 200 pessoas acusadas de ofender as prerrogativas de advogados.

A lista provocou reação de entidades de classes de juízes e promotores. As entidades que representam juízes estaduais, trabalhistas e federais, procuradores da República e promotores de Justiça emitiram notas oficiais criticando o cadastro. A liminar obtida pela Amatra II deu início à briga judicial em torno da questão.

Mas o assunto promete render ainda mais. Nesta segunda-feira (20/11), o presidente licenciado da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D’Urso, afirmou que o cadastro é apenas o começo. Segundo ele, é preciso punir penal e financeiramente quem viola as prerrogativas da classe. Já há até mesmo um projeto de lei de criminalização de desrespeito às prerrogativas no Congresso Nacional.

Leia a liminar

3.ª VARA CÍVEL FEDERAL

MANDADO DE SEGURANÇA

PROCESSO n° 2006.61.00.024736-7

IMPETRANTES: ADALGISA LINS DORNELLAS GLERIAN, ANDRÉIA PAOLA NICOLAU SERPA, CÉLIA GILDA TITTO, CÍNTIA TAFFARI, JOSÉ EDUARDO OLIVÉ MALHADAS, LÚCIO PEREIRA DE SOUZA, MYLENE PEREIRA RAMOS, PATRÍCIA ESTEVES DA SILVA, RICARDO APOSTÓLICO SILVA, ROBERTO APARECIDO BLANCO, SILVANA LOUZADA LAMATINA CECÍLIA E THEREZA CHRISTINA HAHAS, assistidos pela ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO — ANAMATRA II

IMPETRADOS: PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS E PRERROGATIVAS E PRESIDENTE DA SEÇÃO DE SÃO PAULO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL — OAB/SP

VISTOS, ETC.

Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, ajuizado por juizes do trabalho, assistidos pela respectiva associação de classe, contra ato do Presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas e do Presidente da Seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP consistente na elaboração e ampla divulgação do cadastro das autoridades que receberam desagravo e moção de repúdio (fls. 90) ou simplesmente “cadastro de violadores de prerrogativa” (fls. 88), na qual consta o nome dos magistrados impetrantes.


Sustentam que a já famosa lista carece de amparo legal, pois a OAB/SP não detém competência para julgar magistrados, e consiste em autêntica punição, sem o devido processo legal, além de antecipar o julgamento futuro denegatório de eventual pedido de inscrição dos impetrantes nos quadros da OAB/SP (fls. 6/7).

É o relatório do essencial. Passo a apreciar o pedido de liminar.

Os impetrantes formulam pedido de liminar de imediata suspensão do cadastro ou lista.

A OAB é uma autarquia corporativa e, portanto, sujeita ao regime jurídico-administrativo. É a única autarquia corporativa com previsão na própria Constituição (Art. 103, VII). O seu estatuto é disciplinado pela Lei n° 8.906/97, que estabele as finalidades da autarquia no art. 44:

“Art. 44. A Ordem das Advogados do Brasil — OAB, serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:

I- defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas;

II- promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.”(grifei)

As finalidades da OAB transcendem, portanto, às de um conselho de fiscalização profissional, tendo em vista seu papel histórico na defesa do estado democrático de direito.

Em relação mais especificamente ao exercício da advocacia, a finalidade da OAB desdobra-se no poder fiscalizatário da profissão e na defesa das prerrogativa dos advogados. A primeira voltada aos próprios advogados e segunda voltada, basicamente, ao público exeterno que tem contato com advogados no exercício da profissão.

O poder fiscalizatório da OAB vai da seleção para inscrição em seus quadros até o poder disciplinar. As infrações e sanções disciplinares a que estão sujeitos os advogados inscritos na OAB estão todas elencadas nos artigos 34 e 35 da Lei n° 8.906/94.

Ressalto que o poder disciplinar é restrito aos advogados, não alcançando pessoas não pertencentes aos quadros da OAB.

Por seu turno, a defesa das prerrogativas consiste na atuação em prol dos direitos dos advogados também elencados no art. 7° da Lei n° 8.906/96. Entre os direitos da advocacia, destaco o chamada desagravo público previsto no inciso XVII do referido artigo:

“Art. 7° “. São direitos do advogado:

(…)

XVII – ser publicamente desagravado, quando ofendido no exercício da profissão ou em razão dela;”

Quando não tiver respeitadas suas prerrogativas previstas em lei, o advogado poderá requerer junto à Ordem pedido de desagravo público. O procedimento do pedido está disciplinado no Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB aprovado pelo Conselho Federal da própria OAB, mais especificamente no artigo 18, no qual apenas está prevista a solicitação de informações em 15 dias da autoridade apontada como ofensora. Em relação à Seção São Paulo da OAB, não tenho maiores informações como a Comissão de Direitos e Prerrogativas tem interpretado o conteúdo dessas informações, em outras palavras, se tem entendido a autoridade como parte, com direito ao contraditório e ampla defesa, ou não.

É importante não confundir o poder disciplinar com defesa das prerrogativas. Em relação a uma autoridade que, ao ver da entidade, violou prerrogativas da advocacia, a OAB pode, após o devido processo legal, realizar o desagravo público do advogado ofendido e representar contra a autoridade para fins administrativos, correicionais e, se for o caso, penais. No entanto, não pode jamais aplicar sanção a qualquer autoridade ou cidadão por absoluta ausência de fundamento legal.

A atuação da OAB na defesa das prerrogativas da advocacia encontra limite na ausência de competência para punir alguém estranho a seus quadros. Ruy de Azavedo Sodre, ao diferenciar o poder disciplinar da Ordem e o direito penal, assim ensina:

“(…) o direito disciplinar se distingue do direito penal pelas instituições nos seios das quais, um e outro, são respectivamente chamados a regulamentar — o direito penal sanciona deveres para com a Sociedade, que constituem obrigações comuns a todos os cidadãos; o direito disciplinar é o direito repressivo especial às instituições autônomas mas restritas, sejam públicas ou privadas.”

(O Advogado, Seu Estatuto e a Ética Profissional, 2a ed., Revista dos Tribunais, 1967, p. 368).

No caso presente, a OAB foi além do que a lei autoriza. A manutenção por tempo indeterminado da lista das autoridades que receberam desagravo e moção de repúdio configura punição, sem o devido processo legal.


O constrangimento, o dano à imagem dos impetrantes é patente. Se a OAB-SP ou o advogado agravado pretendem punir alguma autoridade devem ingressar com as medidas judiciais, correcionais ou administrativas previstas no ordenamento jurídico.

Diante da força da OAB, conquistada e legitimada durante sua história, a pecha de autoritário lançada reiteradamente em suas publicações, sites, etc constitui pena imposta unilateralmente pela suposta vitima, o que não é condizente com o estado democrático de direito.

Registro ainda que o atual presidente da Seção de São Paulo, em seu site (fls. 89), ameça com toda veemência aqueles figurantes na lista de que terão futuro requerimento de inscrição indefinido em face da postura incompatível com a advocacia. Aqui vale a transcrição:

“Assim, por determinação do presidente D’Urso, em todo pedido de inscrição nos quadros da Ordem, esse cadastro é consultado e se dele constar o nome daquele que pede sua inscrição na OAB/SP, seu pedido é INDEFERIDO POR CONDUTA INCOMPATÍVEL COM A ADVOCACIA.

Essa é uma determinação na gestão D’Urso: A AUTORIDADE QUE NÃO RESPEITA NOSSAS PRERROGATIVAS, ENQUANTO INVESTIDO DO PODER ESTATAL, QUANDO DE SUA APOSENTADORIA, CASO PEÇA INSCRIÇÃO NO OAB/SP, SABIA QUE TERÁ SEU PEDIDO INDEFERIDO.

A AUTORIDADE QUE PRETENDER RETORNAR AOS QUADROS DA OAB/SP, QUANDO APOSENTAR-SE, DEVE RESPEITAR OS ADVOGADOS E ADVOGADAS, OBSERVANDO NOSSAS PRERROGAR!!!

A DEFESA INTRANSIGENTE DE NOSSAS PRERROGATIVAS É A BANDEIRA MAIOR DA GESTÃO D’URSO.” (fls. 89) – letras maiúsculas do próprio autor.

Excessos de linguagem à parte, as palavras do presidente da Seção de São Paulo só me reforça a certeza do intuito punitivo da publicação e divulgação da lista, sem ter a OAB/SP competência legal para tanto.

Em Síntese, houve extrapolação do legítimo direito da OAB/SP de defender as prerrogativas dos advogados. Os impetrados não agiram com a devida proporcionalidade, extrapolando para a punição de pessoas estranhas aos quadros da Ordem.

Presentes, portanto, os requisitos legais para a concessão do pedido de liminar formulado.

Por fim, o pedido da liminar é de suspensão da lista, mas a legitimidade dos impetrantes e da associação assistente limita-se ao pedido de exclusão de seus próprios nomes da lista, não alcançando a suspensão da lista em si, razão pela qual o deferimento da liminar ater-se-á aos limites da legitimidade ativa dos impetrantes.

Diante do exposto, defiro parcialmente o pedido de liminar para determinar a suspensão do nome dos impetrantes do cadastro das autoridades que receberam desagravo e moção de repúdio da OAB/SP.

Notifiquem-se as autoridades coatoras para as devidas informações no prazo legal e juntada da cópia dos procedimentos administrativos que culminaram com desagravo público à advogado ofendido em suas prerrogativas por cada um dos impetrantes.

P.R.I

Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal e conclusos para sentença.

São Paulo, 17 de novembro de 2.006.

RICARDO DE CASTRO NASCIMENTO

Juiz Federal Substituto

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