Palavra de juízes

Excesso de recursos é responsável por impunidade, dizem juízes

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16 de novembro de 2006, 18h31

O excesso de recursos e a demora no encerramento do processo são os principais responsáveis pela impunidade no Brasil. É o que aponta pesquisa feita pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e divulgada durante o XIX Congresso Brasileiro de Magistrados — Desenvolvimento: uma questão de Justiça, em Curitiba. De acordo com os dados, 86% dos três mil juízes entrevistados responderam que o excesso de recursos é o vilão da história e 83% consideraram a demora para o fim do processo o responsável pela impunidade.

Durante o painel Judiciário e Impunidade, juízes levantaram questões como: Qual a legitimidade da punição? Do que adianta prender bodes expiatórios, quando os verdadeiros criminosos estão impunes? De quem é a culpa pela aplicação exagerada do Código Penal, que tem de servir como meio e não como fim?

“O atual sistema nos dá a sensação de que a não punibilidade é a regra. Por outro lado, temos de parar com o pensamento de que o Direito Penal é o instrumento e garantia de segurança pública”, disse o professor Salo de Carvalho.

O raciocínio foi acompanhado pelo conselheiro do Conselho Nacional de Justiça Joaquim Falcão. “Juiz culpa advogado pela impunidade. O advogado culpa o juiz. As duas classes culpam o Ministério Público, mas afinal de quem é a culpa?”, indagou o conselheiro. De acordo com ele, cabe à magistratura usar os mecanismos já existentes para reduzir a impunidade.

O conselheiro defendeu que não é preciso mudar a lei, como defende uma corrente, mas aplicá-las com efetividade. Entre os instrumentos que podem ser mais usados está a multa por litigância de má-fé.

Joaquim Falcão perguntou à platéia, de aproximadamente 200 juízes, quantos tinham aplicado a multa nos últimos três meses. Nem uma dezena levantou a mão. “Uma ferramenta pouco usada, mas muito útil. É o aperfeiçoamento da atividade jurisdicional. Vocês juízes precisam de mais coragem”, alertou.

Outra medida defendida foi o uso da conciliação. “Se faz mais Justiça quando ela é realmente distribuída”, disse.

Jeitinho brasileiro

A impunidade faz parte do cotidiano. É vista num domingo de sol, na praia, quando os cachorros passeiam livremente pela areia ou quando se joga frescobol na beira do mar. Ou ainda: quando jet skis circulam livremente na área da arrebentação das ondas. Outros exemplos são: o uso de softwares piratas ou a propina paga por um pai que não quer ver o filho preso por dirigir embriagado.

“A impunidade é uma questão cultural”, afirma o advogado constitucionalista Luís Roberto Barroso. “Se o Poder Público não consegue tirar cachorro da praia, o que diremos de traficantes do morro?”, indagou.

Segundo ele, hoje, “o grande problema é que a máquina está treinada para combater o crime de furto, roubo ou contra a pessoa”. Ele lembra que não há um órgão amparado para resolver questões de crimes financeiros. “Isso prova que a Polícia e a Justiça não conseguem alcançar o nível mais alto da sociedade e Justiça que não é distribuída, não é Justiça”, observa Barroso.

Fora do tribunal

A Constituição Federal de 1988 judicionalizou a vivência brasileira. No entanto, o Judiciário não se equipou para o fenômeno. Resultado: a criação das instâncias justiceiras.

Barroso aponta que há três instâncias justiceiras. A primeira é a imprensa, que investiga, denuncia e condena em tempo muito superior, se comparado com o Poder Judiciário. “A população se satisfaz quando vê alguém pagando pelos erros, mesmo que seja pela via errada”, diz ele.

A segunda instância justiceira apontada por Barroso é a Comissão Parlamentar de Inquérito. “Mesmo sem observar o devido processo legal, as CPIs fazem Justiça, porque mostram o linchamento moral de alguém. E de certa forma não podemos culpar os parlamentares por isso. Se o Judiciário fosse mais ágil, certamente o quadro seria outro”.

Por fim, a última instância justiceira mostrada pelo constitucionalista são os grupos de extermínio, que fazem a justiça com as próprias mãos. “É assombroso, mais é verdade”, considera.

Visão do inferno

De acordo com Barroso, os problemas da impunidade não param por aí. “Há ainda o sistema penitenciário, violador das garantias fundamentais e incapaz de impedir que os criminosos continuem no comando do crime, mesmo detidos”, afirma.

Ele também abordou a finalidade da punição de presos. “A função da pena é ressocializar e não condenar alguém a viver sendo abusado sexualmente ou a viver com falta de higiene e de cuidados médicos. A pena não pode ser colocada de maneira excessiva. A lei não funciona porque é dura. Funciona porque é eficaz”, finalizou.

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