Folgas da toga

Juízes dizem que tiram férias para trabalhar

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9 de novembro de 2006, 6h00

Pegou mal, nos meios judiciais, a reportagem sobre as folgas do Judiciário, publicada pela Consultor Jurídico na quarta-feira, 1º de novembro, (Judiciário Folgado — Para cada dia de trabalho, Judiciário descansa outro ). Juízes, desembargadores e associações de classe se levantaram, durante esta semana, para justificar a quantidade de folgas previstas no calendário da Justiça. A atividade do juiz é estressante; juiz está sempre levando trabalho para casa, dizem uns e outros, mas ninguém ou muito poucos contestaram os números que indicam que, para cada dia trabalhado, a lei prevê um dia de folga no Judiciário.

“Não sou folgado”, diz Ricardo Castro Nascimento, vice-presidente da Associação dos Juízes Federais do Estado de São Paulo, mais ofendido com o título do que com o conteúdo da reportagem. Nascimento, que preferiu falar em nome próprio e não representando a associação, sustentou que “a única diferença entre os juízes e trabalhadores comuns é que, por lei, o juiz tem 60 dias de férias”.

A reportagem da ConJur destacou que os cerca de 180 dias de férias e folgas que favorecem juízes, desembargadores e ministros do Judiciário estão previstos em lei. Não há ilícito em desfrutá-los. São 60 dias de férias, mais 18 dias de recesso de fim de ano, mais 18 feriados, além do descanso semanal. É o que prevê a legislação.

Os números variam de ano para ano. E variam também da Justiça Federal para a Justiça Estadual, bem como da primeira para a segunda instância ou para os tribunais superiores. Mas no cômputo geral, a legislação prevê cerca de 50 dias de trabalho a mais para os trabalhadores comuns. Para eles, há 30 dias de férias e 11 feriados, mais o descanso semanal.

Para os juízes, essa diferença tem uma boa justificativa. Dizem que, por exercer uma das mais, senão a mais estressante das profissões, nada mais justo que o juiz possa ter um período de descanso maior para repor suas energias. “Acho razoável os 60 dias de férias. A carga de trabalho do juiz é desumana e a missão de julgar é algo que desgasta emocionalmente”, avalia Walter Nunes, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). “Por mais difícil que seja para a sociedade entender, as férias dos juízes se justificam.”

“Se a lei prevê 60 dias de descanso, é porque há motivos para isso”, explica o desembargador Henrique Nelson Calandra, vice-presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis). Um dos motivos que aponta é a alta taxa de óbitos entre magistrados, reflexo do desgaste imposto pelo ofício de julgar. Outro motivo é a necessidade de tranqüilidade para refletir, coisa que juiz encontra com mais certeza no recesso do lar do que no tribunal. “O juiz precisa de muita reflexão para decidir um processo que, às vezes, o ambiente forense não permite”, considera o vice-presidente da Apamagis.

Com ele, concorda o desembargador José Renato Nalini, do Tribunal de Justiça de São Paulo: “O lugar menos compatível para decidir é o tribunal. Telefone, visita, sustentação. Se o juiz tivesse mais tranqüilidade, as decisões seriam melhores.” Mas, Nalini acredita na necessidade de um Judiciário operante, seja em casa ou no tribunal. “Sou daqueles que pensam que a Justiça, qual pronto-socorro, deve funcionar continuamente”, afirma.

Embora não o digam, alguns juízes parecem entender que é a própria lei está errada. “A maioria dos juízes usa os 60 dias de férias para colocar os processos em dia”, explica Cláudio Montesso, vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), apontando um típico caso de desvio de função das férias. Para ele, o fato de o fórum estar fechado não significa que o juiz não está trabalhando.

Todos representantes da categoria ouvidos pela ConJur seguem esta linha de raciocínio. Para eles, juízes não saem de férias nem ganham feriados. O que eles estão sempre fazendo, dizem, é levando trabalho para casa na luta insana de colocar o serviço em dia, seja nas férias, finais de semana ou feriados.

A desculpa é sincera e abrange uma parcela considerável de julgadores preocupados em cumprir sua missão. A única falha nesse tipo de raciocínio é que ele coloca a decisão de trabalhar dos juízes num campo totalmente subjetivo. Mesmo porque não há nenhuma lei que obrigue juiz a levar trabalho para casa.

A verdade objetiva é que, enquanto a legislação garante até 180 dias sem trabalho por ano para os juízes que quiserem desfrutá-los, 65 milhões de processos repousam nas prateleiras dos juízos e tribunais à espera de julgamento.

Procurado pela Consultor Jurídico, o CNJ informou que não poderia se manifestar sobre o assunto, já que só fala sobre temas que estão em sua pauta. A questão dos feriados e férias, por enquanto, não está. Já esteve. Foi quando o conselho liberou os Tribunais de Justiça a regulamentar suas férias coletivas, proibida pela Emenda Constitucional 45.

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