Homenagem às avessas

Sobral Pinto deve ter seu nome em uma rua, não em beco

Autor

6 de novembro de 2006, 12h26

Nunca imaginei que a homenagem a Sobral Pinto pudesse, de certa forma, ser o retrato da advocacia atual: um beco sem saída, em declive, quase um buraco. Pois é exatamente assim o logradouro paulistano que ostenta o pomposo nome de rua Doutor Heráclito Fontoura Sobral Pinto, localizado na Vila Domitila, no bairro da Ponte Rasa, zona leste da capital paulista, catalogado sob o número 03625-180. Deveria ser uma homenagem, mas parece um insulto.

Essa rua da pobre zona leste de São Paulo é estreita a tal ponto que um veículo nela não consegue manobrar. É um beco, uma rua sem saída, com exatamente cinco modestas residências de um lado e quatro casas ainda mais modestas do outro. Começa na rua Cachoeira de Santa Cruz, que é uma travessa da rua Manuel da Silva, esta uma travessa da avenida São Miguel. Termina num paredão amarelado. Fica em ligeiro declive.

Como é óbvio, quando o poder público dá o nome de alguém a um logradouro, quer homenageá-lo. No caso, não parece homenagem. Não podemos acreditar que o prefeito ou os vereadores tenham se dado ao trabalho de visitar aquela rua, digo, aquele beco.

Recentemente, preparando o artigo que todo ano faço para comemorar o nascimento de Sobral Pinto, em 5 de novembro, conversei com um vereador paulistano que é advogado e sugeri que o nome do grande advogado mineiro fosse dado a uma rua da capital.

Ele recebeu com muito carinho a sugestão, mas depois foi informado pela sua assessoria que já existe aquela rua na zona leste, aquele beco sem saída.

A lei paulistana não permite duas ruas com o mesmo nome. Assim, ou Sobral Pinto permanece sendo insultado com o seu nome figurando numa única placa naquele beco sem saída lá na periferia da cidade, ou teremos de procurar outra solução. Aí o beco vai ter de mudar de nome. Sugiro rua da Amnésia ou rua da Injustiça.

Em seis de novembro de 2004 e 4 de novembro de 2005, publiquei aqui na Consultor Jurídico artigos sobre esse grande brasileiro, os quais vão citados no final. Pesquisando sobre o assunto, fui recentemente conhecer a tal rua lá na Ponte Rasa. Como paulistano e como advogado, fiquei envergonhado.

Nas principais cidades do país, a memória de Sobral Pinto tem recebido justas homenagens. Em Rondonópolis, Mato Grosso, é nome de uma Faculdade de Direito. Há avenidas, institutos de cultura, praças, bibliotecas, enfim, todas as homenagens que um verdadeiro herói merece, no Rio de Janeiro, em Salvador, em Belo Horizonte, enfim, em todo o país.

Ele não merece virar nome de um beco sem saída, em declive, na periferia. A não ser, claro, que esteja presente aí, quem sabe, uma forte ironia, sem qualquer disfarce, a nos mostrar que o advogado e a advocacia estejam hoje num beco sem saída. Talvez pelo crescimento desordenado na indústria do ensino jurídico, talvez pelos agravos todos que nossa profissão recebe diariamente por parte dos outros operadores do direito. Sei lá.

Por tudo isso, vou encaminhar nos próximos dias uma proposta ao presidente da OAB-SP, no sentido de que peça ao prefeito que a injustiça seja corrigida. E que o seja em grande estilo.

Sobral Pinto merece ter seu nome numa rua onde possa ser lembrado por aqueles que não podem esquecê-lo. Pela sua história de vida, seu nome está diretamente ligado a um dos maiores valores para a advocacia, que é a liberdade.

E aí me lembrei que há uma rua no bairro da Liberdade que merece ver seu nome trocado pelo do doutor Sobral. É a Rua Taguá que, segundo o dicionário de ruas, é uma “palavra indígena de significados diversos, dos quais os mais comuns são os da argila aluvional colorida por óxido de ferro e a tinta amarela extraída dessa argila”.

A rua Taguá, na Liberdade, fica bem próxima de várias Faculdades de Direito: a FMU, a Unip e a Unicsul. Por ela e pelas redondezas, passam diariamente milhares de estudantes e professores de Direito que, certamente, precisam mais dos exemplos que a memória de Sobral Pinto possa inspirar do que de um “tinta amarela” ou uma “argila colorida”.

Com o prestígio de que, com justiça, a OAB-SP desfruta junto à prefeitura paulistana, creio que não haverá dificuldade para que o erro se corrija. E mais: assim como existe uma avenida Jornalista Roberto Marinho, vou mais além e pedirei que a rua se chame Advogado Sobral Pinto. Precisa ficar claro que a homenagem não é ao professor, ao doutor, ao jurista, mas sim ao advogado.

Nossa profissão, a advocacia, não é um buraco. Se de vez em quando nos encontramos num beco, sempre encontramos a saída e estamos permanentemente no centro das decisões do país, jamais na periferia.

Sobral Pinto, que nasceu em 5 de novembro, merece essa homenagem, e não aquela ofensa, aquele insulto que espero tenha sido apenas um erro, não uma ironia.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!