Efetividade processual

Penhora online surgiu como a salvação dos credores

Autor

  • Bruno da Costa Aronne

    Bruno da Costa Aronne é advogado do escritório Campos Mello Pontes Vinci Schiller Advogados mestrando em Direito Processual na UERJ e membro do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico.

6 de novembro de 2006, 10h59

Ser credor no Brasil não é fácil. Em primeiro lugar, porque, infelizmente, não é incomum o calote. Depois, porque quando se procura a Justiça colimando o recebimento de crédito, muitos devedores arrastam o processo durante anos, emperrando a satisfação da dívida, através de inúmeros e criativos expedientes.

Como o processo judicial é um instrumento voltado para o alcance do direito material, não faz sentido que também seja um instrumento favorável ao atraso da prestação devida.

Para tentar remediar ou evitar manobras astuciosas dos devedores, o princípio da efetividade vem sendo aplicado incessantemente, com o fito de conferir resolução justa ao litígio, da forma mais rápida e segura possível. Na vanguarda deste movimento aqui no Brasil, o notável professor José Carlos Barbosa Moreira explica que “será efetivo o processo que constitua instrumento eficiente de realização do direito material”.

Nessa linha, correntes jurisprudenciais e reformas legislativas vêm lutando pelo alcance da efetividade processual, até porque a lenta marcha processual, além de uma injustiça ao credor, representa um atraso da organização social do Estado, pela incapacidade de solucionar adequadamente os litígios. Por outro ângulo, o dinamismo tecnológico e a velocidade dos acontecimentos hodiernos são totalmente antagônicos ao atraso da prestação jurisdicional eficiente.

Acontece que a celeridade, como elemento essencial que é da efetividade, não pode ser aplicada a qualquer custo. Afinal, se o resultado deve ser justo, significa que deve ser conferido a cada parte o que é seu. Logo, existe um equilíbrio de valores a ser sopesado pelo juiz, de modo que a celeridade não seja tamanha a ponto de acarretar um injusto prejuízo a uma ou todas as partes.

Em se tratando de obrigação de pagar (seja originalmente dessa natureza ou derivada de outra obrigação convertida em perdas e danos), a prestação da Justiça será concluída com efetividade quando o credor receber o que realmente lhe é devido, não mais e não menos. Este, então, será o momento da realização do direito material, em que o processo logra êxito no seu ofício instrumental. O ideal, portanto, é o alcance mais rápido possível do recebimento da quantia.

Segundo as lições do professor Barbosa Moreira, “a fim de atingir esse objetivo, o órgão jurisdicional dirige-se ao patrimônio do devedor, que responde por suas dívidas (art. 591), e dele procura retirar os recursos necessários à satisfação do credor”. Muitos devedores sabem que devem e, tendo numerário ou bens suficientes para quitar a dívida, deveriam honestamente e espontaneamente cumprir a obrigação. Todavia, esse comportamento não faz parte do cotidiano brasileiro.

Assim é que o credor provoca o Poder Judiciário, no intuito de procurar bens do devedor, que serão convertidos em dinheiro, para a satisfação do débito. Entretanto, quando logo se encontra dinheiro suficiente, o procedimento tende a ser mais célere, visto que as etapas de conversão serão desnecessárias. Aliás, a preferência por dinheiro é tão importante, que o artigo 655 do Código de Processo Civil o elenca como o primeiro item na ordem de penhora.

Mas onde pode ser encontrado o dinheiro do devedor? Certamente, essa indagação suscita respostas, no mínimo, curiosas, vide os recentes escândalos políticos envolvendo milhões de reais dentro de malas, paredes falsas e até mesmo escondidos sob roupas íntimas. De qualquer forma, usualmente o dinheiro é encontrado nas contas bancárias do devedor.

Como o credor não tem acesso aos dados relativos às contas-correntes do devedor, em virtude das regras atinentes ao sigilo bancário, e considerando não ser factível que o juiz vasculhe, banco por banco, os depósitos do executado, o Banco Central do Brasil criou o sistema “Bacen Jud”, pelo qual os juízes enviam ordens ao Sistema Financeiro Nacional, para que este bloqueie numerário suficiente à garantia do pagamento da dívida.

Inicialmente, esse sistema era caracterizado pelo envio de ofícios (papel) do Tribunal ao Bacen, solicitando o bloqueio de determinada quantia nas contas bancárias do devedor. Acontece que esse procedimento revelou-se inócuo em inúmeros casos, visto que o executado se antecipava e “limpava” sua conta, antes mesmo que o Banco Central recebesse a determinação judicial.

Desta forma, o mecanismo mostrou-se insatisfatório ante o princípio de efetividade processual, o que motivou a criação da penhora online. Através do novo sistema, o juiz emite a ordem de bloqueio via internet, ou seja, de maneira muito mais veloz, sendo que a medida também economiza custos e é bem mais segura. Destarte, a penhora online desempenha papel relevante no contexto da efetividade processual.

Em 2002, o Tribunal Superior do Trabalho celebrou sua parceria com o Banco Central e o resultado até o momento tem sido muito satisfatório, visto que as execuções trabalhistas ganharam agilidade. Um outro fator que comprova o sucesso da penhora online tem sido a crescente adoção da medida por outros tribunais.

Segundo os dados constantes do endereço eletrônico do Banco Central, as ordens judiciais de bloqueio estão sendo cada vez menos emanadas por ofícios de papel, ao passo que as ordens emitidas pelo sistema Bacen Jud 2.0 vêm aumentando em percentual significativo, em todo o território nacional.

Por tudo que foi dito, parece que a penhora online surgiu como a salvação dos credores. De fato, a medida rendeu bons frutos na constante luta pela solução dos litígios e pela desobstrução da máquina judiciária.

Contudo, impende criticar, com a máxima vênia, a posição ainda adotada por alguns magistrados, no sentido de que o bloqueio online de contas bancárias deve ser utilizado como última alternativa na localização dos bens do devedor.

Não foram poucas as decisões que recusaram a adoção, ab initio, da penhora online. Segundo esse entendimento, a medida em exame desrespeita o princípio da execução menos gravosa para o devedor, de forma que sua aplicação deve ser subsidiária.

Com efeito, é dever do juiz acautelar os direitos do devedor, de forma que o mesmo não sofra limitação desproporcional e injusta em seu patrimônio. Por outro lado, não se pode desconsiderar que a penhora online incide sobre dinheiro, o qual, vale repisar, é o bem preferencial na ordem do artigo 655 do CPC.

Diante de algumas decisões conflitantes, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no Enunciado 4 do último Encontro de Desembargadores de Câmaras Cíveis, assentou o entendimento de que a penhora online, de regra, não ofende o princípio da execução menos gravosa para o devedor, especialmente porque respeita a gradação legal do artigo 655 do CPC.

Percebe-se que o tribunal fluminense abordou o tema de forma bem sensata. Afinal, essa medida permite que a garantia ao juízo seja feita em dinheiro, de forma imediata e segura, com base no artigo 655 do CPC, prestigiando, assim, a efetividade processual.

Muito pertinente, também, a observação, no referido enunciado, de que a penhora online, em regra, não fere o princípio da execução menos gravosa ao devedor. Tal como editada, essa proposição confere ao magistrado a flexibilidade de sopesar os valores e bens jurídicos em jogo, para, com base na sua experiência, no seu discernimento e no princípio da proporcionalidade, definir se prevalecerá, no caso concreto, o princípio da execução menos gravosa ao devedor ou o princípio da celeridade.

Ora, ninguém discute que é precipitada a penhora da conta bancária de um aposentado, que receba baixa pensão, especialmente quando executado por um banco. De outro modo, se uma sociedade de grande porte tem sua conta penhorada em quantia que não afete seu capital de giro, é patente a conveniência do bloqueio online.

Portanto, a adoção prima facie da penhora online é bastante proveitosa e representa um relevante avanço metodológico, com expressivos resultados positivos no cotidiano forense. Nesse sentido, é irrefragável sua relação com o princípio da efetividade processual. Alguns juízes ainda relutam contra a sua aplicação imediata, mas muitos outros operadores do Direito esperam que o teor daquele enunciado do Tribunal de Justiça fluminense seja incluído no corpo do Código de Processo Civil, o quanto antes.

Autores

  • Brave

    Bruno da Costa Aronne é advogado do escritório Campos Mello, Pontes, Vinci, Schiller Advogados, mestrando em Direito Processual na UERJ e membro do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!