Direitos Humanos

Rezek critica governo de Bush por prisões em Guantánamo

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5 de novembro de 2006, 12h18

Em nenhuma ditadura a violação aos Direitos Humanos foi tão intensa como a que acontece na prisão de Guantánamo, em Cuba, onde o governo dos Estados Unidos, fora do controle internacional, mantém acusados de envolvimento com o terrorismo.

Essa preocupação com a garantia dos Direitos Humanos e com os rumos políticos do governo dos Estados Unidos foi demonstrada por Francisco Rezek, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e ex-juiz da Corte Internacional de Haia, durante entrevista à revista <consultor Jurídico. Rezek falou com o site depois do debate sobre Direitos Humanos ocorrido no 50º Congresso da União Internacional dos Advogados, em Salvador, na Bahia.

Como em Guantánamo, em outras cinco prisões internacionais mantidas pelos norte-americanos, os prisioneiros são freqüentemente vítimas de tortura. O governo de George W. Bush, apoiado pela Suprema Corte, e por grande parte da população do país, assegura que a sua atuação é legítima.

Rezek também criticou a postura dos advogados que participaram da mesa de debate. Segundo ele, não é possível que um encontro de advogados deixe de lado grandes questões como a invasão do Iraque ou a ocupação da Palestina, para tratar de abusos e violações isoladas em regiões periféricas do mundo.

“Mais uma vez fui tomado por uma enorme decepção ao ver o modo pelo qual os nossos colegas juristas do hemisfério norte tratam do tema. Diante do que esta acontecendo nos paises militarmente ocupados pelo ocidente, nas prisões internacionais americanas e na Palestina ocupada, é totalmente ridículo continuar tratando do tema dos Direitos Humanos a base de exemplos avulsos ocorridos na periferia”, disse o ministro aposentado do STF.

Durante a conversa, Rezek fez ainda duras críticas aos recentes casos de corrupção que brotaram no país. Segundo ele, “é fundamental que administremos o tema da ética na política e o combate à corrupção de modo coerente com os ideais da Republica”.

Leia a entrevista

ConJur — De que forma os Estados podem garantir que empresas respeitem os Direitos Humanos?

Francisco Rezek — A violação dos Diretos Humanos pelo setor privado, pela empresa, apesar de ser um problema social antigo, é um tema novo na agenda dos juristas. Nesses casos, a ação regulatória do Estado é imprescindível. Uma das maiores idiotices da proposta globalizante é a idéia de que o Estado pode se omitir e deixar que as forças do mercado atuem livres e soltas. A ação regulatória do Estado é indispensável para que no setor privado as forças que são tão desiguais, o capital e o trabalho, se equilibrem. Isso não acontecerá espontaneamente. A empresa privada, em busca primordialmente do lucro, precisa ser orientada pela legislação e fiscalizada pelo Estado. De modo que normas relacionadas com o tratamento dos Direitos Humanos, não só trabalhistas, sejam sempre respeitadas.

ConJur — Deve haver uma legislação internacional ou as empresas tem de respeitar as regras de cada país?

Francisco Rezek — Isso se faz muito mais no plano nacional. É possível que o Direito Internacional entre nesse domínio, originalmente interno, como já entrou no Direito do Trabalho, desde o começo do século 20. Isso é primordialmente um tema de Direito Nacional. A regulamentação da relação empresa-trabalhador, capital-trabalho é uma responsabilidade essencial do Estado contemporâneo. A globalização não mudou esse quadro, não mudou essa responsabilidade.

ConJur — Qual a situação dos Direitos Humanos no Brasil?

Francisco Rezek — Infelizmente, esse tema saiu do ordem do dia no país. Ele não tem aquela condição a mesma que teve nos anos 70. A violação aos Direitos Humanos dentro do Estado autoritário em que vivíamos era algo tão pungente na consciência dos juristas brasileiros, que não dava para priorizar qualquer outra questão. Hoje, o Estado brasileiro é extremamente negligente com os Direitos Humanos. No entanto, quando há denúncia de agentes do Estado que violam esses direitos, a repressão é imediata e eficaz. É no subterrâneo, na base da mais absoluta escamoteação dos fatos, que os agentes mais pífios do Estado violam Direitos Humanos.

ConJur — Nos casos de corrupção a situação é diferente.

Franciso Rezek — Os juristas brasileiros estão muito preocupados com aquilo que parece ser uma relativa perda coletiva de escrúpulos. Grande parcela da população brasileira aderiu a propostas de setores da alta administração do país, que são contrarias às leis, mas são encaradas com normalidade. O país não pode perder os escrúpulos. É fundamental que administremos o tema da ética na política e o combate à corrupção de modo coerente com os ideais da República. Esses ideais não são concessivos ou lenientes com nenhuma forma de corrupção, mau uso dos recursos públicos ou de burla às leis eleitorais do país. Embora continuemos a ser um país onde a impunidade campeia solta, sobretudo nos mais altos níveis, espero que os atingidos recentemente pelo vexame que se abateu sobre a classe política, tenham aprendido certas lições e isso saia do nosso cenário.

ConJur — No Congresso da União Internacional dos Advogados foram debatidos casos de violações aos Direitos Humanos em diferentes países, mas pouco se falou sobre a invasão do Iraque, e o conflito Israel x Palestina não foi lembrado.

Francisco Rezek — Mais uma vez fui tomado por uma enorme decepção ao ver o modo pelo qual os nossos colegas juristas do hemisfério norte tratam do tema. Diante do que está acontecendo nos países militarmente ocupados pelo ocidente, nas prisões internacionais americanas e na Palestina ocupada, é totalmente ridículo continuar tratando do tema Direitos Humanos a base de exemplos avulsos ocorridos na periferia. Alguém foi condenado injustamente a pena de morte na Nigéria. Sim, isso é uma lastima, mas é um caso avulso que desaparece por completo quando consideramos a quantidade massificada de abusos de direitos da pessoa humana, sob a bandeira daquele país que pretendeu ser a grande democracia do ocidente. Quando pensamos no que está acontecendo sob o patrocínio norte-americano, no caso da ocupação da Palestina, não dá para se impressionar com um estupro acontecido na República do Congo. Não dá para escolher a dedo o que se deseja criticar como a política generalizatória e que viola os Direitos Humanos do Sudão, do Camboja ou do Timor Leste, e esquecer aquilo que realmente pesa sobre as nossas consciências. O tratamento do tema dos Direitos Humanos foi mais uma vez alienado do que é mais importante para cuidar, com a mesma mentalidade colonial dos velhos tempos, do fenômeno da violação dos Direitos Humanos em caráter avulso.

ConJur — O senhor disse que hoje em dia no Brasil alguns tipos de afronta à lei estão sendo encarados como uma coisa normal. No caso da prisão de Guantánamo, por exemplo, a violação aos Direitos Humanos não esta sendo tratada da mesma forma pela comunidade internacional?

Francisco Rezek — A violação aos Direitos Humanos quando aconteceu nos anos 70 aqui no Brasil é algo que se assume como criminoso. O torturador em determinadas dependências da polícia-política e das instituições militares brasileiras nos anos 70 tinha consciência do caráter criminoso do que estava fazendo. Embora usasse a justificativa de que servia como um defensor do regime militar contra os inimigos do regime. Mas eles se escondiam, não assumiam que estavam fazendo aquilo. Todas as ditaduras do passado, de esquerda ou de direita, se faziam sempre as escondidas, porque o violador dos Direitos Humanos tinha a consciência da criminalidade de seus atos. Guantánamo não. É um modelo aberto e assumido de uma zona de violação de direitos. Nunca houve isso. Em nenhuma ditadura, em ponto algum no mundo do passado, aconteceu o que acontece em Guantánamo e em outras prisões norte-americanas em pontos menos conhecidos. É um governo que assume aquilo como legítimo, em nome do medo que implantou na sociedade americana.

ConJur — Os tribunais norte-americanos podem fazer alguma coisa em relação a essa situação?

Francisco Rezek — A Corte Suprema do país coexiste com esse fato sem dizer nada, sem pedir que essa situação de não direito seja suspensa. A sociedade americana, por sua maioria numérica, se torna cúmplice desses crimes, na medida em que reelege o governo responsável por isso. É desumano, é absurdo esquecer a gravidade desses acontecimentos. Sob o notório patrocínio norte-americano, o povo palestino esta sendo mais uma vez ameaçado de destruição total. A pretexto de defender determinado país contra o terrorismo, ocupam de forma ilegítima e violentam o território alheio. Dessa ocupação resulta a participação de todos na resistência, nenhum de nós ficaria de braços cruzados. Com a colaboração da mídia internacional, chama-se a resistência de terrorismo e se reage contra o terrorismo massacrando populações civis. Realizam-se barbaridades, como nenhum governo daquela região nos seus piores tempo realizou.

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