O caseiro e a verdade

Francenildo provou que o lado mais fraco é o da mentira

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31 de março de 2006, 16h05

Um grupo apartidário, composto por pessoas e entidades como o Movimento do Ministério Público Democrático; Associação dos Advogados de São Paulo; Associação dos Funcionários Públicos de São Paulo; Associação Paulista do Ministério Público; Centro Acadêmico XI de Agosto, Instituto dos Advogados de São Paulo; seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil; Pensamento Nacional das Bases Empresariais; Conectas, Direitos Humanos e Ilanud, decidiu, diante dos fatos e das tentativas de acobertamento da verdade, conclamar por uma forte ação contra a impunidade e pela ética.

Afirmava-se e reafirma-se ser a apuração e a indicação das responsabilidades dos envolvidos o único desfecho que os cidadãos brasileiros podem aceitar. Não bastava a indignação, era necessária uma ação.

O mensalão comprometera o processo democrático, ao se buscar a formação de uma base governista sem compartilhar o poder com outros partidos, passando a cooptar a vontade da Câmara dos Deputados, sob a lei do silêncio, por via de dinheiro vivo.

Foram feitos dois atos públicos em São Paulo, na Faculdade de Direito da USP. No primeiro, em 31 de agosto de 2005, em manifesto, requeria-se, além da investigação precisa e segura dos fatos, uma reforma política que garantisse a plenitude do processo democrático. Medidas concretas para o controle dos gastos eleitorais foram, efetivamente, propostas ao Tribunal Superior Eleitoral.

O segundo ato, em dezembro de 2005, foi de apoio ao trabalho das comissões parlamentares de inquérito, ato ao qual compareceu o relator Osmar Serraglio.

Durante os meses de janeiro e fevereiro, arrefeceram-se as investigações. O Planalto respirou e pensou que tudo seria um mar de impunidade, ao som de sambinha malandro como o que inspirou a dança da deputada abre-alas do bloco dos sem decoro. Marqueteiros anunciaram que a questão ética era indiferente ao eleitorado. Não é e não será.

Surge, no entanto, em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, uma entrevista do caseiro da casa dos prazeres da república de Ribeirão Preto, o Francenildo Costa.

Convocado para depor na CPI dos Bingos, foi calado por Mandado de Segurança, no qual se chega a considerar que, por suas condições culturais, não teria como contribuir para o esclarecimento dos fatos.

Não bastou o silêncio imposto pela Justiça, que desqualificou sua condição de homem humilde. Era necessário desqualificá-lo moralmente. Quebrou-se, com tranqüilidade, o seu sigilo bancário. Precipitadamente festejou-se o encontro de depósitos de R$ 25 mil e raciocinou-se com os próprios padrões éticos: “foi comprado”. Estava salva a república de Ribeirão Preto. A violação do sigilo pelos subordinados diretos do ministro da Fazenda, em defesa de sua santa e imaculada pessoa, que substitui a verdade pela mentira dita com fleuma, seria pecado venial, diante do pecado mortal da compra da declaração do caseiro por inimigos do ministro.

Aí estava a salvação da lavoura, e desmascarada a “trama” para prejudicar o ministro mentiroso. A reeleição vinha garantida como subproduto da descoberta da falcatrua que levara Francenildo a depor e contar a verdade.

O tiro saiu pela culatra. O homem simples era honesto. Recebera a importância de seu pai. E mais, era e é corajoso, tal como seu advogado, Wlicio Chaveiro Nascimento.

Este homem simples, figura exemplar do brasileiro humilde, inteligente e verdadeiro em suas manifestações, foi submetido ao mais puro arbítrio do Estado. Não contentes em violar o sigilo bancário, no final do dia 16 de março, deu-se para um órgão de imprensa a tarefa de espalhar a calúnia. E mais. Para intimidar o caseiro e dar ares de legitimidade à acusação leviana e criminosa, em ação rápida, o Coaf, sempre omisso com relação aos milhões que transitaram no mensalão, oficia à Polícia Federal. Essa representação do Coaf baseou-se em comunicação do Sisbacen, do dia seguinte à quebra do sigilo, dia 17, na qual se aventou a possibilidade de ocorrência de delito de lavagem de dinheiro.

Um rastilho de indignação percorre o Brasil. A falta de ética levou ao autoritarismo, e nós do Movimento “Da indignação à Ação”, fiéis aos propósitos declarados no manifesto de 31 de agosto do ano passado, não poderíamos deixar de passar à ação possível: prestar solidariedade a esse brasileiro perseguido pelas autoridades fazendárias e policiais por ter ousado, com seu baixo nível cultural, dizer as verdades incômodas ao poderoso do instante.

Abriu-se a Francenildo Costa uma tribuna livre, no salão nobre da Ordem dos Advogados de São Paulo. Neste dia 30 de março, às 11 horas, um pouco de nossa dignidade ferida foi resgatada. Veio de um caseiro modesto o exemplo de honestidade que nos mobilizou a dizer, em alto e bom som, que não estamos asfixiados pela mistura de corrupção e arrogância que tomou conta do país.

Por fim, grita-se contra as pressões que recaíram sobre o deputado Osmar Serraglio para omitir em seu relatório menção a outros mensaleiros, a ex-ministros e ao próprio presidente da República.

Esquecem os governistas da lição dada pelo caseiro Francenildo que, singelamente, disse estar provado que o lado mais fraco não é o do caseiro é o da mentira. Esquecem da frase dele: “duro é falar mentira que você tem de ficar pensando. A verdade é fácil”. Disse mais Francenildo, no ato público na OAB, sobre o presidente: “É um trabalhador que quer sujar a bandeira dos trabalhadores.”

Enquanto os mentirosos pensam, e pretendem sujar a nação, nós agimos por meio da palavra: homenageamos a verdade na pessoa de Francelino e denunciamos o embuste do governo, patrocinado pelo presidente da República, que pretende instaurar o reino da mentira.

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