Nomeações para o STF

Atual sistema de escolha de ministros para o STF é adequado

Autores

  • Arnoldo Wald

    é advogado professor catedrático de Direito da UERJ e membro da Corte Internacional de Arbitragem da CCI.

  • Ives Gandra da Silva Martins

    é professor emérito das universidades Mackenzie Unip Unifieo UniFMU do Ciee/O Estado de S. Paulo das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região professor honorário das Universidades Austral (Argentina) San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia) doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS catedrático da Universidade do Minho (Portugal) presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

30 de março de 2006, 11h42

A nomeação do ministro Enrique Ricardo Lewandowski para o Supremo Tribunal Federal pôs fim a algumas discussões e polêmicas que surgiram na imprensa em relação ao critério de escolha dos integrantes da nossa Corte Suprema. As questões suscitadas foram importantes e oportunas como manifestação da sociedade civil para reflexão dos poderes públicos.

Cabe salientar que, talvez, seja a primeira vez em nossa história que uma nomeação de ministro do Supremo Tribunal Federal ensejou tantos pronunciamentos, mobilizando a magistratura, a OAB e a imprensa.

O interesse que a questão despertou evidencia não só a importância política do papel desempenhado pela Corte, mas também que o país acompanha sua atuação de modo constante. É o que não acontecia em passado mais remoto, quando um dos integrantes considerou o STF como “esse outro desconhecido”.

Cabe, também, enfatizar as divergências entre as várias posições assumidas nas discussões que se travaram.

Algumas correntes pretendiam reservar a participação na Corte Suprema a integrantes da carreira de magistrado. Outras opinavam no sentido de assegurar ao presidente um verdadeiro poder arbitrário, entendendo que a escolha poderia recair sobre um político que pouca experiência tivesse no campo do Direito. Havia, ainda, quem quisesse manter o statu quo da participação dos ministros de acordo com o seu estado de origem. Finalmente, suscitou-se a idéia de não dever o futuro ministro ter participado da política partidária nem estar vinculado ao poder público.

Na realidade, nosso sistema de nomeação dos integrantes da Corte Suprema, além de se inspirar no exemplo constitucional dos EUA, tem funcionado adequadamente no tempo.

Efetivamente, durante mais de um século, o STF tem mantido sua independência em relação aos demais Poderes até nas horas mais difíceis de nossa vida política. As crises quanto à indicação de ministros sem vivência jurídica datam do fim do século 19, quando Floriano Peixoto nomeou um médico — que chegou a tomar posse e exerceu as funções durante um ano — e indicou, para o STF, dois generais, os quais foram vetados pelo Senado.

Cabe, aliás, ponderar que, mesmo quando, em 1965, o Ato Institucional 2 modificou a composição do STF, tendo o governo nomeado juristas ligados ao novo regime, continuou nossa mais alta Corte a manter a sua independência, concedendo muitas vezes Habeas Corpus que não eram do agrado do Poder Executivo da época.

Pela sua própria função de corte constitucional, o STF é, evidentemente, um tribunal político que não somente verifica a constitucionalidade das leis, mas também garante a evolução construtiva do Direito nacional e a proteção dos direitos individuais.

Conforme já assinalava Aliomar Baleeiro, contudo, o STF se caracteriza pelo apartidarismo e pela neutralidade política, pois “qualquer ativismo partidário prejudicaria o dever de imparcialidade na aplicação da Constituição”. No mesmo sentido, o ministro Lewandowski disse, em entrevista à imprensa, que o STF “não pode se partidarizar”.

Até mesmo os políticos nomeados no passado tinham ampla experiência na cátedra ou na advocacia, como foram os casos de Bilac Pinto, Prado Kelly, Evandro Lins, Hermes Lima, Carlos Medeiros Silva e tantos outros. Por outro lado, a presença de magistrados e de professores é também necessária para compor um quadro representativo das várias tendências do Direito vigente.

O papel construtivo da jurisprudência exercido por juízes de carreira, como o ministro Rodrigues de Alckmin, no passado, e o ministro Carlos Velloso, recentemente, trouxe ao STF uma ampla experiência e uma visão renovadora da ciência jurídica. A presença de Victor Nunes Leal, com sua vivência de advogado e sua preocupação de manter a coerência e a segurança jurídica, marcou a história da instituição. O mesmo se pode dizer de professores de Direito, como os ministros Aliomar Baleeiro, Alfredo Buzaid e Leitão de Abreu.

O equilíbrio entre ministros oriundos de certos estados na composição da Corte é também um fator relevante, embora não deva ser observado de forma aritmética. Ou seja, não há direito adquirido a vagas no STF por parte dos estados, mas é justo que a decisão política considere a necessidade de representação adequada das várias regiões do país.

Chega-se, pois, à conclusão de que o sistema atual não tem maiores defeitos, desde que o poder de nomeação do presidente da República seja exercido com razoabilidade, recaindo a escolha sobre juristas que contribuam para o aprimoramento do Direito, a melhor distribuição da justiça e a segurança jurídica.

É sempre oportuna a manifestação da opinião pública antes da nomeação, e, após a indicação, cabe ao Senado exercer a função de aprovar o nome, no exercício consciente de uma atribuição que decorre do princípio da separação e colaboração entre os Poderes.

Sobre o ministro Lewandowski, fez-se consenso para reconhecer suas qualidades pessoais, funcionais e intelectuais. Traz ele a vivência de advogado e conselheiro da OAB que ingressou na magistratura pelo quinto constitucional, a experiência fecunda de desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e a cultura e a sensibilidade de professor da Faculdade de Direto do Largo São Francisco, além de ter publicado obras importantes de Direito Público.

A indicação e a nomeação do ministro Lewandowski evidencia, pois, que o sistema funciona — desde que se entenda que o poder de nomear os membros do STF constitui um ato discricionário do presidente da República, mas não pode ser arbitrário. Espera-se, pois, que o mesmo critério seja usado para a indicação do magistrado que virá a substituir o eminente ministro Nelson Jobim.

*Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 30/03/2006

Autores

  • é advogado, professor catedrático de Direito da UERJ e membro da Corte Internacional de Arbitragem da CCI.

  • é advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.

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