Trabalho escravo

Supremo rejeita denúncia de trabalho escravo contra deputado

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29 de março de 2006, 18h50

O Supremo Tribunal Federal decidiu, hoje, arquivar o inquérito (Inq 2054) contra o deputado federal Inocêncio de Oliveira pela suposta prática de delitos contra a liberdade e contra a organização do trabalho – em outras palavras: trabalho escravo. A decisão foi por maioria. Apenas o ministro Joaquim Barbosa se convenceu de que deveria ser recebida a denúncia do Ministério Público contra o parlamentar. A decisão é mais uma a encorpar a estatística de ações promovidas pelo Ministério Público e arquivadas por serem consideradas ineptas pela corte constitucional brasileira.

O ministro Gilmar Mendes foi quem chamou atenção para o fato. Até agora, o Supremo considerou cerca de oitenta por cento das denúncias ineptas. De cinqüenta e nove apresentadas, 40 foram para o arquivo. Apenas 19 tiveram continuidade. O julgamento de hoje foi mais um caso em cinco anos.

O julgamento, porém, passou pela discussão de vários temas. O inquérito retornou ao plenário do Supremo depois de pedido de vista de Joaquim Barbosa em fevereiro de 2005. Até então, a relatora do processo, ministra Ellen Gracie, decidira pelo arquivamento. Eros Grau acompanhou a ministra.

No voto-vista, o ministro Joaquim Barbosa divergiu da relatora, que havia aplicado ao caso a súmula 524 do Supremo. O texto da súmula é: “Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas”.

Para Barbosa, não incidiria no caso. Isso porque o arquivamento do procedimento administrativo teria se restringido a uma questão interna corporis, sem que houvesse participação do Judiciário. Dessa forma, não estaria impedido de haver a “reabertura do caso”.

Cronologicamente, primeiro houve uma vistoria por parte de auditores fiscais do trabalho na Caraívas (MA) de propriedade de Inocêncio de Oliveira. Foram encontradas diversas irregularidades. Os fatos acabaram nas mãos do, à época, procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro.

Ele decidiu, por via administrativa, pelo arquivamento. Segundo apontou, o responsável pela administração da fazenda era um homem nomeado por Inocêncio. O que, para Brindeiro, mostraria no máximo culpa, e não dolo, por parte do deputado. Como não há um tipo penal para a conduta culposa na situação do parlamentar, considerou-se a atipicidade do fato. No entanto, quando Cláudio Fonteles assumiu como titular da Procuradoria Geral da República, decidiu pela reabertura do procedimento.

Diante dessa situação, os ministros discutiram se o arquivamento no âmbito administrativo finalizava a discussão. Para a corrente minoritária, ao não submeter o arquivamento à autoridade judiciária, Brindeiro correu o risco de seu sucessor reabrir o procedimento.

No entanto, a corrente majoritária, seguindo a relatora, entendeu ser o arquivamento administrativo, no caso do procurador-geral, equiparado ao do previsto no artigo 28 do código de processo penal.

Nesse dispositivo está previsto: “Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender”.

Para o ministro Gilmar Mendes, da corrente majoritária, o requerimento de arquivamento é uma ficção, já que, havendo o pedido, o tribunal está “adstrito” a atender a demanda do MP. Dessa forma, Gilmar afirmou que, na substância, o caso de Inocêncio era igual ao precedente invocado por Ellen Gracie para decidir o arquivar o caso — o inquérito 2028, contra o Senador Antonio Carlos Magalhães. “A atuação do Supremo no caso é prestar publicidade à decisão do procurador-geral”, disse Mendes.

Contudo, os ministros não encerraram o caso aí. Eles entenderam que, dentro da reabertura proposta por Cláudio Fonteles, haveria a possibilidade de terem surgido novas provas – nos termos da súmula 524. Assim, apesar de considerarem já arquivado o caso, consideraram a chance de novas provas poderem ter sido levada aos autos.

A princípio, houve uma discussão na qual adentrou o ministro Marco Aurélio sobre a possibilidade de essas provas terem decorrido da atuação do MP como investigadores. Mas o tema não prosperou, ainda continua de decisão pendente no Supremo. Pela maioria, os ministros Ellen Gracie (relatora),Eros Grau, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence não encontraram nova prova a sustentar a denúncia. Vencido, Joaquim Barbosa foi acompnhado por Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Britto. E o processo foi arquivado.

Condenação trabalhista

Em contrapartida, o Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região (Maranhão) condenou Inocêncio Oliveira por trabalho escravo em 7 de fevereiro deste ano. Pela sentença, o deputado terá de pagar R$ 130 por dia trabalhado a cada trabalhador explorado. A conta começa desde a época da fiscalização do Grupo Móvel do Ministério do Trabalho, feita em 2002. Os valores deverão ser calculados pelo TRT e corrigidos monetariamente. O deputado ainda terá de pagar indenização por dano moral. Os advogados do deputado disseram que devem recorrer ao Tribunal Superior do Trabalho.

O deputado já havia sido condenado em primeira instância em 2003 pelo juiz do Trabalho do Maranhão, Manoel Lopes Veloso. A sentença impôs o cumprimento de várias exigências, como oferecer condições mínimas de trabalho, pagar salário-mínimo e oferecer água potável aos trabalhadores.

Inq 2.054

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