Limites da informação

Justiça livra TV Globo de indenizar delegado da Polícia Federal

Autor

27 de março de 2006, 11h33

A TV Globo está livre de indenizar por danos morais o delegado da Polícia Federal Roberto Precioso Júnior. Ele pedia reparação com o argumento de que o Jornal Nacional vinculou seu nome com o do juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, condenado pelo desvio de verbas do prédio do Fórum Trabalhista de São Paulo.

Segundo os autos, o jornal noticiou que o delegado foi fiador de um imóvel alugado por um envolvido no escândalo do desvio de verbas no Fórum Trabalhista e que o juiz Nicolau exigiu a presença de Precioso Júnior para se entregar à Polícia Federal. O delegado alegou que, na verdade, a casa alugada era usada com base de operações da PF.

Segundo notícia do Jornal Nacional e do Jornal da Globo havia sido descoberto “o endereço de quem desviou US$ 2 milhões do TRT”. A notícia dizia que na época que os depósitos do dinheiro desviado foram feitos, o beneficiário usava como endereço o da casa alugada pela PF, em nome do delegado. Assim, vinculou o fato ao pedido do advogado de Nicolau, que pediu a presença do delegado no ato da prisão do juiz aposentado.

Alegando ter sofrido danos de difícil reparação, o delegado entrou com ação de indenização por danos morais. Alegou que a reportagem induziu o telespectador a acreditar que Precioso estava envolvido no episódio do desvio de verbas do TRT e da fuga do juiz, por sugerir que houve relacionamento pessoal entre ambos.

Também sustentou que o texto foi ambíguo e que houve comportamento malicioso do repórter. Ainda afirmou que sofreu abalo moral, inclusive entre os colegas da Polícia Federal. A 38ª Vara Cível de São Paulo não acolheu os argumentos e a sentença foi mantida pela 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Para os desembargadores, não ficou comprovada a conduta ofensiva que justificasse indenização.

“Ainda que se compreenda o desconforto com a referência a seu nome em noticiário que versava sobre fatos que chocaram a opinião pública, para obter sucesso na demanda era imprescindível que o apelante demonstrasse não apenas que os fatos veiculados pela ré eram falsos, mas também que tinham sido maliciosa e negligentemente deturpados pela recorrida”, consideraram os desembargadores.

A 6ª Câmara ressaltou que a TV Globo agiu dentro “dos limites do exercício do direito de informação e o abuso de direito que lhe garante a Carta de 88, porque não houve qualquer insinuação”. A TV Globo foi representada pelo advogado Luiz Camargo de Aranha Neto. As partes podem recorrer da decisão.

Processo 283.427.4/9

Leia a íntegra do acórdão

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n° 283.427-4/9-00, da Comarca de SÃO PAULO, em que é apelante ROBERTO PRECIOSO JUNIOR sendo apelada TV GLOBO LTDA:

ACORDAM, em Sexta Câmara Direito Privado em Sexta de Tribunal Justiça do Estado de São Paulo, proferir do Estado de seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores MAGNO ARAUJO (Presidente, sem voto), VITO GUGLIELMI e PERCIVAL NOGUEIRA.

São Paulo, 09 de fevereiro de 2006.

ISABELA GAMA DE MAGALHÃES

Relatora

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

APELAÇÃO CÍVEL nº: 283.427.4/9

APELANTE: Roberto Precioso Júnior

APELADO: TV Globo Ltda.

COMARCA: São Paulo

Voto n° 7.598

Ação de indenização por dano moral julgada improcedente – Veiculação de notícia alegadamente ambígua e maliciosa em jornal televisionado – Fatos verdadeiros narrados cuja divulgação era de interesse público – Ausência de conduta ofensiva a justificar ressarcimento por parte da ré – Sentença mantida. Recurso improvido.

A r. sentença de fls. 99/110, acrescida em sede de embargos declaratórios rejeitados às fls. 123, cujo relatório adoto, julgou improcedente a ação de indenização por dano moral que Roberto Precioso Júnior moveu em face de TV Globo Ltda., e contra essa r. decisão apela o vencido.

Diz ele, em síntese, que a notícia transcrita na vestibular e veiculada pela ré durante o programa Jornal Nacional do dia 04 de maio de 2001 foi ambígua e maliciosa de molde a inculcar nos telespectadores a impressão de que o autor agira desonestamente ao ser fiador de um imóvel alugado por pessoa envolvida no escândalo do desvio de verbas do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo, assim como sua presença tivesse sido condição exigida pelo Juiz Nicolau dos Santos Neto para se entregar à Justiça, o que era falso e causou grave constrangimento pessoal e profissional ao autor, Delegado da Polícia Federal, donde impositiva a reforma da r. sentença em exame, para se decretar a procedência da demanda, tudo como aduz nas razões de fls.

O recurso, tempestivo, foi bem processado, com preparo regular e resposta da parte contrária.

É o relatório.

O inconformismo do apelante não procede.

Ainda que se compreenda o desconforto com a referência a seu nome em noticiário que versava sobre fatos que chocaram a opinião pública, escandalizada ao verificar o desvio de enormes quantias em dinheiro durante a construção do prédio destinado a sediar o Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo, para obter sucesso na demanda era imprescindível que o apelante demonstrasse não apenas que os fatos veiculados pela ré eram falsos, mas também que tinham sido maliciosa e negligentemente deturpados pela recorrida, sem cuidar da preservação do indiscutível bom conceito de que o autor gozava na sociedade e no seu ambiente de trabalho.

Não foi o que ocorreu na espécie.

A inicial transcreve o teor da reportagem cuja “chamada” referiu a descoberta do “…endereço de quem desviou dois milhões de dólares americanos do T.R.T.”, esclarecendo em seguida os apresentadores do Jornal Nacional: “fomos ao endereço em São Paulo fornecido à Receita Federal por Antonio Melo de Araújo. A casa está abandonada há dois anos, mas na época em que os depósitos foram feitos na conta de Antonio, a casa tinha inquilino. E o inquilino era a Polícia Federal. A Polícia Federal usou a casa como base de operações entre maio de 1992 e novembro de 1994. Exatamente no período em que foram depositados mais de US$ 2 milhões. Ele não teria tido nenhuma relação com agentes ou delegados que trabalharam nessa casa? “Não, não, com certeza não. Eu acho que isso foi uma coincidência”, respondeu Gilberto Tadeu, assessor de imprensa da PF. Oficialmente, a casa estava alugada para Otacílio Tupaceretan de Azevedo, um agente da Polícia Federal que hoje trabalha em Santa Catarina. Ele pagava o aluguel equivalente a R$ 1.500,00 e depois recebia o reembolso. Como fiador do aluguel, o Delegado Roberto Precioso Júnior, na época Coordenador da Delegacia Anti-Drogas de São Paulo. Roberto Precioso foi o policial escolhido pelo juiz Nicolau dos Santos Neto no episódio da rendição. A presença dele foi uma das condições impostas para que Nicolau, um dos principais acusados no escândalo do TRT deixasse de ser foragido.”

Ora, uma leitura isenta do texto supra deixa claro que a reportagem pôs em destaque:

1)- que através de rastreamento do Banco Central, identificou-se um dos endereços indicados por Antonio de Melo Araújo, como sendo o imóvel da Rua Brigadeiro de Melo, 215, Pacaembu, São Paulo;

2)- na época do noticiário o prédio estava abandonado, mas antes disso fora locado à Polícia Federal, que o usou como base de operações entre maio de 1992 a novembro de 1994;

3)- nesse período (de setembro de 1993 a janeiro de 1994), foram feitos 09 (nove) depósitos em nome de Antonio Melo de Araújo.

4)- o contrato de aluguel fora celebrado em nome de um Policial Federal, porque o imóvel se destinava a base de operações secretas, e o fiador foi o apelante, Delegado que concordara em se deslocar a outro Estado da Federação, para cumprir ordem de prisão do Juiz Nicolau do Santos Neto.

Todos esses fatos eram verdadeiros e, com algumas diferenças irrelevantes, noticiados por diversos outros órgãos da imprensa escrita, como o Jornal O Estado de São Paulo, edição de 10 de maio de 2001 – fls. 74/75, Jornal do Brasil, edição de 08 de maio do mesmo ano – fls. 76 e, na mesma data, Correio Braziliense – fls. 77, tendo restado incontroversos, pois nenhuma das partes os contestaram, valendo ressaltar, porque significativo para o deslinde da matéria aqui em exame, que o apelante não se insurgiu contra o julgamento antecipado da lide, reconhecendo desnecessária a prova oral e documental que requerera tempestivamente.

E, ao contrário do que afirma o autor, os funcionários da ré não disseram que a Polícia Federal e Antonio de Melo Araújo ocuparam, fisicamente, ao mesmo tempo o imóvel em questão, mas que o “laranja” forneceu esse endereço como seu à Receita Federal, na época em que a Polícia Federal era inquilina do prédio, o que correspondia à verdade.

A reportagem mencionou também que entrevistara o Assessor de Imprensa da Polícia Federal, e divulgou corretamente, na íntegra, a resposta à pergunta “esse homem investigado teria tido alguma relação com agentes ou delegados que trabalharam nessa casa?” como sendo “Não, não, com certeza não. Eu acho que isso foi uma coincidência”.

Quanto ao episódio da rendição do Juiz principal acusado de desvio de verbas do Tribunal Regional do Trabalho, não faria qualquer diferença se tivesse constado da matéria jornalística que o autor se deslocou para outro Estado a fim de atender pedido do próprio magistrado ou de seu procurador, embora seja intuitivo que foi o advogado quem solicitou a presença do apelante, pois o Juiz estava foragido e é inverossímil que tivesse pessoalmente contactado o apelante.

Daí que não se vislumbra na conduta do ré o alegado extravasamento dos limites entre o exercício do direito de informação e o abuso de direito que lhe garante a Carta de 88, porque não houve sequer insinuação de que o imóvel da rua Brigadeiro de Melo, 215, fora ocupado ao mesmo tempo por integrantes da Polícia Federal e Antonio Melo de Araújo, assim como também inexistiu “…identificação maliciosa entre o apelante, como fiador”, lembrando desnecessariamente que na condição de Delegado da Polícia Federal o vencido participara do episódio da rendição do juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto.

Da mesma forma, incabível aceitar que os repórteres da apelada inseriram no noticiário considerações subjetivas próprias a fim de induzir o público a se convencer de que o autor estava envolvido no episódio do desvio de verbas do TRT e da fuga do ex-Juiz Nicolau dos Santos Neto, havendo relacionamento pessoal entre ambos, como afirmam as razões de fls.

Esse quadro impõe admitir que se surgiram dúvidas sobre a honestidade pessoal e profissional do autor em espíritos maliciosos ou maldosos, descabido responsabilizar por isso a ré, que se limitou a narrar fatos verdadeiros sem o distorcer, mesmo que daí tenham se originado situações desagradáveis para o recorrente, conhecido, respeitado e respeitável Delegado Federal.

É que o potencial danoso era da essência dos fatos descritos na noticia, cuja narração era de interesse público e não teve cunho intencionalmente ofensivo em relação ao autor, eis que se limitou a descrever a verdade, sem “fabricar” nenhuma falsa “coincidência”, ainda que estas tenham efetivamente ocorrido.

Diante do exposto, e porque não se vislumbra na matéria jornalística intenção ofensiva, que não pode ser presumida, correta a douta sentença que julgou improcedente a demanda e cujos sólidos fundamentos também se adota como razão de decidir, pelo meu voto, fica este recurso improvido.

ISABELA GAMA MAGALHÃES

Relatora

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!