Dever do Estado

DF está obrigado a fornecer remédio para paciente psicótico

Autor

24 de março de 2006, 13h18

O Distrito Federal está obrigado a fornecer para um paciente da Rede Pública de Saúde, portador de distúrbio psicótico, toda a medicação necessária para seu tratamento. Os remédios foram negados pelo DF com os argumentos de falta de comprovante de residência e que competiria a União a entrega dos medicamentos.

Com a decisão, o DF fica obrigado a entregar ao autor da ação os remédios Carbamazepina 200 mg, Haldol e o Depakene 500 mg, na quantidade e regularidade recomendadas pelo médico responsável. A decisão é do juiz Álvaro Luis Ciarlini, da 2ª Vara de Fazenda Pública do DF. Cabe recurso.

Segundo os autos, o paciente tem desmaios freqüentes associado a distúrbio de comportamento e pesadelos. Apesar de saber do quadro do autor da ação, a secretaria de saúde negou o fornecimento dos remédios com o argumento de que sua receita médica era do Hospital Universitário de Brasília, entidade federal vinculada à Universidade de Brasília, e não à Rede Pública de Saúde do DF.

A defesa do Distrito Federal também disse que não ficou comprovado e endereço do autor. Assim, não poderia ser condenada a pagar tratamento médico para pessoas que moram em outras unidades da federação.

O juiz não acolheu os argumentos do DF. Entendeu que a proteção constitucional à Saúde Pública, está em sintonia com a necessidade do Estado Democrático em assegurar o bem-estar da sociedade. Álvaro Luis Ciarlini esclareceu que a Lei Orgânica do Distrito Federal, no artigo 207, e a Lei 8.080/90 estabeleceram a saúde como direito de todos e dever do Estado. “Qualquer iniciativa que contrarie tais formulações será repelida veementemente, visto que fere um direito fundamental da pessoa humana”, concluiu.

Processo 2003.01.1.095470-8

Leia a íntegra da sentença

Circunscrição: 1 – BRASILIA

Processo: 2003.01.1.095470-8

Vara: 112 – SEGUNDA VARA DA FAZENDA PUBLICA DO DF

Poder Judiciário

Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Segunda Vara da Fazenda Pública

Requerente: Jorge Silva Cardoso

Requerido: Distrito Federal

Autos n.º: 95.470-8/03

S e n t e n ç a

Vistos etc.,

Trata-se de ação cominatória, com pedido de antecipação de tutela, ajuizada por Jorge Silva Cardoso contra o Distrito Federal, objetivando o fornecimento dos medicamentos CARBAMAZEPINA 200 mg, HALDOL e DEPAKENE 500 mg.

Colhe-se dos autos que o postulante é portador de distúrbio psicótico, apresentando episódios de desmaios associados a distúrbio de comportamentos e pesadelos freqüentes, razão pela qual necessita do tratamento acima mencionado.

Pugna pela condenação do Distrito Federal ao fornecimento de referidos medicamentos, no prazo de cinco dias, na quantidade e regularidade recomendada pelo médico responsável pelo seu tratamento.

Acompanharam a inicial os documentos de fls. 10/17.

À fl. 19, foi proferida decisão interlocutória deferindo a tutela antecipada.

Regularmente citado, o réu contestou a ação às fl. 27, alegando, preliminarmente, a ilegitimidade do Distrito Federal para figurar no pólo passivo da presente ação, uma vez que o receituário acostado aos autos é oriundo do Hospital Universitário de Brasília, entidade federal, vinculada à Universidade de Brasília. Aduziu, ainda, não existir prova da residência do autor no Distrito Federal, não se podendo, portanto, condenar o réu a custear o tratamento médico de pessoas residentes em outras unidades da Federação. No mérito, o Distrito Federal alega que jamais se recusou a disponibilizar os referidos medicamentos ao postulante. Requer, ao final, a extinção do processo sem apreciação do mérito, na forma do artigo 267, IV e VI, do Código de Processo Civil.

O autor apresentou réplica às fls. 38/40, oportunidade em que trouxe aos autos o comprovante de sua residência no Distrito Federal.

Posteriormente o réu argüiu a irregularidade na representação processual do autor, defendendo a necessidade de se proceder a sua interdição em ação civil própria. O postulante, por sua vez, pugnou pelo julgamento antecipado da lide.

Ás fls. 123/129, o Ministério Público se manifestou pela procedência do pedido, confirmando-se a antecipação dos efeitos da tutela concedida initio litis.

É o relatório.

Decido.

Primeiramente, nomeio a ilustre Defensora Pública Roberta de Oliveira Melo como curadora do autor no presente feito, nos termos do artigo 9º, I, do Código de Processo Civil.

Passo ao exame das preliminares argüidas pelo réu.

O argumento de que o tratamento do autor é de responsabilidade na União em razão de sua moléstia haver sido diagnosticada em hospital federal não merece prosperar. Conforme bem salientado pela ilustre Promotora de Justiça, à fl. 126, “o direito à saúde, hoje alçado à categoria constitucional pelo artigo 196 da Carta Cidadã, é exercitável contra o Estado em qualquer de suas três esferas, não se exigindo obediência à segmentação burocrática tal como pretendido pelo réu”.

Não fosse o bastante, observo que consta nos autos, à fl. 41, receituário médico emitido pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, bem como o comprovante de residência do autor nesta unidade da Federação, o que elide qualquer dúvida a respeito da competência deste juízo para apreciar a pretensão do autor.

Superadas as preliminares, passo ao exame do mérito.

A proteção constitucional à Saúde Pública, consentânea com a necessidade de o Estado democrático assegurar o bem-estar da Sociedade, é concebida como direito de todos e dever do Estado, que deve garantir, mediante políticas sociais e econômicas, a redução do risco de doenças. Qualquer iniciativa que contrarie tais formulações será repelida veementemente, visto que fere um direito fundamental da pessoa humana.

Também a Lei Orgânica do Distrito Federal, em seu art. 207, e a Lei 8.080/90 estabeleceram a saúde como direito de todos e dever do Estado, incumbindo ao Distrito Federal o dever de prestar assistência à população, nos moldes esculpidos na Constituição Federal.

Repise-se que a pretensão ora em análise é amparada pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, instituto que foi erigido à condição de fundamento da República (art. 1º, III, CF).

Como se pode observar, a pretensão do autor à obtenção do tratamento descrito na petição inicial mostra-se devidamente prestigiada mesmo porque, a teor da norma constitucional acima mencionada, nesse particular corroborada pela LODF, repise-se, é dever do Estado assegurar aos cidadãos o direito à saúde. Assim, uma vez demonstrado que o demandante não reúne condições materiais para arcar com o tratamento da doença que o acometeu, e, se as autoridades públicas locais não se mostram inclinadas ao cumprimento de suas obrigações constitucionais e infraconstitucionais, devem ser coercidas a fazê-lo, através da via jurisdicional eleita pelo postulante.

PAUTAIsto p

osto, ratifico a antecipação de tutela alhures deferida e julgo procedente o pedido, para condenar o réu a fornecer ao demandante, no prazo de cinco dias, os medicamentos CARBAMAZEPINA 200 mg, HALDOL e DEPAKENE 500 mg, na quantidade e regularidade recomendadas pelo médico responsável pelo tratamento, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais).

Sem custas. Fixo os honorários advocatícios em favor do patrono do autor em R$ 600,00 (seiscentos reais), com fulcro no artigo 20, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil.

Sentença sujeita ao reexame necessário.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Brasília-DF, 08 de março de 2006.

Álvaro Luis de A. Ciarlini

Juiz de Direito

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!