Retirada política

Novo presidente do STJ prevê atuação mais administrativa

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20 de março de 2006, 14h06

Nesta segunda-feira (20/3), o futuro presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, disse que pretende se voltar para os problemas internos do tribunal. Ele assume a presidência no próximo dia 5. O atual presidente, ministro Edson Vidigal, já afirmou que deixa o STJ até o final de março para se candidatar ao governo do Maranhão pelo PSB.

“Sou reservado nos pronunciamentos”, afirmou Monteiro de Barros para o repórter especial da Folha de S. Paulo, Frederico Vasconcellos. “Nos 17 anos de STJ, trabalhei só em processos. Penso que o presidente deve preocupar-se com problemas internos, sem descuidar de representar o tribunal.”

O ministro também admitiu que, antes da definição do Supremo Tribunal Federal sobre a competência do Conselho Nacional de Justiça, era contra o CNJ. “Hoje, vejo o conselho como algo natural, mesmo porque está constituído pela Constituição Federal e nós devemos cumpri-la.”

Leia a íntegra da entrevistas

Juiz de carreira, vindo de uma família de juristas, tido como uma pessoa retraída, o senhor sucederá a um presidente que aparece muito na mídia. Isso afetará a imagem do STJ?

Naturalmente, muda o perfil. Por temperamento muito próprio, aliás, característico de juiz de carreira, sou reservado nos meus pronunciamentos. Nos 17 anos de STJ, trabalhei só em processos.

Juízes progressistas e conservadores entendem que vai haver um recuo do STJ no noticiário político. É possível prever isso?

É possível que isso ocorra. Eu penso que o presidente do STJ deve preocupar-se mais com os problemas internos do tribunal, sem descuidar, evidentemente, de representar o tribunal, de defender as prerrogativas da corte e de seus ministros. Mas a preocupação maior será com a administração. Chegam ao STJ 1.100 processos por dia.

O senhor tem experiência administrativa?

A única atividade mais ou menos administrativa foi quando exerci a Corregedoria da Justiça Eleitoral.

O fato de ter sido sempre juiz contribui para dirigir o STJ?

A circunstância de ser um juiz de carreira não impede o exercício de uma função administrativa. Desde o início de suas carreiras, os juízes exercem a direção do foro da comarca. Têm uma atividade administrativa muito relevante. Diz-se muito que o juiz não é administrador. Essa afirmativa não procede. Se o presidente do tribunal convoca pessoal administrativo competente e empreendedor, pode fazer uma administração com êxito.

O senhor vai assumir o STJ num ano eleitoral, com o efeito da série de escândalos do mensalão. Como o senhor analisa esse cenário?

Na verdade, essa conjuntura não terá muita influência. A eleição deste ano vai ser administrada pelo TSE. A crise de ética deverá ser solucionada pelo órgão competente, que é o Congresso Nacional. O tribunal está imune a essa crise.

Nos últimos meses, criticou-se muito o fato de que o presidente do STF, ministro Nelson Jobim, e o do STJ, ministro Edson Vidigal, tinham pretensões políticas. É possível conciliar a Presidência de um tribunal e uma ambição político-partidária?

Isso vai depender um pouco da índole de cada um. As pretensões políticas, ainda que de presidentes de tribunais, são, em tese, admitidas, desde que satisfaçam os requisitos da lei. A legislação permite que, seis meses antes das eleições, se faça a filiação ao partido político. Se a legislação permite, a pretensão é legítima.

Esse clima de indefinição é saudável para o Judiciário?

Eu penso que não interfere. Não há essa situação de incerteza, porque o mandato é de dois anos. Ao final, evidentemente, a saída é algo inexorável, que vai ocorrer de uma maneira ou de outra. Acho que a repercussão externa não é, muitas vezes, a esperada pelo cidadão. É superdimensionada, quando se exige uma posição mais reservada, própria de magistrados.

O senhor também tem pretensões políticas?

Não. Aos 66 anos, não tenho aspirações nem no próprio Poder Judiciário. Estou chegando perto da idade-limite da inatividade [70 anos].

Os juízes estão na berlinda desde a discussão da Reforma do Judiciário. Como o senhor vê essa cobrança da sociedade, as críticas ao nepotismo e aos altos salários?

O Judiciário é efetivamente cobrado. Uma resultante dessa exigência é a criação do Conselho Nacional de Justiça. Devemos reconhecer que estamos vivendo uma época de mudanças. E essas mudanças vêm sendo paulatinamente promovidas pelo CNJ. O caso do nepotismo está resolvido e a questão do teto salarial está sob apreciação.

O nepotismo era uma questão preocupante?

Era um embaraço para o Judiciário. A prova é que, depois de definida pelo STF [a constitucionalidade da decisão do CNJ], inúmeros tribunais demitiram aquelas pessoas enquadradas na Resolução 7 do CNJ.

O senhor só tem parentes no Judiciário como referências.

São falecidos, é verdade. Meu pai foi ministro do Supremo Tribunal Federal. Meu tio, Washington de Barros Monteiro, referência nacional como escritor e jurista, nos últimos tempos só se dedicava à advocacia.

Como o senhor viu a resistência dos tribunais ao CNJ, sob alegação de interferência externa?

Essa questão de que o CNJ poderia comprometer a independência do Judiciário hoje já está aplainada. A despeito de integrar pessoas estranhas ao Poder Judiciário, o conselho é um órgão de caráter administrativo, que integra, em termos da Constituição, o Poder Judiciário.

O senhor era a favor do CNJ, antes da definição do STF?

Antes da definição, fui contra. Hoje, eu vejo o CNJ como algo natural, mesmo porque está constituído pela Constituição Federal, e nós devemos cumpri-la. Mas eu penso que o CNJ está atuando na linha do que o legislador pretendia.

O senhor chegou a participar de algum movimento, algum tipo de manifestação contra o CNJ?

Não tive nenhuma atividade efetiva. Apenas, há dois anos, ao saudar o ministro Edson Vidigal, em sua posse, fiz restrições a uma eventual intromissão desse órgão no Judiciário.

Como o senhor viu a manifestação do desembargador Celso Limongi, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao dizer que o governo Lula está querendo subjugar o Judiciário, por meio do CNJ?

Eu não vejo assim. As mudanças são necessárias e não vejo uma tentativa do governo de subjugar o Judiciário.

Há quem acredite que o CNJ esteja primeiro atacando distorções maiores, para obter apoio externo, para depois introduzir outros pontos centrais da reforma.

Parece-me, pelo menos à primeira vista, que o CNJ está tocando nos pontos mais sensíveis. Mas não podemos esquecer que uma das atribuições do conselho é elaborar políticas de natureza estratégica, com vistas ao aperfeiçoamento da distribuição da Justiça em todo o país. É o que se espera, brevemente.

Qual é o ponto mais relevante nessa segunda etapa?

É combater a demora na prestação jurisdicional. A morosidade do Judiciário é o reclamo geral dos cidadãos. Esse é um problema de difícil solução em curto prazo. Os recursos colocados à disposição do Poder Judiciário são muito restritos.

No STJ, qual é a dimensão desse problema?

O STJ tem pendentes de julgamento cerca de 137 mil processos. Devemos promover um incremento da tecnologia. Precisamos simplificar os procedimentos, racionalizar, para que se obtenha uma presteza maior nos julgamentos.

O ministro Edson Vidigal fez reformas de espaço, implantou dois turnos de trabalho. Como o senhor avalia essas medidas?

Não vou me referir à gestão. Os dois turnos são uma medida para dar maior produtividade e maior contribuição para o desempenho do tribunal em suas atividades diárias. Mas não está ainda definitivamente solucionada, pois o Ministério Público tem uma impugnação da jornada mínima do servidor público, ainda pendente de solução.

Houve impugnação à construção de novas instalações para o Conselho da Justiça Federal e de um restaurante, a título de resgatar o projeto de Niemeyer. Como o senhor acompanhou isso?

Trata-se, agora, de um fato consumado. O ministro Edson Vidigal entregou o prédio que era ocupado pelo Conselho da Justiça Federal ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região e acomodou o Conselho da Justiça Federal no terceiro andar deste prédio. É uma situação precária e provisória. O conselho deverá oportunamente ser instalado em local apropriado e condigno.

O senhor se refere ao novo prédio que será construído?

Há um projeto ainda na fase de conclusão para a construção de um anexo tanto para o conselho como para Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados.

Ou seja, o senhor terá de enfrentar uma licitação, uma construção, o que sempre preocupa.

Além das outras licitações que são necessárias para uma obra dessa natureza, eu penso que deva se proceder também uma licitação para uma pessoa jurídica que venha administrar essa obra. Com isso, o STJ não estará envolvido diretamente com a contratação, construção e outros aspectos muito específicos e inerentes a essa obra.

Há estimativa de quanto custará?

Não posso dizer com precisão. O ministro Vidigal informou que há uma verba disponível de R$ 4 milhões. Mas o custo não está ainda definido, até mesmo porque o escritório do arquiteto Oscar Niemeyer está preparando [o projeto].

Quando foi presidente do TST, o ministro Almir Pazzianotto convidou o Banco do Brasil para gerenciar a construção da nova sede. O senhor fala desses cuidados em relação à administração da obra. Isso não dá razão aos analistas que acham que o Poder Judiciário precisaria ter uma administração profissional?

Essa proposição de se fazer uma licitação para gerenciar a obra tem por finalidade evitar alguma dúvida na lisura dos procedimentos. Se o tribunal administrar diretamente a obra, terá dificuldades porque os ministros são leigos no assunto, não têm um conhecimento adequado.

Quando o STJ construiu sua sede, alegou-se que seria necessário um novo prédio para abrigar até 60 ministros. Os atuais 33 ministros são suficientes, diante do volume de processos?

Eu penso que 33 ministros não são o suficiente. Mas a verdade é que a ampliação também não vai resolver. O aumento vegetativo é de ano para ano. As estatísticas estão mostrando. O tribunal com mais membros se tornará inadministrável. A solução é a admissão de recursos somente naqueles casos relevantes e de interesse geral.

(Publicada na Folha de S. Paulo em 20/3/2006)

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