Querer e poder

Contrato é obrigação do empregador não opção do empregado

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16 de março de 2006, 16h02

A formalização do contrato de trabalho é obrigação do empregador, não opção do empregado. Com este entendimento, a 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) reconheceu vínculo empregatício de um prestador de serviço com a empresa Produtos Alimentícios Superbom Indústria e Comércio.

O trabalhador ingressou com ação na 15ª Vara do Trabalho de São Paulo alegando que, embora tivesse assinado contrato de prestação de serviços com a indústria, mantinha na verdade uma relação de emprego.

Para se defender, a empresa sustentou que o trabalhador tinha sua própria empresa e prestava serviços de desenvolvimentos de produtos. Assim, de acordo com a empresa, nunca existiu relação de emprego.

A primeira instância acolheu o argumento da empresa. O trabalhador apelou ao TRT paulista. A relatora do caso, juíza Catia Lungov, considerou que, “o trabalho do reclamante era inerente à finalidade empresarial, foi prestado com habitualidade, em caráter exclusivo como exsurge da prova testemunhal e documental, que também confirmou que os aspectos formais da relação de trabalho foram impostos pela ré”.

“A formalização do contrato de trabalho é ônus exclusivo do empregador (artigo 29 da CLT), a quem também compete o risco da atividade econômica (artigo 2º). O interesse do trabalhador no procedimento irregular, normalmente calcado em necessidades alimentares imediatas, não exime a empresa do cumprimento da lei”, observou a relatora.

Para a juíza, “trata-se de norma de ordem pública, que garante ao trabalhador participar do sistema previdenciário, pondo-se a salvo das contingências que a realidade impõe. Do contrário, quando não mais estiver habilitado a trabalhar, restará ao Estado prestar-lhe assistência às custas do erário público, com sobrecarga tributária inaceitável”.

A decisão da 7ª Turma do TRT-SP foi unânime.

RO 02656.2003.015.02.00-6

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO TRT SP 02656.2003.015.02.00-6

RECURSO ORDINÁRIO

ORIGEM: 15ª VT/SP

RECORRENTE: ELDO CANTELE FILHO

RECORRIDO: PRODUTOS ALIMENTÍCIOS SUPERBOM IND. E COMÉRCIO LTDA

CONTRATO DE TRABALHO – Presentes os requisitos legais, a formalização do contrato de trabalho é ônus exclusivo do empregador (art. 2º, 3º e 29 da CLT). Trata-se de matéria estranha à autonomia da vontade, que insere o trabalhador no sistema previdenciário, a salvo de contingências que, do contrário, serão supridas pelo Estado, às custas do erário público, com sobrecarga tributária inaceitável.

Recurso ordinário interposto pelo reclamante às fls. 120/125 em face da r. sentença de fls. 112/113, integralizada pela decisão em sede de embargos de declaração à fl. 142, sustentando que houve vínculo de emprego, sendo devidos os títulos postulados.

Custas satisfeitas (fl. 126).

Contra-razões às fls. 133/141, argüindo, preliminarmente, o não conhecimento do recurso.

Sem manifestação do Ministério Público do Trabalho (Portaria nº 03, de 27 de janeiro de 2005, da Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região).

É o relatório.

V O T O

Em contra-razões foi argüido o não conhecimento do recurso, alegando a ré que o patrono do reclamante retirou os autos em carga durante a fluência do prazo recursal e os restituiu após o prazo legal, requerendo o desentranhamento do recurso ordinário e do documento que o acompanha, invocando o artigo 195 do CPC.

Não obstante tenha se efetivado o atraso alegado pela ré, conforme fl. 117, prejuízo algum lhe foi causado, ante a devolução do prazo para a apresentação de recurso concedida pelo juízo de origem à fl. 119.

Ademais, há que se privilegiar o direito constitucional a ampla defesa (artigo 5º, LV), não se olvidando que o inciso XXXV, do artigo 5º da CF impõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, mormente quando se trata de recurso ordinário interposto no prazo legal acompanhado do recolhimento tempestivo das custas processuais, como no caso. Rejeito a preliminar.

Nesse sentido a jurisprudência referida por Theotonio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa em seu Código de Processo Civil e legislação processual em vigor 35ª edição, editora Saraiva, p. 274:

“Art. 195: 3. A não devolução dos autos, pelo advogado, no prazo para interposição do recurso não acarreta, como pena, o não conhecimento deste (RTJ 93/699; STF-RT 486/229; RSTJ 4/1.613, 13/372; STJ-RT 671/184, 711/202; STJ-Bol. AASP 1.702/199; RT 556/162, 574/92, 579/140, com farta jurisprudência, 593/158, 619/109, 720/166, RJTJESP 89/316, 102/268; JTJ 165/130, 168/146; JTA 26/112, 66/63, 66/78, 72/231,77/50, 94/291,106/398; Lex-JTA 162/69).”

Satisfeitos, portanto, os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso ordinário interposto, salientando que o documento acostado é DARF eletrônica, a comprovar o recolhimento das custas processuais, não havendo que se falar em desentranhamento.

VÍNCULO DE EMPREGO

Em contestação (fls. 47/51), a ré alegou que o reclamante prestava-lhe serviços através de sua empresa denominada SEREL REPRESENTAÇÕES LTDA, enfatizando a inexistência de relação de emprego desde o início do relacionamento jurídico. Afirmou, ainda, que a atividade do autor restringia-se a desenvolver produtos.

O reclamante, em razões recursais, asseverou que antes da assinatura do contrato de prestação de serviços de fls. 69/71, ou seja, em maio de 2000 (fls. 58/61), prestava serviços para a reclamada informalmente e que o contrato respectivo foi assinado por determinação da ré, ocasião em que emitiu sua primeira nota fiscal.

Tal alegação, quanto à eventual coação, foi veementemente refutada.

Assim, admitida a prestação de serviços, mas negada a condição de empregado, sendo da reclamada o ônus de provar o fato impeditivo do direito pleiteado, a teor dos artigos 818 da CLT e 333, II, do CPC, dele não se desincumbiu.

Trata-se de empresa cujo objeto social é, dentre outros, “a industrialização, a comercialização, a importação, a exportação, a distribuição, a representação de produtos alimentícios em geral” (fl. 25, cláusula 4ª, I – grifei) e o contrato assinado pelo reclamante teve como objeto “a prestação de serviços de assessoria técnica em pesquisa e desenvolvimento de produtos em geral” (fl. 69, cláusula 2). Verifica-se, portanto, que a atividade profissional se insere na própria finalidade da empresa.

A segunda testemunha da ré afirmou que “…ouviu na reunião que a reclamada iria fazer um contrato com a empresa do reclamante; que o depoente não sabe dizer se o reclamante tinha ou não uma empresa; que segundo o depoente, se não tivesse deveria abrir uma empresa; que é necessário dentro da reclamada, alguém para desenvolver novos produtos, sendo certo que o reclamante exercia tal tarefa …” (fl. 42). Revela-se, desta forma, a veracidade das alegações do autor, no sentido de que a titularidade de empresa própria e a subseqüente formalização de contrato de prestação de serviços à reclamada decorreram de imposição desta, como forma de permitir o trabalho.

A primeira testemunha da ré (fl. 42) ao mesmo tempo que afirma que “…em média 3 a 4 vezes por semana o reclamante comparecia na reclamada…”, afirma também que “… o reclamante fazia desenvolvimento de produtos fora da sede da reclamada…”. Por outro lado, a primeira testemunha do reclamante asseverou que o reclamante comparecia diariamente na reclamada (fl. 43).

No documento de fl. 13 a reclamada declarou a prestação de serviços pelo reclamante em tempo integral, e sequer foi impugnado.

O trabalho do reclamante, portanto, era inerente à finalidade empresarial, foi prestado com habitualidade, em caráter exclusivo como exsurge da prova testemunhal e documental, que também confirmou que os aspectos formais da relação de trabalho foram impostos pela ré.

O art. 3º da CLT exige para que se dê o reconhecimento da condição de empregado, que haja pessoalidade, onerosidade, subordinação, que a prestação de serviços não tenha caráter eventual, tudo em caráter cumulativo e simultâneo. A prestação de serviços se desenrolou por mais de cinco anos em circunstâncias tais que permitem concluir pela presença dos requisitos legais elencados.

Ademais, o fato das partes terem firmado contrato de prestação de serviços dois anos após o ingresso do reclamante (fl. 67), sem qualquer modificação substancial de suas atividades (no início exercia as funções de técnico em desenvolvimento de produtos, passando a encarregado de produção a partir de 2000), não permite outra conclusão.

A formalização do contrato de trabalho é ônus exclusivo do empregador (art. 29 da CLT), a quem também compete o risco da atividade econômica (art. 2º). O interesse do trabalhador no procedimento irregular, normalmente calcado em necessidades alimentares imediatas, não eximem a empresa do cumprimento da lei.

Trata-se de norma de ordem pública, que garante ao trabalhador participar do sistema previdenciário, pondo-se a salvo das contingências que a realidade impõe. Do contrário, quando não mais estiver habilitado a trabalhar, restará ao Estado prestar-lhe assistência às custas do erário público, com sobrecarga tributária inaceitável.

A equívoca classificação jurídica da relação de trabalho não induz qualquer conseqüência, por força do art. 9o. da CLT, até porque, acolher-se a autonomia da vontade em tal matéria será tornar letra morta a legislação trabalhista.

Reconheço o vínculo de emprego entre as partes, determino que no prazo de 10 dias do trânsito em julgado, a reclamada proceda à anotação em CTPS do reclamante, sob pena de fazê-lo a Secretaria da Junta.

Em prestígio ao princípio do duplo grau de jurisdição e a fim de evitar supressão de instância quanto à matéria fática remanescente, devolvo ao juízo “a quo” o conhecimento das demais questões suscitadas pelas partes.

ISTO POSTO, conheço do recurso ordinário e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO para reconhecer o vínculo de emprego entre as partes, determinar a anotação da CTPS do reclamante, bem como o retorno dos autos à Vara de origem para o fins de direito, nos termos da fundamentação.

CATIA LUNGOV

Juíza Relatora

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