Dever de zelar

Município deve indenizar por afogamento em açude de parque

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14 de março de 2006, 7h01

O município deve proporcionar condições de segurança ao permitir a entrada de visitantes em parque público. O entendimento é da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que manteve condenação do município de Seberi por danos morais e materiais aos pais de um menino de sete anos que caiu em açude e morreu por afogamento.

O acidente foi em fevereiro de 1999 no Parque Municipal de Rodeios, de propriedade estatal, que estava aberto à visitação pública para um evento de motocross. O tio do menino, ao tentar salvá-lo, também morreu afogado.

O município alegou que o local não era acessível ao público e que houve negligência por parte dos pais da criança.

Para o relator do recurso, desembargador Umberto Guaspari Sudbrack, o Estado tem o dever de zelar pela segurança dos visitantes, especialmente tendo em vista de que estava acontecendo no local um evento público com entrada franca. “A obrigação de prevenir-se contra possíveis acidentes era ainda maior, considerando a existência de eventual área de risco, como o açude em que os afogamentos ocorrem.”

A indenização por danos morais ficou mantida em 100 salários mínimos, além de pensão mensal fixada em meio salário mínimo com início na data em que a vítima completaria 16 anos e terminando na data em que atingisse 65 anos, reduzindo este valor pela metade a partir de seus supostos 25 anos.

Votaram de acordo com o relator os desembargadores Leo Lima e Pedro Luiz Rodrigues Bossle.

Leia a íntegra da decisão:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AFOGAMENTO EM AÇUDE. PARQUE MUNICIPAL. EVENTO PÚBLICO. MORTE DE MENOR IMPÚBERE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. CULPA COMPROVADA. NEGLIGÊNCIA. CULPA CONCORRENTE ASSENTADA NA SENTENÇA SEM INSURGÊNCIA DA PARTE INTERESSADA. DANO MORAL. PENSÃO VITALÍCIA. CABIMENTO. LIQUIDAÇÃO DO DANO. PAGAMENTO EM UMA ÚNICA PARCELA. IMPOSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO, PORQUANTO PEDIDO NÃO FORMULADO NA INICIAL. ART. 950 DO cÓDIGO cIVIL.

A responsabilidade civil do Estado por ato omissivo é subjetiva, havendo necessidade de que “não tenha incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível”.

Ao franquear a entrada de visitantes a parque público, sejam eles menores ou não, deve o Estado proporcionar satisfatórias condições de segurança, sobretudo porque neste local realizava-se evento festivo a atrair a presença de pessoas, o que aumenta, “ipso facto”, a possibilidade de acidentes.

Na hipótese dos autos, há cuidados que, se observados pelo ente público, em atuação diligente, poderiam ter evitado o evento lesivo. A simples presença de cerca, tapumes de madeira ou cordas isolando a área em torno do pequeno açude onde se sucederam os afogamentos, teria o condão de evitá-los. Nem se diga da necessidade de isolamento do local por meio de grades ou mesmo a presença de vigia.

Dano moral. Valor da indenização mantida em 100 salários mínimos.

Pensão mensal fixada em meio salário mínimo, com termo inicial a data em que a vitima completaria 16 anos de idade e termo final a data em que atingisse os 65 anos, reduzindo-se este valor pela metade a partir dos supostos 25 anos.

Precedente.

Pagamento em uma só parcela. Impossibilidade, uma vez que o pedido não foi formulado pela parte, sendo defeso ao Juízo deferi-lo de ofício, consoante dispõe o artigo 950, parágrafo único do Código Civil.

Desnecessidade de constituição de capital, visto tratar-se o réu de ente público, cuja solvabilidade é presumida, considerando o baixo valor da indenização arbitrada a título de dano material.

Apelação provida, em parte. Sentença mantida parcialmente em reexame necessário.

Apelação Reexame Necessário: Quinta Câmara Cível

Nº 70010414225: Comarca de Seberi

JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE SEBERI: APRESENTANTE

MUNICíPIO DE SEBERI: APELANTE

IVANDRO CARLOS DA COSTA: APELADO

ROSELI FELISIANO: APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao apelo e manter parcialmente a sentença em reexame necessário.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Leo Lima (Presidente e Revisor) e Des. Pedro Luiz Rodrigues Bossle.

Porto Alegre, 30 de junho de 2005.

DES. UMBERTO GUASPARI SUDBRACK,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Umberto Guaspari Sudbrack (RELATOR)

MUNICÍPIO DE SEBERI apela da sentença que julgou parcialmente a Ação Indenizatória ajuizada por IVANDRO CARLOS DA COSTA E ROSELI FELISIANO, ao efeito de condená-lo ao pagamento de 100 salários mínimos, a título de indenização por danos morais, sendo 50 salários para cada autor, corrigidos monetariamente pelo IGP-M, acrescidos de juros de 6% ao ano, a partir da data da ocorrência do fato ensejador da demanda. Condenou, ainda, o réu ao pagamento de obrigação alimentar, no valor equivalente a meio salário mínimo, na data do efetivo pagamento, sendo 25% daquele para cada autor, cujo pagamento deverá se dar em uma única vez, em sede de execução de sentença, no total de 54 salários mínimos, sendo metade para cada autor e afastou o pleito de ressarcimento por danos materiais. Em face da sucumbência recíproca, determinou que fossem as custas divididas pela metade e fixou os honorários de cada patrono em R$ 3.000,00, sendo vedada a possibilidade de compensação. A exigibilidade das verbas devidas pela parte autora restou suspensa, em face da gratuidade judiciária que lhe fora deferida.

Os autores propuseram a ação visando à reparação por danos morais e materiais advindos da perda do filho Everton Evandro da Costa, o qual caiu em um açude durante passeio no Parque Municipal de Saberi e veio a falecer, em decorrência de afogamento. Aduz o apelante ter a vítima, deliberadamente, se jogado dentro do açude. Afirma não possuir responsabilidade em decorrência deste ato, em virtude de o local não ser acessível ao público, e de não possuir características de piscina pública. Sustenta ter havido negligência dos pais da criança, à época com oito anos de idade, aduzindo a culpa in vigilando destes. Alega não ser possível atribuir a responsabilidade objetiva ou subjetiva do Município em decorrência deste fato, ante a ausência de nexo de causalidade, mencionando haver tão-somente culpa exclusiva da vítima ou de seus pais no evento danoso.

Insurge-se contra o quantum indenizatório fixado na sentença, discorrendo acerca dos critérios utilizados para a fixação do mesmo. Nesta senda, entende ser elevada a condenação arbitrada a título de pensão, requerendo seja esta revista ou minorada para, no máximo, 30% do salário mínimo nacional, na proporção de 15% para cada autor. Afirma ser ultra petita a parte da decisão que o condenou ao pagamento da obrigação alimentar em uma única parcela, correspondente a 54 salários mínimos, acrescentando que tal determinação é benéfica tão-somente aos autores.

Postula o provimento da apelação, a fim de ser afastada a responsabilidade civil do apelante e ser reconhecida a culpa exclusiva da vítima ou de seus genitores. Alternativamente, requer o reconhecimento da culpa concorrente, ao efeito de ser minorado o valor condenatório, a título de danos morais e de obrigação alimentar, para, no máximo, 30% de um salário mínimo. Pleiteia, ainda, a declaração de nulidade da parte dispositiva da sentença que determinou o pagamento da obrigação alimentar em parcela única, em virtude de configurar-se extra-petita.

Contra-razões dos apelados nas fls. 164/166.

Sobreveio parecer do Ministério Público (fls. 175/185), opinando pelo provimento parcial do recurso, tão-somente ao fim de minorar o valor fixado a título de danos morais.

É o relatório.

VOTOS

Des. Umberto Guaspari Sudbrack (RELATOR)

Em breve resumo dos fatos já relatados, destaco que o infortúnio ocorreu no dia 10 de fevereiro de 1999, quando a vítima, Everton Evandro da Costa, acompanhada de seu tio, Gilberto Carlos Ribas, afogou-se em um açude existente dentro do Parque Municipal de Rodeios quando neste local se realizava um evento de “motocross”, estando o parque aberto à visitação pública.

Consoante leitura da inicial, em determinada altura da visita ao parque, a vítima, que contava com apenas 07 anos de idade, teria caído dentro do referido açude, vindo a morrer por afogamento agudo, consoante certidão de óbito de fl. 17. Narra a inicial, ainda, que, no momento dos fatos, a vítima estava acompanhada de familiares, sendo que Gilberto Ribas, seu tio, ao jogar-se nas águas para tentar salvar o menor, também teria falecido.

Manejada a ação contra o Estado, cinge-se a controvérsia, pois, em averiguar a existência de responsabilidade do Poder Público Municipal pelos prejuízos advindos aos autores, em virtude do noticiado acidente, tendo em vista que o açude no qual se afogou o menor Everton situa-se no interior de um “parque de rodeios” de propriedade estatal.

Acolho a preliminar de nulidade parcial da sentença, ou seja, quanto ao pagamento em única parcela da verba do dano material.

Com efeito, a possibilidade de pagamento em apenas uma única parcela do valor atinente à indenização por dano material, no caso pensão vitalícia, era construção pretoriana, objetivando com isso facilitar, por parte da vítima, a fruição do crédito a ser percebido.

Todavia, a parte deveria postular, na inicial, o pagamento único em uma só prestação, não sendo admitido o Juiz decretá-lo de ofício. Este entendimento encontra-se, atualmente, positivado no Código Civil, que estabelece, em seu artigo 950, parágrafo único, que “o prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada em paga de uma só vez”.

Claro está, portanto, que a lei condiciona o deferimento do pedido à postulação prévia da parte. No caso dos autos, todavia, tal requerimento não foi formulado na exordial, razão por que a sentença, neste ponto, é “extra petita”, decretando-se sua nulidade parcial, afastando-se, por conseguinte, tal condenação.

Passo à análise do mérito.

A idéia de reparação civil, segundo lição basilar de direito, reside no princípio do neaminem leadere , ou seja, “de que a ninguém se deve lesar”. A responsabilidade civil, então, seria “a obrigação pela qual o agente fica adstrito a reparar o dano causado a terceiro” (Stoco, Rui in “Tratado de Responsabilidade Civil”, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2001, p.93).

Cuidando-se de responsabilidade civil do Estado, por força de expressa disposição constitucional sobre o tema, a regra é da responsabilidade objetiva, cujo fundamento é a teoria do risco administrativo, segundo o qual está o Poder Público obrigado a reparar o dano por ele causado a outrem por meio de uma ação lícita ou ilícita de seus agentes. Nesta hipótese, bastará ao autor da demanda comprovar a ocorrência do prejuízo e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, porquanto a regra de distribuição do ônus da prova (art. 333 do CPC) é invertida.

De outro lado, quando o prejuízo é conseqüência de uma omissão do Estado, a responsabilidade civil assume contornos diversos, encontrando fundamento na culpa (negligência, imprudência ou imperícia).

Este entendimento de que e a responsabilidade civil do Estado por atos omissivos é subjetiva, foi inaugurado, em nosso ordenamento jurídico, por Celso Antônio Bandeira de Melo em artigo publicado na RT 552/14, posição esta, hoje, aceita pela maioria da doutrina e da jurisprudência.

Em seu “Curso de Direito Administrativo”, o citado autor, quando aborda o tema, defende que “se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu o dever legal que lhe impunha obstar o acesso ao evento lesivo” (in “Curso de Direito Administrativo”, Malheiros Editores, São Paulo, 2002, p. 855).

Raciocínio contrário implicaria atribuir ao Estado a responsabilidade por todo e qualquer ato danoso causado por terceiro. Ao comentar o tema, o doutrinador supra referido, pondera que, “em princípio, cumpre ao Estado prover a todos os interesses da coletividade. Ante qualquer evento lesivo causado por terceiro, como um assalto em via pública, uma enchente qualquer, uma agressão sofrida em local público, o lesado poderia argüir que o serviço não funcionou. A admitir-se a responsabilidade objetiva nestas hipóteses, o Estado estaria erigido em segurador universal! razoável que responda pela lesão ao patrimônio da vítima de um assalto se agentes policiais relapsos assistiram à ocorrência inertes e desinteressados ou se, alertados a tempo de evitá-lo, omitiram-se na adoção de providências cautelares. Razoável que o Estado responda por danos oriundos de uma enchente se as galerias pluviais e os bueiros de escoamento das águas estavam entupidos ou sujos, propiciando acúmulo de água.

Nestas situações, sim, terá havido descumprimento do dever legal na adoção de providências obrigatórias. Faltando, entretanto, este cunho de injuridicidade, que advém do dolo, ou da culpa tipificada na negligência, na imprudência ou na imperícia, não há cogitar de responsabilidade pública”. (op. cit., p. 857).

Portanto, em sede de responsabilização civil do Estado por ato omisso, adota-se a teoria da responsabilidade civil subjetiva, devendo estar caracterizada a culpa do agente público em qualquer uma de suas modalidades.

No caso em tela, verifica-se que existia para a Administração Pública Estadual, ao colocar à disposição da comunidade o acesso de pessoas ao parque para fins de lazer, o dever de zelar pela segurança dos visitantes, especialmente à vista de que no local realizava-se, do dia do infortúnio, um evento público (show de “motocross”) com entrada franca, fato este incontroverso nos autos.

Dos elementos de convicção reunidos nos autos, constata-se notória deficiência das condições de segurança do local destinado ao evento, mormente em relação ao açude. Não há, no feito, prova inequívoca da presença de cercas em volta do açude ou mesmo de placa de sinalização avisando a impossibilidade de mergulhar-se no local.

Neste sentido, as fotos acostadas pelo autor aos autos, nas fls. 20/21.

Ressalta-se, neste ponto, que se o parque não era destinado, de forma habitual, à visitação pública, no dia do fato e, ao franquear o acesso de qualquer pessoa ao local, por força do evento que lá se realizava, a obrigação do ente público de prevenir-se contra possíveis acidentes era ainda maior, considerando, inclusive, a existência de eventual área de risco, como o açude em que os afogamentos ocorreram.

A omissão do Estado, na espécie, consubstancia-se na negligência quanto ao emprego de medidas de segurança plenamente adequadas às circunstâncias específicas do caso.

Para fins de responsabilização, é necessário que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível. Não responsabilidade, a priori quanto ao que seria o padrão tipificador da obrigação a que estaria legalmente adstrito. Cabe indagar, no entanto, que a normalidade da eficiência há de ser apurada em função do meio social, do estágio de desenvolvimento tecnológico, cultural, econômico e da conjuntura da época, isto é, das possibilidades reais dentro do ambiente em que se produziu o fato danoso” (op. cit., p., 855).

Nesse contexto, é de se registrar que, na hipótese, se tivesse o Município observado certos cuidados objetivos, poderia ter evitado o resultado, tendo em conta que, a simples presença de advertência, em tese, poderia ter evitado o fato. Nem se diga, da necessidade de isolamento das zonas de perigo, por exemplo, por meio de grades de madeira, tapume, cordas ou qualquer outro meio a obstar a entrada de pessoas no pequeno açude.

Correta a assertiva esposada na v. sentença recorrida, no sentido de que “o próprio fato demonstra a responsabilidade do réu pelo evento, pois, caso efetivamente se tratasse de local inacessível, como poderia uma criança de sete anos ter chegado até o local? (…). Ora, em se tratando de local perigoso, era de se esperar da administração que o isolasse de modo a impedir as pessoas ou animais tivessem acesso, utilizando-se obstáculos, ou, ao menos, utilizando vigilantes para esse mister, ainda mais quando se tem um evento dessa envergadura ocorrendo nas imediações”.

Neste, ponto, consigna-se que as afirmativas do apelante quanto à existência de cerca no local ou placa de aviso não se mostram verdadeiras, ou ao menos não encontram provas nos autos.

Das testemunhas ouvidas em Juízo, nenhuma delas confirmou a presença de cercas em volta do açude ou mesmo de placas proibindo eventual entrada neste.

José Grassi, embora ouvido como informante, afirmou que “não havia placa proibindo o banho no açude, somente havia placas que proibiam a entrada de pessoas estranhas no portão de entrada, afirmando, ainda, que “no dia do fato o parque estava aberto ao público. (fl. 80).

José Cleomar Reis de Queiroz, organizador do evento de “Motocross”, disse que havia apenas “uma cerca separando o evento de motocross do açude”. (fl. 81).

Oniltom do Amaral disse não recordar o teor da placa. (fl. 82).

Portanto, independentemente de eventual culpa concorrente da vítima, o que restou assentado na sentença e não foi objeto de recurso por parte dos autores, está cabalmente demonstrado ter havido omissão por parte do agente público que, observando certos cuidados específicos, levada em conta a circunstância fática ocorrida no dia do acidente, poderia ter evitado o resultado lesivo.

De outro lado, a tese sustentada pelo apelante, ao longo do recurso, quanto ao fato de ter havido falha dos pais na vigilância do filho, não merece acolhimento.

Conquanto tenha sido apurado, durante a instrução do feito, que o menor não estava acompanhado dos pais quando do fato, bem como tenha restado provado que não caiu do açude, mas de fato neste se jogou para nadar, creio não ter havido omissão dos pais quanto ao dever de vigilância, porquanto no momento do ocorrido o menor estava sob os cuidados de um tio, Gilberto Carlos Ribas, maior de idade, o qual, inclusive, faleceu na tentativa de salvar a criança, estando ausente, portanto, omissão ou falha na vigilância do menor, inclusive porque, quando do ocorrido, inexistia qualquer aviso impedindo a entrada de banhistas no açude.

De outra banda, mesmo que assim não fosse, conforme bem referiu o Ministério Público em seu parecer:

Da mesma forma que incumbia aos pais promover a guarda de seu filho, vigiando-o e impedindo que brincasse em locais inadequados, também incumbia à municipalidade a garantia da segurança dos freqüentadores de seu parque, não somente disponibilizando pessoal para guarda, mas também verificando se o local e as instalações utilizadas apresentavam condições de segurança. (fl.180).

Passo à análise da extensão dos danos.

Segundo a lição de Aguiar Dias, no campo da responsabilidade civil “a culpa da vítima, quando concorre para a produção do dano, influi na indenização, contribuindo para a reparação proporcional dos prejuízos” (In Da responsabilidade Civil, Forense, Rio de Janeiro, 1960, Tomo II, p. 727).

Apenas para não deixar passar in albis, cumpre sinalar que a culpa concorrente, mesmo em se tratando de menor impúbere, é sempre da vítima, e nunca de terceiro, daí porque, mesmo que os pais tivessem agido de forma descuidada, faltando com o dever de vigilância, não se poderia cogitar, como fizeram a sentença e o parecer do Ministério, na origem, de culpa concorrente dos pais. Todavia, a culpa concorrente restou assentada na sentença, sem que a parte interessada, autora, tenha se insurgido contra.

No caso sub judice, conjugam-se, portanto, a negligência do Estado a e imprudência da vítima, a configurar a culpa concorrente, identificada quando “paralelamente à conduta do agente causador do dano, há também conduta culposa da vítima, de modo que o evento danoso decorre do comportamento culposo de ambos”. (Sérgio Cavalierri Filho, Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros Editores, São Paulo, 2002, p. 53).

De assinalar que, cogitando-se de culpa concorrente da vítima, em se tratando, como ocorre, de menor impúbere, melhor seria de aludir a conduta causal concorrente.

Nesta linha de pensamento, há inúmeros julgados da Corte Superior, dentre os quais o RESP Nº. 403.940/to, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 12.08.2002, no qual restou consignado que “o reconhecimento da culpa concorrente tem o condão de reduzir o valor da indenização, sabido, outrossim, que, dentre outros critérios, o grau de culpa deve ser observado no arbitramento do dano moral”.

No caso, a sentença vergastada fixou bem o valor da indenização ao arbitrá-la em 100 salários mínimos, considerando o sofrimento experimentado pelos autores com a morte trágica de filho menor (07 anos). No caso, não se há de cogitar acerca da prova do dano, porquanto ínsito à perda do filho menor, caracterizando-se como in re ipsa.

De outra banda, a pensão fixada aos pais pela morte do filho, “em idade de trabalho tem por termo a data em que a vítima completaria 65 anos (RSTJ 90/155). A partir da data que em que a vítima completar 65 anos, quando presumidamente completar 25 anos e constituiria nova família, a pensão deve ser diminuída de 50%” (RSTJ 105/341, 121/371, 140/400 e 421)”. (op. cit., p. 129).

Neste sentido, portanto, desmerece reparos a sentença, ao fixar a pensão pela morte do filho, em favor dos pais, desde a data em que o menor completaria 16 anos até atingir os 65, reduzindo-se a pensão, pela metade, na data em que completaria 25 anos por ser esta a data que, em princípio, constitui o brasileiro família autônoma.

Cita-se, neste sentido, acórdão do STJ:

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE DE FILHO TRABALHADOR. TERMO FINAL DA PENSÃO.

Assim como é dado presumir-se que o filho trabalhador, vítima de acidente fatal, teria, não fosse o infausto evento, uma sobrevida até os sessenta e cinco anos, e até lá auxiliaria a seus pais, prestando alimentos, também pode-se supor, pela ordem natural dos fatos da vida, que ele se casaria aos vinte cinco anos, momento a partir do qual já não mais teria a mesma disponibilidade para ajudar materialmente a seus pais, pois que, a partir do casamento, passaria a suportar novos encargos, que da constituição de uma nova família são decorrentes.

A pensão fixada, com base nas peculiaridades da espécie pelo v. acórdão recorrido, deve, a partir de quando a vítima viesse a completar vinte e cinco anos, ser reduzida pela metade, assim ficando, caso haja a sobrevida dos pais, até os presumíveis sessenta e cinco anos da vítima.

Também por conta da realidade do nosso cotidiano, a constatação que, nos lares pobres, a colaboração dos filhos menores dá-se antes que eles possam exercer legalmente o trabalho remunerado, sendo, portanto, descabida a projeção do termo inicial da indenização para referida data.

Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

(Resp. 178380, Relator Ministro Cesar Asfor da Rocha, j. em 15/04/1999).

O valor da pensão, ante a ausência de elementos objetivos, deveria ter sido fixado em um salário mínimo vigente à época do efetivo pagamento, metade para cada um dos autores, porquanto, em tese, é o valor mínimo que percebe um trabalhador no Brasil.

Todavia, a sentença fixou a pensão em 50% do valor do salário mínimo vigente à época do pagamento, determinando a divisão deste valor por metade (50%) para cada um dos autores, o que vai mantido.

Finalizando, esclareço que, em se tratando de ente público, não há a necessidade de constituição de capital na forma do artigo 602 do CPC, porquanto sua solvibilidade, observado o valor fixado quanto

à pensão, menos que um salário mínimo mensal, é presumida.

Por estes fundamentos, provejo, em parte, o recurso de apelação, ao efeito de afastar o pagamento da indenização por danos materiais em uma única parcela, confirmando, quanto ao mais, a sentença em reexame necessário.

Des. Leo Lima (PRESIDENTE E REVISOR) – De acordo.

Des. Pedro Luiz Rodrigues Bossle – De acordo.

Julgador(a) de 1º Grau: ILTON BOLKENHAGEN

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