Valor da vida

MP tenta na Justiça garantir seguro de vida da Sul América

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31 de maio de 2006, 20h32

O Ministério Público de São Paulo entrou com Ação Civil Pública na Justiça para garantir a manutenção de seguros de vida de clientes da Sul América. Segundo o MP, aumento das mensalidades pode fazer com que muitos consumidores percam seu seguro.

A ação foi ajuizada pela promotora Deborah Pierri, da 2ª Promotoria de Justiça do Consumidor, e distribuída para a 39ª Vara Cível de São Paulo. Deborah pede a manutenção do contrato de seguro firmado com um número expressivo de consumidores na década de 70.

De acordo com ela, para manter o contrato, muitos dos consumidores terão de pagar em cinco anos prêmios (mensalidades) que se elevam até 1.000%, o que torna a renovação tão onerosa que pode implicar em expulsão de consumidores, muitos deles idosos.

Leia a íntegra da ação

Excelentíssimo Juiz de Direito da _ Vara Cível da Capital.

A 2ª. Promotora de Justiça do Consumidor, calcada no que dispõe os artigos 129, III da Constituição Federal, Lei 7.347/85, Código de Defesa do Consumidor e ainda no Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), vem, perante, Vossa Excelência apresentar a AÇAO CIVIL PÚBLICA, com pedido de LIMINAR, em face de SUL AMERICA SEGUROS DE VIDA E PREVIDENCIA S/A, CNPJ no.01. 704.513/0001-46, domiciliada à Rua Pedro Avancine, no. 73-parte, Jardim Panorama, Caixa postal no.42.338-6, CEP 04218-970, São Paulo, SP, pelas razões de fato e de direito que se seguem.

I – Da legitimidade e interesse de agir:

A missão constitucional do Ministério Público é agir em defesa dos interesses difusos e coletivos (art. 129, III da Constituição Federal). Essa também é a política adotada pelo CDC, pois a combinação dos arts. 81/82, permite o ajuizamento de ação civil de qualquer natureza para tutela dos interesses dos consumidores, pleiteando quando necessário o provimento provisório em defesa da coletividade.

No caso em questão a legitimidade relaciona-se ao objeto da ação, pois a ré, fornecedora de serviços nos termos do art. 3º, §2º do CDC, mantém na sua carteira de segurados, milhares de contratos firmados pelos consumidores desde a década de 70.[1][1]

Esses consumidores estão dispersos nos locais mais distantes desse país, o que dá à causa maior amplitude, pois uma única decisão, deixará milhares de pessoas, principalmente os idosos, em situação mais confortável.

O traço coletivo da presente demanda é que os contratantes mantêm com a ré contrato de seguro de vida, ao que se sabe denominado Programa de Vida – CLUBE DOS EXECUTIVOS (fls. 42). Ocorre, que com esse ou outro nome, os contratos estão embasados nas mesmas cláusulas contratuais padronizadas (CDC, art. 81, II).

Além disso, os interesses dos consumidores têm contornos de homogeneidade (CDC, artigo 81, III), na medida em que, o reconhecimento da demanda, acarretará para a ré o dever de restituir o que tenha sido indevidamente recebido a título de prêmio, bem como, a de responder pelos prejuízos patrimoniais e morais, que sua conduta abusiva e ilícita tenha causado aos consumidores.

O interesse de agir segue na mesma trilha, pois a relação entre os segurados e a seguradora é reconhecida como típica relação de consumo e o exame dos fatos e dos fundamentos, por si só, ensejam o reconhecimento de que há necessidade do ajuizamento da ação civil para a proteção dos segurados, especialmente, porque muitos já em idade considerável e ajustada aos princípios e normas do Estatuto do Idoso.

II – Histórico:

O referido procedimento administrativo foi instaurado a partir de representação feita por segurados, preocupados com a conduta da ré, que em carta padronizada (fls. 03), desde fevereiro de 2006, conclamou milhares de segurados a ajustarem os termos do contrato de seguro de vida.

Vale dizer também, inúmeras reportagens foram juntadas aos autos e expressam a preocupação em torno do tema, perplexidade da sociedade com o trato dado pela seguradora aos mais vulneráveis, pois parte dos segurados são considerados idosos à luz do que dispõe a Lei 10.741/2003.

Apenas para guiar a compreensão deste Juízo, vale a pena fazer um pequeno histórico sobre o mercado de seguro de vida em nosso país.

O ramo do seguro no Brasil foi capitaneado de modo expressivo pelo seguro de vida individual. Entretanto, nas décadas 60 e 70, o seguro de vida em grupo ganhou muita força.

A princípio, implantado para atender grupos formalmente constituídos, particularmente os decorrentes do vínculo de contrato de trabalho, por isso no interesse e com a interveniência do próprio empregador, espalhou-se pelo país por meio dos clubes de seguros, o que abriu espaço para a participação individual nos denominados grupos abertos.

Ressalte-se, a ré, também várias seguradoras, adotavam o regime financeiro da “repartição simples”. Nesse regime não há formação de fundos ou provisões, isto é, o montante dos prêmios arrecadados servem para liquidação dos sinistros, pagamento de despesas administrativas etc.[2][2]

Veremos mais à frente, que a falta de qualquer reserva facilitou a vida das companhias, basta lembrar que a década de 70, foi marcada pela massiva especulação onde as aplicações financeiras no mercado financeiro é que ditavam os negócios das seguradoras.

Arrecadar montantes consideráveis de prêmios exigiu muitas vendas, muitas delas sem critérios rigorosos, nos quais deveriam ser levados em conta, aspectos peculiares das vidas seguradas, valores e outros itens. Esses e outros fatores deram início à crise que se avizinhava e foram jogadas no colo de milhares de vida seguradas.[3][3]

III – Dos fatos:

As soluções das crises e dos descuidos empresariais, quase sempre deságuam no consumidor, basta que se examinem as mirabolantes propostas ofertadas pela ré.

Como já foi dito, a ré, em carta padronizada datada de 22 de fevereiro de 2006, remeteu aos segurados consumidores o “PROGRAMA DE READEQUAÇÃO DA CARTEIRA DE SEGUROS DE PESSOAS”, (fls. 03/205), atendendo às determinações da SUSEP; também “em função do atual contexto econômico e legal, que é avesso à manutenção dos produtos sem atualização monetária ou cláusula de reenquadramento do prêmio de acordo com a faixa etária do segurado”.

Situação parecida com essa foi enfrentada por vários segurados de planos de saúde, que, felizmente, não aceitaram passivamente os desmandos de algumas empresas e tratamento indevido dado por elas aos contratos de longa duração.

Essas situações se revelam no inconformismo dos consumidores dos planos de seguros de vida (Programa de Vida – Clube dos Executivos).

Vejamos, a missiva dirigida ao consumidor “W.B.C”, revelarem as propostas de renovação feita pela ré e propõem (impõem) três opções. Diferem umas das outras especialmente nos itens: cobertura (morte), capital segurado e prêmio:

Opção 1(fls.24):

Capital Segurado Prêmio
Situação atual R$ 67.615,00 R$ 66,21
Situação proposta
(1º. Ano) R$ 67.615,00 R$ 66,21
(2º. Ano) idem R$ 66,21
(3º. Ano) idem R$ 264,02
(****)
(6º Ano)[4][4] idem R$ 479,78

Opção 2 (fls.25):

Capital segurado Prêmio
Situação atual: R$ 67.615,00 R$ 66,21
Situação proposta:
(1º. Ano) R$ 33.807,50 R$ 66,21
(2º. Ano) R$ 33.807,50 R$ 108,84
(3º. Ano) idem R$ 151,48
(****)
(6º. Ano)[5][5] idem R$ 256,58

Opção 3 (fls.26):

Capital segurado Prêmio
Situação atual: R$ 67.615,00 R$ 66,21
Situação proposta:
(1º. Ano) R$ 50.000,00 R$ 66,21
(2º. Ano) idem R$ 135,81
(3º. Ano) idem R$ 205,38
(***)
(6º. Ano)[6][6] idem R$ 363,48

As três supostas opções revelam iniqüidade de tratamento, pois são na verdade imposições aos segurados.

Com efeito, o segurado ou paga os prêmios com reajustes insuportáveis, solução única para a manutenção do capital; ou reduz o capital e pagam-se os prêmios, que em seis anos se elevam em alguns casos em até 1000%, consoante noticias extraídas de vários jornais (fls. 32/41, 65, 89/96).

Pretensamente preocupada com a situação de seus parceiros contratuais, a ré remeteu juntamente com as cartas, o GUIA GERAL – CLIENTES (fls. 56), documento necessário para que se compreenda o problema e a falta de perspectiva dos segurados .

Tome-se, por exemplo, a opção no. 1 e confiram-se os detalhes:

“Os segurados contarão com, praticamente, as mesmas coberturas existentes no contrato atual e os mesmos valores de capitais segurados. É importante notar que, particularmente no caso das coberturas de invalidez, há algumas mudanças importantes em relação às definições, devidas às novas regras, conforme abordado no item “Nova Regulamentação”. Essa Opção é a que melhor se adequa aos segurados que mantém as mesmas necessidades, desde a época da contratação do seguro atual.” (grifos originais).[7][7]

O reajuste do prêmio, levando-se em conta os 5 anos após a aceitação da proposta, é chamado pela ré como melhor opção ou “a que melhor se adequa aos segurados”.

Claro que para a seguradora, cujos resultados no primeiro trimestre apresentaram expressivo crescimento (lucro líquido de R$ 46,5 milhões – segundo balanço enviado à Bolsa), não haveria, fosse o caso, qualquer problema em assumir reajustes contratuais que projetassem elevação em mais de 600% (fls. 69).

Deixando-se de lado outras impressões, verdade é que a leitura do item 10.6.1 de fls. 79, demonstra de forma cabal que, em nosso país envelhecer ainda é um problema sério, mesmo após os direitos dos idosos terem sido especialmente consagrados na Lei 10.741/03.[8][8]

Com efeito, a ré, após 20 ou 30 anos de contratação, criou faixas etárias que não foram estabelecidas pela autarquia federal, mas disciplinadas por ela (fls. 79); ainda sim, a aberração é mais perceptível quando se examinam as duas últimas faixas de idade.

Observem-se os percentuais por faixa etária:

Faixa etária % Mudança por faixa etária
56-60 52,44%
61-65 45,93%
66 27,28%

Vale dizer, embora tenha criado a faixa etária para atender ao (SENHOR) mercado, também não deixou de destacar que, após o segurado completar 66 anos, os anos que se seguirão representarão acréscimos de 10% a cada ano (fls. 80, item 10.6.2).[9][9]

A mesma iniqüidade na opção 2, mas nessa (imposição) o consumidor, verá reduzido o capital pela metade. Risível também é a opção 3, levando-se em conta a carteira de segurados já existentes, pois muitos já superaram a idade limite de 65 anos e conseqüentemente não poderiam usufruir seus direitos; reduzindo-se o capital nos cinco anos seguintes, projetam reajustes dos prêmios em percentuais superiores a 400% para o exemplo do consumidor (WBC), mas que pode ser aproveitado para compreender-se o estrago criado pelas manobras da ré.

Prosseguindo na interpretação desse pacote contratual, vale lembrar, que muitos dos segurados, que haviam optado pela cobertura de invalidez por doença (IPD), perderão essa cobertura, embora o réu diga para o desesperado consumidor, que – “praticamente, as mesmas coberturas do contrato atual”. Tal cobertura, obviamente, é mais do que desejada pelos consumidores, especialmente após o acúmulo de primaveras como é o caso do consumidor “D.A.A”, (fls. 29).

III – Fundamentos jurídicos:

As normas da SUSEP, referidas pela ré também em sua resposta de fls. 103/105, foram editadas para regularização do mercado de seguros de pessoas[10][10], mas, longe disso, não estabeleceram obrigatoriamente as faixas ou percentuais por faixa etárias, nem tampouco os percentuais de reajustes dos prêmios e sua relação com o capital.[11][11]

As faixas e os reajustes por faixas não podem ser aceitos como solução para um problema, que foi criado pela própria ré, especialmente quando essas imposições se constituem em excessiva onerosidade para o consumidor.

Se no longo tempo de existência do contrato havia razão para a revisão dos prêmios, porque a seguradora não cuidou de esclarecer os segurados sobre suas necessidades e sobre os riscos a que seus direitos estavam submetidos.[12][12]

Com efeito, a SUSEP, órgão fiscalizador, pretendendo regularizar os contratos de seguro, exigiu das seguradoras, o que já deveria há muito ter sido feito, real projeção das necessidades das carteiras em longo prazo, mas, abriu brechas para que agora imponham aos segurados prêmios impagáveis ou vergonhosa redução de capital.

Vale lembrar, as novas condições criadas pela SUSEP já são obrigatórias para os novos produtos e disso não tratamos, pois a base são os contratos já em vigor e que precisam a bem da verdade ser adaptados, a despeito de não se concordar com o que está sendo proposto, o que torna a carteira do Clube dos Executivos – Plano Vida numa situação delicada, tendo em vista que o prazo se esgota em 1 de junho de 2006 (fls. 103).

Na hora do desespero os consumidores não têm como se socorrer senão do Poder Judiciário, pois a própria SUSEP se esquiva do problema ao dizer que não controla preços, mas alude que sua gestão às seguradoras para que os reajustes fossem graduais.

O que há de gradual num prêmio que em 5 anos eleva-se mais de 600% como no caso do consumidor “WBC” ?

Isso sensibilizou e ainda sensibiliza não somente os que serão prejudicados pela atitude desairosa da ré, infelizmente agindo de modo similar a outras seguradoras [13][13], mas também vários setores da vida social.

Aliás, apesar de tudo, há boa dose de indignação no povo brasileiro, que repudia o notório enriquecimento ilícito feito nas propostas aos segurados do Clube dos Executivos; bem como, repudia o mau uso da confiança[14][14], depositada pelos consumidores ao longo dos anos. Isso porque, sem a intervenção do Poder Judiciário, os segurados serão injusta e inexoravelmente expulsos da carteira, mesmo após 30 anos de contribuições[15][15].

Mesmo os especialistas na área de seguros concordam que há algo de indevido na conduta das seguradoras. Com efeito, as justificativas dadas aos segurados não são nada convincentes, pois as circulares 302, 316 e 317 da SUSEP não alicerçam os reajustes abusivos dos prêmios.

Isso porque, as variações nos prêmios podem se elevar entre 300% a 1000% sobre o valor contratado no ano de 2006, não é preciso muito para se concluir que os ganhos dos consumidores não chegarão nem perto dessa evolução.

Também custa a acreditar que o cuidado da seguradora seja sincero quando também propõe a redução à metade das coberturas contratadas[16][16].

Ademais, pelo fato dos idosos – maioria dos segurados – encontrarem-se em idade tal que, presumidamente, será improvável a realização de novos planos com outras seguradoras, e, ainda que assim ocorra, tais planos implicaram altos custos. [17][17]

Sabemos que desde 2003 temos uma lei própria de proteção aos idosos (Lei 10.741/2003), mas isso não conseguiu, como de resto não tem sido outra a sorte das leis em nosso país, modificar a cultura jurídica e social sobre a necessidade efetiva, concreta e de se considerar os idosos e outras categorias de consumidores, não mais como simples grupos vulneráveis, mas sim, reconhecer que certos grupos de pessoas estão em situação de hipervulnerabilidade na expressão de H. Benjamin.[18][18]

Mesmo os socialmente privilegiados muitas vezes têm suas finanças comprometidas com situações de envelhecimento, doenças, enfim, simples fatos naturais da vida.

De modo irônico, o jornalista Gaspari sugere aos interessados que os consumidores façam seguro contra companhias de seguros, para que não sejam abandonados no meio do caminho.

Ironias à parte.

Não há porque discordar do fato de que as peculiaridades do segurado são fatores importantes na composição do valor do prêmio. Entretanto, impor prêmios cuja elevação ano a ano tornam-se invencíveis equivale expulsar os segurados de modo brutal.

Utilizar-se de cláusula contratual (renovação e rescisão anunciada) que por mais de 30 anos nunca foi invocada, apenas para impor preços inexplicáveis é exagerado e à luz do Código de Defesa do Consumidor não pode ser acolhida na medida em que se constitui em prática exagerada, adotada em face de quem se encontra em situação de fraqueza ou vulnerabilidade (art. 39, IV, V, art. 51, X, parágrafo 1º).

Com efeito, a ré, deixou sua carteira desequilibrar-se, com certeza não por incompetência, dada a posição ocupada pela empresa no mercado de seguros, mas muito mais pela falta de cuidado com os interesses dos segurados.

Trinta anos atrás, os segurados estavam com saúde, vigor e em pleno desempenho de sua capacidade laborativa. Pagavam prêmios menores, mas sua expectativa de vida era alta.

Isso era muito bom para a seguradora, pois custeada por uma massa de clientes que pouco davam despesas.

Mas onde está a reconhecida competência empresarial da ré, quando a massa de segurados de sua carteira envelheceu?

As seguradoras abordam – oferta e publicidade – de modo a seduzir o consumidor, a fim de não permitir que o mais desconfiado dos segurados imaginasse o abismo que viria a se avizinhar no momento da realização do plano.

Volta e meia a vida sempre surpreende, mesmo os mais experientes não explicam porque a própria seguradora ao invés de impor reajustes absorvíveis pelas finanças aos consumidores, preferiu impor algo que expulse os segurados, escondendo-se sob o manto de pseudo exigências.

Se os segurados pertenciam ao Clube de Executivos, que espécie de associação é essa em que somente os déficits são socializados, mesmo entre aqueles que nunca viram qualquer sinal de desgaste ou insuficiência no valor dos prêmios?

Como esperar que as pessoas joguem anos de confiança no incinerador e que aplaudam a competência da seguradora em não lhes propor nada possível?

Quantos não prefeririam ter morrido e não estar na iminência de perder todas as expectativas?

Essa é a tragédia anunciada, pois os percentuais de reajustes propostos, amargam ainda mais o senso de falta de proteção, desamparo e de impunidade.

Para Arnaldo Rizzardo[19][19], há patente incompatibilidade com a boa-fé e a eqüidade (art. 51, inc. IX do CDC) quando o segurado, ao atingir idade de maior incidência de fragilidades, simplesmente for surpreendido com a comunicação de não mais interessar a renovação.

O autor embasa tal afirmação na “catividade”, característica do contrato de seguro reconhecida pela doutrina, isto é, a execução que se protrai no tempo envolve expectativa de que os parceiros estejam juntos e para o consumidor, gera expectativa de continuidade nas coberturas. Tal conceito muito se evidencia nas palavras de Demócrito Ramos Reinaldo Filho, invocado por Rizzardo:

“O consumidor mantém uma relação de convivência e dependência com o fornecedor por longo tempo (às vezes por anos a fio), movido pela busca de segurança e estabilidade, pois, mesmo diante da possibilidade de mudanças externas na sociedade, tem a expectativa de continuar a receber o objeto contratualmente previsto (…). Após anos de convivência, pagando regularmente sua mensalidade, e cumprindo outros requisitos contratuais, não interessa a ele desvencilhar-se do contrato, mas sim de que suas expectativas quanto ‘a qualidade do serviço oferecido, bem como da relação dos custos sejam mantidas (…). Nessa condição, a única opção conveniente para o consumidor passa a ser a manutenção da relação contratual”.

III – O contrato de seguro de pessoas e a nova teoria contratual.

Aliás, em matéria de seguros interessa-nos as lições de Claudia Lima Marques:

“Deve presumir a boa-fé subjetiva dos consumidores e se impor deveres de boa-fé objetiva (informação cooperação e cuidado) para os fornecedores, especialmente tendo em conta o modo coletivo de contratação e por adesão. O valor pago pelo seguro deve ser aquele especificado na oferta, o qual despertou a confiança do consumidor e sobre o qual pagou suas contribuições[20][20]. (grifos não originais)

Tratando-se de seguro de vida, é necessário compreender que esse tipo de contrato tem por objetivo “garantir a pessoa do segurado contra riscos a que estão expostas sua existência, sua integridade física e sua saúde”. [21][21]

Esse vínculo, mantido entre segurado e seguradora, cuida-se, inegavelmente, de relação de consumo (CDC, arts. 2º e 3º), daí porque, plenamente aplicável às regras contidas no Código de Defesa do Consumidor[22][22].

O agir da ré e o seu pensamento empresarial são contrários às cláusulas gerais dos contratos[23][23], como a boa-fé objetiva, a função social da empresa, entre outras, principalmente porque, revelam absoluta falta de profissionalismo, como se presume de suas atitudes: carteira velha – risco aumentado – hora de expulsar os consumidores.

A seguradora ofertou aos consumidores um pacote de maldades, que, obviamente, não serão aceitas pelos segurados em sua grande maioria, dado a extrema onerosidade, o que só traz vantagens à seguradora.

Ética, socialidade, boa-fé objetiva e a própria função social da empresa não parecem ser termos facilmente encontrados na cartilha da ré.

Sua manobra fere a lealdade que se espera das seguradoras, pois sob o pretexto de ter sido obrigada a readequar o contrato, impôs condições tão onerosas que somente colocam o consumidor em situação desvantajosa.

Esconder-se nas supostas exigências, que teriam sido impostas pela SUSEP, foi fácil, mas isso não altera a realidade de que sua postura visa expulsar os segurados, quebrando seu dever anexo ao contrato de seguro.

Com efeito, antes os segurados cooperaram com os resultados empresariais, mas hoje, quando estão cada vez mais próximos do fato inexorável (morte, incapacidade por doença etc), são tratados como um peso para seus negócios.

Seu agir não é condizente nem mesmo com visão mais tradicional dos seguros.[24][24]

Nessa esteira, vê-se que as seguradoras, ao ofertarem um produto cuidam de calcular com precisão o prêmio, pois é essa competência sobre os cálculos, sobre o gerenciamento da carteira e outros aspectos empresariais que irá determinar os resultados favoráveis à empresa.

Isso serve a qualquer tipo de seguro, muito embora nos seguros de longo prazo, como são os seguros de vida, atuais seguros de pessoas, isso seja um pouco diferente, pois o quadro factual pode sofrer alteração ao longo do tempo, por exemplo, aumento repentino da sinistralidade, contingências econômicas e outros aspectos.

De qualquer forma, no seguro de vida o objetivo é “garantir a pessoa do segurado contra riscos a que estão expostas sua existência, sua integridade física e sua saúde”. [25][25]

Entretanto, ao propor medidas de reajustes para a garantia da carteira, as seguradoras devem utilizar sua credibilidade, conquistada ao longo dos anos, não se esconder atrás da SUSEP, para impor reajustes abusivos e sem nenhuma transparência.

Isso é exatamente o proposto pela ré, pois como gestora da carteira, mesmo tendo a responsabilidade de ter calculado, recebido e administrado o montante dos prêmios, não tomou as medidas adequadas ao longo do tempo, preferindo expulsar os segurados no momento em que mais precisam da competência e da credibilidade das grandes companhias.

Ao longo desses trinta anos foi no que os segurados acreditaram. Entretanto, atualmente, como personagens de um enredo tragicômico, muito dos segurados lamentam não terem morrido.

As seguradoras, a ré e a própria SUSEP, olvidam-se que o atual panorama de proteção contratual é muito diverso.

Com efeito, não há abrigo para o exercício de pretensões meramente individualistas.

Aliás, dada sua importância, os contratos estão comprometidos com a função social, isto é, cercados pelos princípios da probidade, equidade, boa fé e menos influenciados pelo dogma da autonomia da vontade.[26][26]

Em matéria de seguros, interessa-nos a seguinte lição:

“Deve presumir a boa-fé subjetiva dos consumidores e se impor deveres de boa-fé objetiva (informação cooperação e cuidado) para os fornecedores, especialmente tendo em conta o modo coletivo de contratação e por adesão. O valor pago pelo seguro deve ser aquele especificado na oferta, o qual despertou a confiança do consumidor e sobre o qual pagou suas contribuições”. [27][27] (grifei)

E ainda:

“O contrato de seguro é um contrato da mais absoluta boa fé entre as partes. Esta exigência legal é tão forte que, além da boa fé exigida pelo Código Civil e pelo Código de Defesa do Consumidor para os contratos em geral, o contrato de seguro tem artigo específico do Código Civil, impondo a boa fé para o segurado e para a seguradora durante toda a sua vigência. Esta exigência triplamente reforçada leva à premissa de que o contrato de seguro é um contrato de boa fé objetiva, que transcende o conceito de boa fé subjetiva, pelo qual uma das partes conscientemente não deve causar dano à outra. Simplificando, sendo de boa fé objetiva, o contrato de seguro exige que, mesmo independentemente de sua vontade, uma das partes não cause dano à outra. Assim, caso uma delas deixe de respeitar o princípio, fica sujeita a sanções legais graves, que podem chegar até o cancelamento da apólice pela parte vítima da má fé, além de todas as outras cominações que incidam contra ela em função de seu ato. E, insistia-se, a regra vale para segurado e para seguradora. A seguradora é a administradora do mútuo composto pelos prêmios pagos pelos seus segurados e que tem por finalidade pagar as indenizações que os atinja, além de dar lucro para a seguradora. Para gerir o mútuo, ela é remunerada e sua remuneração deve estar incluída no chamado prêmio comercial, que é a soma total dos sinistros esperados, com as despesas administrativas, comerciais, impostos e com a sua remuneração e margem de lucro. Quem faz esta conta é ela, assim é ela quem determina o preço do seguro. Como eu expliquei no artigo passado, se esta conta for feita corretamente, e não acontecer nenhuma catástrofe que desequilibre o mútuo, a seguradora não só é bem remunerada, como tem lucro, e bom. Todavia, se a conta for mal feita, ou a seguradora baixar indevidamente seus prêmios, ela pode ter prejuízo e este prejuízo deve ser suportado por ela, porque faz parte do risco do próprio negócio. É evidente que a seguradora, em caso de prejuízo, deve corrigir seus rumos, acertando os prêmios defasados. Mas este acerto é para frente, não lhe cabendo o direito de se ressarcir de prejuízos passados onerando os seguros futuros. Eu não tenho acesso às planilhas das companhias que estão pretendendo acertar prêmios de apólices de vida em grupo em patamares de até 100%, por conta das novas regras da SUSEP para este tipo de seguro. De qualquer forma, as novas regras da SUSEP – ainda que capazes de gerar problemas sérios, por conta de estarem mal redigidas em alguns pontos cruciais, que podem levar inclusive à interpretação pelo judiciário de que houve extrapolação das funções do órgão – não determinam em nenhum momento que as apólices em vigor devam ser reajustadas, muito menos em patamares próximos aos 100% do valor do prêmio. Aliás, justamente para evitar este tipo de situação, as novas regras, que só entram em vigor depois de junho, acabam com a chamada taxa média, adotando o mesmo princípio das faixas etárias, já em vigor nos planos de saúde privados. Pena que elas não tenham ido além, adotando outro princípio importante da lei dos planos de saúde privados, que é o que impede a seguradora de cancelar a apólice quando o risco do cidadão aumenta. Se esta regra já fizesse parte das apólices de seguros de vida em grupo, com certeza, centenas de segurados não estariam na situação constrangedora em que se encontram, depois de terem pago prêmio por mais de 30 anos. Por outro lado, não custa lembrar que não faz muito tempo, baseadas em aumentos autorizados pelo Supremo Tribunal Federal para planos de saúde anteriores à lei de 98, algumas empresas fizeram os reajustes numa única vez, desencadeando uma série de liminares contra elas que até hoje não permitem que estes produtos tenham seus preços corrigidos. Assim, antes de tudo, é importante baixar a bola, esfriar a cabeça e não se imaginar super-herói com poderes para fazer o que quiser. O tiro pode sair pela culatra”. [28][28]

Com efeito, além de ser de consumo, os contratos de seguro de pessoas pertencem à categoria de contratos de longa duração, denominados também como contratos relacionais ou de serviços contínuos. Esses se contrapõem aos contratos descontínuos (v.g. compra e venda), caracterizados pela transação instantânea, completa, rápida e impessoal.

Nos contratos relacionais criam-se relações jurídicas complexas, pois o consumidor mantém vínculo de dependência com o fornecedor (v.g. seguros em geral, previdência privada, instituições financeiras e seguro-saúde). [29][29]

IV – A conduta da ré e a defesa dos consumidores.

Inicialmente importa considerar que de acordo com a política nacional das relações de consumo devemos reconhecer, desde logo, a vulnerabilidade do consumidor (CDC, art.4, I), tendo em vista sua hipossuficiência, marcadamente presente nesse tipo de contrato no qual a dependência se protrai por longos anos, sendo uma de suas principais características.

Nesse particular, observa-se na descrição dos fatos, o quanto a ré aproveitou-se da vulnerabilidade dos consumidores.

No caso concreto observa-se que a seguradora ré, prevalecendo-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, incidiu em prática abusiva (CDC, art. 39, IV).

Isso é perceptível no exame das cartas, enviadas aos consumidores, nas quais a ré exige vantagens manifestamente excessivas, pois pretende submeter seus parceiros contratuais a opções cujos prêmios são impagáveis ao cabo de 5 anos, mas cujas vantagens atendem unicamente aos seus interesses, (CDC, art. 39, V).

Além disso, a ré incide na prática prevista no inciso XI do mesmo dispositivo, pois impõe aos consumidores reajuste por faixa etária, o que não estava previsto no contrato e nem é exigido pela SUSEP, pois como bem disse nas cartas “a proposta de substituição do seu seguro atual por uma das opções sugeridas a seguir, ocorre em função do atual contexto econômico e legal, que é avesso à manutenção de produtos sem atualização monetária ou cláusula de reenquadramento do prêmio de acordo com a faixa etária do segurado”, isto é aplicação disfarçada de fórmula de atualização não prevista no contrato anteriormente pactuado.

Sabedora de que os segurados não terão, de fato, qualquer opção, pois o mercado irá cobrar dos consumidores preços infinitamente mais altos, principalmente dos mais idosos, a ré, de modo prepotente ou ao menos descuidado, não justifica a razão pela os consumidores terão que enfrentar, nos 5 anos que se seguirão, reajustes em percentuais impagáveis. Essa falta de transparência e de parceria trai os princípios da confiança, solidariedade e da boa-fé objetiva, que permeavam o vínculo contratual até então.

À falta de regulação própria, como a que ocorreu em 1998 nos seguros- saúde e o complemento que lhe emprestou o Estatuto do Idoso, os seguros de vida (pessoas) também não se regem pelo excessivo individualismo, especialmente porque todos os contratos são baseados na ética, socialidade e boa-fé. [30][30]

Isso tudo, permite-nos afirmar que a sua conduta é abusiva à luz do que dispõe os artigos 4º, III, 39, V e 51, IV, todos do Código de Defesa do Consumidor.

V – Reenquadramento como simulação de manifesta rescisão unilateral do contrato de seguro.

Verificam-se, nos documentos em anexo, que as três propostas adotam os novos termos, parcialmente em cumprimento das Resoluções e Circulares da SUSEP, mas principalmente para atender aos interesses exclusivos da ré, exclusão do IPD, utilização de faixa etária como fator de atualização.

Isso, na verdade, possibilita à ré um aumento considerável do prêmio e também a transferência dos riscos empresariais.

Ressalte-se, a conduta da ré implica em rescisão unilateral do contrato, o que lhe é vedado à luz das diretrizes traçadas pelo artigo 51, incisos XI, XIII e XV, todos do Código de Defesa do Consumidor.

Entretanto, necessário invocarmos o fato de que, muito antes da edição do Código de Defesa do Consumidor, o Decreto-lei no. 73/66 já vedava a rescisão unilateral dos contratos de seguro.

Nem se argumente que não houve rescisão contratual, mas simples ‘não renovação’, pois isso é fechar os olhos à interpretação justa, que deve ser infinitamente maior à engenharia empresarial da ré, que mascara sua intenção em rescindir unilateralmente o contrato.[31][31]

Toda essa conduta deve ser rechaçada pelo Poder Judiciário, pois abrir a possibilidade de alteração das condições de um contrato, com a imposição de um novo padrão contratual, representa violação do Código de Defesa do Consumidor (arts. 4, I e III; 39, IV, V, X, XI; 51, IV, X, XI, XII e XV), na medida em que transfere os riscos da atividade econômica da seguradora, coloca o consumidor em desvantagem exagerada, é incompatível com a boa-fé e a eticidade dos contratos, implica em variação unilateral do preço e, em resumo, está em desacordo com o sistema de defesa do consumidor.

Nem se argumente que o Código Civil (art.774) impede a renovação sucessiva e automática, porque não é disso que se trata a presente demanda.

Com efeito, o objetivo do ditame é evitar continuidade desligada da realidade, possibilitando a reavaliação dos riscos, com a adequação que atenda aos interesses dos dois contratantes.

Sobre o assunto, invoca-se a decisão do 2o. Tribunal de Alçada Civil, pois é um paradigma a ser seguido:

“Ressalte-se que o contrato de seguro privado é um acordo de vontade bilateral e oneroso, avençado entre o consumidor, denominado segurado e o fornecedor de serviços, denominado sociedade seguradora, que gera a obrigação do segurado de pagar o prêmio de seguro e da seguradora pagar a indenização fixada na proposta, ou na apólice de seguro. Assim sendo, aceita a proposta na contratação do seguro, deve-se observar rigorosamente o princípio da proporcionalidade e bilateralidade do ajuste pactuado pelas partes. Não se trata de compelir a agravante a contratar seguro contra sua vontade, ou tornar perpétua a relação com o segurado, a possibilitar a extinção do vínculo contratual apenas com a sua morte, mas de determinar que a agravante cumpra com suas obrigações até mesmo por força do disposto no artigo 13 do Decreto-lei 73, de 21 de Novembro de 1966, que veda a rescisão unilateral dos contratos de seguro ou por qualquer modo subtraiam sua eficácia e validade além das situações previstas em lei. ‘As cláusulas do contrato de seguro devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor-segurado (art. 47 da Lei 8.078/90)’. Nesse sentido: Marcelo da Fonseca Guerreiro – Seguros Privados, Forense Universitária, pág. 13/7”. [32][32]

Enfim, não é possível que o Poder Judiciário dê guarida à manobra da seguradora, permitindo que a mesma abuse impunemente do direito e por via oblíqua impondo condições tão desfavoráveis sem qualquer esclarecimento e sem a mínima conduta, leal, ética e que atenda à função social do contrato.

VI – Responsabilidade por danos morais e patrimoniais

A conduta da ré é abusiva e contraria a boa-fé objetiva.

Com efeito, na formação do contrato a seguradora deve tomar todos os cuidados para aceitar o segurado, colhendo de modo profissional os mais amplos dados sobre as peculiaridades do contratante.

Também é de sua atividade calcular com o máximo de profissionalismo todas as circunstâncias que cercam o contrato, projetando de modo objetivo as previsibilidades (v.g. doenças, idade).

Aliás, em seguro, a técnica atuarial é de especificidade tamanha, que o consumidor é posto naturalmente na posição de hipossuficiência em relação às seguradoras.

Entretanto, necessário relembrar que a natureza do contrato é relacional, por isso na sua interpretação é indispensável a observância dos seguintes valores: boa-fé, probidade (CC, art. 422), entre outros .

Sobre isso, Ronaldo Porto Macedo Júnior, na sua obra ‘Contratos relacionais e defesa do consumidor’, recomenda a revalorização dos princípios da boa-fé, justiça e equilíbrio contratual, pois isso tudo potencializa o reconhecimento das circunstâncias fáticas concretas, permitindo ao intérprete examinar o contrato não simplesmente como um padrão fixo de aplicação inexorável.

Devemos então considerar que o novo Código Civil adotou o sistema das denominadas cláusulas gerais, como, por exemplo, a boa-fé[33][33], justamente para dar mobilidade ao sistema jurídico.[34][34]

Posto isso, devemos lembrar que um dos princípios que estruturam a boa-fé objetiva é o “venire contra factum proprium”, também conhecida como teoria dos atos próprios.

Por essa teoria protege-se uma das partes contra a ação da outra, que pretende praticar atos contrários ao comportamento anteriormente assumido, isto é, se uma das partes agiu de determinada forma durante qualquer das fases do contrato não é admissível, que em momento posterior aja em total contradição com a sua própria conduta anterior.

Esse é o caso da seguradora, pois por anos a fio conduziu-se no mais absoluto silêncio, renovando e renovando, mas querendo parecer indene de qualquer má conduta, propõe a renovação sabedora de que poucos são os que terão condições de arcarem com os reajustes propostos.

Nessa medida, perfeita a lição de Sylvio Capanema de Souza:

O principio da boa-fé objetiva exige que os contratos tenham equações econômicas razoavelmente equilibradas.Não que seja pecado ou crime lucrar no contrato, pois ninguém contrata por diletantismo ou altruísmo, todos nós contratamos para tirar do contrato um proveito econômico principalmente numa sociedade capitalista como a nossa. Só que esse proveito econômico agora tem um limite da construção da dignidade do homem, da eliminação da miséria, das injustiças sociais, fazer com que os contratos não estejam apenas a serviço dos contratantes, mas também da sociedade, construindo o que se convencionou chamar o estado do bem-estar”.[35][35]

Considere-se que, os contratos, como fontes de obrigações, implicam em responsabilidades. Sua inexecução enseja reparação do dano.

Também releve-se:

Se o contrato é uma fonte de obrigações, a sua inexecução também o é.Quando ocorre a inexecução , não é obrigação contratual que movimenta o mundo da responsabilidade. O que se estabelece é uma obrigação nova, que se substitui á obrigação preexistente no todo ou em parte: a obrigação de reparar o prejuízo conseqüente á inexecução da obrigação assumida. Essa verdade se afirmará com mais vigor se observarmos que a primeira obrigação(contratual) tem origem na vontade comum das partes , ao passo que a obrigação que a substitui por efeito de inexecução , isto é, a obrigação de reparar o prejuízo advém, muito a contrario, contra a vontade do devedor:este não quis a obrigação nova, estabelecida com a inexecução da obrigação que contratualmente consentira. Em suma: a obrigação nascida do contrato é diferente da que nasce de sua inexecução”[36][36]

Vejamos sua proposta:

“Por outro lado, o modelo relacional tem também um caráter normativo e prescritivo. Assim é que ele recomenda uma revalorização e ampliação do uso do princípio da boa-fé, justiça e equilíbrio contratual como princípios capazes de orientar os agentes contratuais e operadores do direito na direção do reconhecimento das circunstâncias fáticas concretas. A boa-fé serve como princípio mediador entre o formalismo do direito e o reconhecimento da plasticidade das relações e funções econômicas de troca e pressupostos de racionalidade e premissas valorativas. Por outro lado, o reconhecimento da natureza relacional dos contratos aponta para a importância dos princípios de cooperação e solidariedade”. [37][37]

Mais à frente, ao abordar as regras de interpretação oferecidas pela teoria relacional, anota:

Dentre os teóricos relacionais, um grupo acredita que os juízes devem ser guiados por normas que transcendem a relação. Eles devem ser guiados pelo sentido daquilo que a sociedade entende por justo, distributivamente justo e adequadamente participatório. Um segundo grupo argumenta que os juízes devem derivar as regras das ‘normas internas da relação’ e proteger as expectativas geradas. (…) É certo que, ao contrário da teoria clássica, a teoria relacional não oferece regras simples e seguras para a interpretação contratual. Um primeiro passo seria o reconhecimento de que os contratos relacionais devem ser interpretados a partir da percepção de que as partes estão na relação. Por outro lado, os juízes não podem ignorar que, além dos valores internos da relação, há valores sociais, externos aos contratos, como as idéias de equilíbrio e justiça distributiva”. [38][38]

Nessa busca pelo equilíbrio e pela justiça distributiva, afirmamos a responsabilidade da ré pelos danos patrimoniais e morais, causados aos consumidores individualmente considerados e que, por força do Código de Defesa do Consumidor (art.81,III) têm suas pretensões defendidas na presente demanda.

Inicialmente, convém dizer que a empresa deixou-se, ao longo do tempo em que o segurado esteve sob a sua “proteção”, na mais pura inércia, sem que houvesse de sua parte a readequação no mínimo dos prêmios, valores necessários à manutenção do equilíbrio econômico apenas foi corrigida.

Mas, sabe-se lá porque, uma vez que a própria carta enviada aos segurados é extremamente genérica, a ré quebrou a relação de confiança mantida com os consumidores.

Aliás, sobre o seguro de vida e as novas alterações propostas pela SUSEP, leia-se os precisos esclarecimentos de Antonio Penteado Mendonça, advogado especializado em seguro e previdência, que indicam subliminarmente a motivação das seguradoras para adotarem essa estratégia de expulsão.

Vejamos:

A base do negócio de seguro se chama mutualismo. Nesta operação, a soma das contribuições de todos os segurados, calculada de forma proporcional ao risco individual de cada um dentro do mútuo, forma um fundo comum com a finalidade específica de indenizar sinistros futuros, previamente determinados pelos participantes do grupo. Daí decorre que o fundo não pertence à seguradora, mas aos seus segurados. A seguradora é a gestora do fundo. É quem tem a obrigação de zelar pela sua integridade, tomando todas as medidas necessárias para preservar os recursos, utilizando-os apenas para pagar os sinistros cobertos, as despesas operacionais, administrativas e comerciais e os impostos devidos. Para fazer isso, a seguradora calcula um percentual para custear suas despesas e seu lucro, que é incorporado ao preço do seguro. Quando a conta da seguradora bate, no final do exercício fiscal ela saca sua parte do dinheiro, fazendo jus ao lucro que teve. Após isso, ela recalcula a operação, somando ou subtraindo as novas variáveis que podem interferir no negócio para definir o preço básico da carteira, que será novamente rateado de forma proporcional entre seus segurados. Ao contrário do que se pensa, as seguradoras não correm riscos, elas aceitam riscos, o que é completamente diferente. Quem corre um risco e por medida de proteção o transfere para a seguradora é o segurado. A seguradora aceita os riscos que lhes são propostos com base em estudos profundos, baseados em experiência passada, estatísticas, tábuas atuariais e mais uma série de medidas técnicas e operacionais que a protegem de eventuais desvios além do calculado por ela como tolerável para o negócio, levando em conta o total da carteira, ou seja, o desempenho e o resultado do mútuo composto para fazer frente àquele determinado tipo de risco. Assim, se o cálculo do prêmio é bem feito, se a aceitação dos seguros for feita levando em conta as tipicidades de cada proposta e durante o exercício não acontecer um fato que modifique a realidade dos riscos assumidos, dificilmente a seguradora deixa de ter um resultado final positivo, bastante próximo do previsto por ela quando da estruturação do negócio. Esta regra vale para praticamente todos os seguros anuais, que são a maioria das apólices brasileiras. Neste grupo estão os seguros de automóveis, incêndio, lucros cessantes, responsabilidade civil, roubo, equipamentos de todos os tipos, etc. São seguros que não implicam numa continuidade quase que automática, seja por hábito, seja porque o produto tem um melhor custo x benefício permanecendo numa única companhia. O problema é que outros seguros ou planos de proteção são desenvolvidos para serem produtos de longo prazo e, com o passar do tempo, a realidade inicial pode ir se modificando, em função de uma série de fatores que no Brasil são ainda mais delicados, dada a nossa capacidade de entrar e sair de crises em ciclos relativamente rápidos. Entre estes fatores, merecem destaque o envelhecimento da massa segurada, o aumento da sinistralidade em função de causas externas, a modificação do cenário político, o aumento da violência, alterações climáticas, etc. Todos eles podem impactar um plano de seguros, exigindo que a seguradora faça um acerto de rumo, readequando os prêmios para manter a solidez e a estabilidade do mútuo. Esta regra é particularmente verdadeira em produtos como os seguros de vida em grupo e os planos de saúde, que, por suas tipicidades, ficam sujeitos antes de tudo ao envelhecimento da massa que compõe o mútuo, desequilibrando sua solidez pelo aumento da sinistralidade. Assim, nada mais lógico que a seguradora providencie os acertos necessários para adequar o plano aos seus custos reais, mas isto deve ser feito com transparência, informando os segurados, e de forma gradativa, já que não há hipótese, exceto a incompetência da empresa ou a justiça brasileira, que justifique um reajuste de preço exagerado feito de uma única vez”. [39][39]

Se o mercado securitário não absorveu a suposta necessidade indicada nas missivas, imagine-se outros setores da sociedade civil e os próprios interessados, que não compreendem a estranha posição das seguradoras, pois os reajustes propostos serão, em cinco anos, tão agressivos que não convencem ninguém em aceitá-los.

A explicação, de fato, talvez tenha sido dada pelo articulista:

“A Sul América lucra. Empresa tradicional, livra-se de uma lambança na qual alguém, fez alguma conta errada e agora quer que a freguesia pague o pato”.

Mas, há outra solução.

Sua compreensão inicia-se pela Constituição Federal (art.5º, XXXII, XXXV).

Perpassa pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, inc. VI).

Invade a responsabilidade objetiva do fornecedor pelos danos causados (CDC, arts. 12/25).

E finaliza com o abuso de direito (CC, art. 187)[40][40], aliado aos vários dispositivos que cuidam da boa-fé objetiva.[41][41]

A ré abusou de seu direito em ajustar os prêmios, condições contratuais, sob o falso pretexto de readequar o contrato, impondo aos segurados, condições impensáveis e incompatíveis com aqueles que por anos tiveram cautela e cuidado com os efeitos econômicos de uma invalidez e com os resultados econômicos para seus beneficiários quando o evento fosse a morte.

Sobre o abuso de direito, diga-se com Paulo Nader:

“espécie de ato ilícito, que pressupõe a violação de direito alheio mediante conduta intencional que exorbita o regular exercício do direito subjetivo. (…) O abuso de direito tanto é modalidade de ato ilícito, que enseja ação reparadora, promovendo o retorno ao status quo ante ou, quando isto não é possível, à indenização”. [42][42]

A conduta da ré em não renovar ou oferecer novas condições contratuais configura abuso de direito, previsto no artigo 187 do Código Civil capaz de gerar a responsabilidade pelos danos causados.

A expectativa legítima dos consumidores-segurados era de continuarem com o vínculo contratual, especialmente depois de longos anos , quando muitos consumidores já atingirem a idade mais avançada, o que lhes dificulta, sobremodo, obter no mercado de seguro preço e condições razoáveis.

Essa expectativa era previsível. Isso, aliás é o que se vende quando seguradoras comercializam seus produtos.

Seguradoras que trabalham com a cartilha da ética, da cooperação, da solidariedade, vêm com naturalidade a travessia dos consumidores de uma margem à outra, até que encontrem, como no conto de Guimarães Rosa, a terceira margem do rio.

Então, se, de fato, fosse necessária a perda das coberturas contratadas, se há justa razão para que os prêmios se elevem de tal modo que os consumidores não possam pagar, porque a competência da seguradora não foi utilizada em favor de todos e se permitiu receber e receber prêmios.

Embora, não seja necessário, indiscutivelmente, há sinais de dolo por parte da ré.

Logo, pela responsabilidade subjetiva ou objetiva a ré deve ser responsabilizada pelos danos causados.

Interessa-nos, notadamente, fundamentar a responsabilidade da seguradora pela quebra dos deveres anexos ao contrato, especialmente porque a ré não observou a cláusula geral da boa-fé objetiva.

O sentido desses deveres foi bem explorado:

“Os deveres secundários ou anexos, decorrentes da boa-fé, estão presentes em todo o processo dinâmico da relação jurídico-contratual, ou seja, em todos os seus momentos: pré-contratual ou de formação do contrato, de conclusão e de execução do contrato, e mesmo após a extinção do vinculam obligaciones, como acima nos referimos. Numa síntese, afirmamos, com Clóvis do Couto e Silva, que o dever que promana da concreção do princípio da boa-fé é o dever de consideração para com o alter, ou seja, o dever de consideração e respeito dos interesses da outra parte contratual, tão ausente nos contratos celebrados mediante adesão a condições gerais pré-redigidas. (…) Também os deveres de cooperação e auxílio, para que os fins visados pelos contratantes possam ser alcançados; estes deveres são próprios da fase de execução do contrato. Todos os deveres anexos podem ser considerados deveres de cooperação, os quais são imprescindíveis antes, durante e após a extinção do vínculo contratual. (…) Fala-se, ainda, do dever de proteção ou segurança, que alcança as obrigações de garantia, evicção, etc.; do dever de lealdade, de probidade, dever de corresponder às expectativas despertadas na outra parte (proteção da confiança), dever de não abusar ou, até mesmo, de se preocupar com a outra parte (dever de proteção); de deveres de indicações, atos de proteção, como o dever de afastar danos, atos de vigilância, da guarda de cooperação, de assistência ou de bom atendimento no pós-venda, deveres estes que, na sua maioria, se manifestam após a extinção do vínculo obrigacional principal”. [43][43]

A cláusula geral da boa-fé objetiva nos contratos relacionais, cria o dever anexo de cooperação.

“Cooperar é colaborar com o outro que deseja ou necessita manter os contratos cativos de longa duração (forçando distratos fictos, rescisões e induzindo o fim do vínculo. Cooperar é, em resumo, não criar barreiras contratuais para que o ‘outro’consiga alcançar os seus fins legítimos no contrato”. [44][44]

Isso é que ocorreu com a seguradora ré, descumprimento do dever de cooperar, criando obstáculos dispensáveis para que os consumidores possam alcançar os fins legítimos combinados no início da relação contratual.

Contrato não cumprido implica em responsabilidade pelos danos que tenham sido causados aos segurados, nesse caso mais do que presumido, já que após 30 anos suas expectativas foram lançadas no chão.

A boa-fé impõe também o dever de cuidado com o outro, no caso das relações de consumo, tal dever é do fornecedor (CDC, 8º, 10, 12 etc).

“Quanto ao dever anexo de cuidado, como mencionamos anteriormente, é este uma obrigação acessória no cumprimento do contrato que tem um fim duplo, de preservar de um lado o contratante de danos à sua integridade pessoal (moral ou física), e de outro a integridade de seu patrimônio. Este dever encontra-se hoje bastante valorizado, uma vez que a possibilidade de participar e ter acesso ao mundo do consumo, isto é, ser um homo economicus e desenvolver uma personalidade econômica ou um patrimônio, é considerada um valor em si mesmo, nos tempos atuais”. [45][45]

Como dissemos, o descumprimento desses deveres, na fase pré-contratual ou pós-contratual, gera responsabilidade pelos danos eventualmente causados a outra parte. Na primeira fase, fala-se em culpa in contrahendo e, na segunda, em culpa post pactum finitum. Se o descumprimento ocorrer no âmbito contratual (conclusão e execução do contrato), ele poderá dar causa à rescisão ou resolução do contrato ou declaração de nulidade ou de ineficácia de cláusula contratual, conservando-se o contrato nesta última hipótese, se possível, além do dever de reparação dos danos eventualmente causados por esse descumprimento.

Claro está que o patrimônio despendido para embasar a legítima expectativa deve ser devolvido, retroagindo-se à data da citação, a fim de que haja a recomposição dos danos causados.

Além disso, leve-se em conta os danos morais sofridos pelos consumidores, especialmente os mais idosos.

Como estaria a auto-estima desses consumidores que acreditaram piamente da credibilidade da ré? [46][46]

Com efeito, muitos dos que subscreveram planos de vida com a seguradora, fizeram-nos na década de 70, o que explica o número expressivo e o perfil dos consumidores, que serão atingidos no seu direito personalíssimo de envelhecer com dignidade, nos termos do artigo 8º do Estatuto do Idoso (Lei 10.471/03), sem os sobressaltos que as seguradoras desejam implantar.

O artigo 3º do Estatuto, em harmonia com artigo 230 da Constituição Federal, prevê:

“É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.”

Tal tratamento prioritário não foi verificado no caso ora em exame, visto que a atitude da ré, ao cobrar valores excessivos, massificou os obstáculos criados, tendo em vista não ter levado em conta que boa parte dos segurados são pessoas de idade avançada e, portanto, duplamente vulneráveis.

Necessitam, assim, tutela diferenciada e reforçada, dada a dificuldade desses segurados arcar com os novos valores impostos ou, ainda, migrarem para outros planos.

Impor reajustes para os mais idosos em razão da faixa etária é quebrar a legítima expectativa de que poderiam envelhecer tranqüilos.[47][47]

VII – Da medida liminar:

Milhares de consumidores serão expulsos ou farão a renovação, sem que os critérios da seguradora para a fixação do prêmio a ser pago, perda de coberturas, diminuição do capital tenham sido compreendidos.

O presente caso deverá ser examinado de modo adequado e no momento oportuno, mas o retardamento da decisão, transferindo a proteção dos interesses dos milhares de segurados, porá em risco anos e anos de contribuição feita pelos consumidores e o que é mais grave tornará a decisão final inócua.

A própria ré no esclarecimento prestado à Promotoria de Justiça revela que aos 01 de junho de 2006 o prazo para que os consumidores façam suas opções termina.

Na verdade, nessa fase inicial, importa garantir a todos os segurados o direito de não se verem excluídos pela seguradora ré.

Importa que os segurados estejam garantidos no seu direito legítimo de escolher, de modo consciente e informado pois dada a sua hiper vulnerabilidade, destacável, presumidamente, em razão da idade avançada de parte expressiva dos consumidores, não estará apto fazer a opção consciente.

Com efeito, muitos dos segurados, dispersos em todo o país, estão prestes a verem seus seguros vencidos e não renovados, outros incrédulos podem, fazer a opção errada, assumindo por medo e pela falta de clareza das informações prestadas pela ré, opções indevidas por exemplo, abandonando anos e anos de vínculo contratual..

Impedir a exclusão real dos segurados é o que importa, e isso não pode aguardar o resultado final da demanda.

Roga-se a este juízo que não se deixe levar pela aparência das opções dadas, quero dizer, impostas pela seguradora ré.

As propostas no mínimo são tão onerosas que a grande massa de segurados simplesmente poderão abandonar suas expectativas. Considere-se que o mercado, pelo brilhantismo da SUSEP está se adaptando, mas aquela autarquia, mais uma vez, não vem a público dizer que preços abusivos não podem ser praticados contra os consumidores.

Rescisão unilateral disfarçada, pois a seguradora quer empurrar nos segurados, muitos deles já em idade avançada, prêmios calculados sabe-se lá por quem.

Aliás, se os cálculos foram tão errados no passado, não há garantia de que atualmente sejam corretos, especialmente porque as justificativas são para lá de frágeis (envelhecimento da massa de segurados, mercado, economia).

Necessário que os segurados não percam a proteção, pois não há como garantir que sejam aceitos por quaisquer outras companhias, não ao menos com produtos compatíveis com suas finanças.

Claro está, que o risco dos consumidores é suficiente para a outorga da medida de urgência, mas é de se levar em conta que a adoção de medida assemelhada beneficiaria a própria prestação jurisdicional, dispensando-se o Poder Judiciário de julgar milhares de ações individuais.

De qualquer modo, convenhamos que a não renovação dos contratos nas datas de vencimento; a possibilidade de aumento do prêmio mensal por fatores que até então não estavam previstos; exclusão de cobertura são práticas abusivas e que levarão a frustração dos ideais e esforços de milhares de consumidores, que por anos e anos contribuíram para a manutenção do contrato.

Na verdade, a missiva da ré é típica de quem não pretende ser solidário e cooperativo com o consumidor, pois não lhe permitiu, de fato, alternativa senão a de seguir suas diretrizes unilaterais, absolutamente contrárias à boa-fé que informam os contratos de consumo.

Assim, presentes os requisitos a que se referem os arts. 11 e 12 da Lei 7.347/85, faz-se necessário à concessão de medida liminar para:

a) Obrigar a ré a prorrogar o prazo para que o consumidor exerça sua opção sobre a renovação do contrato, sem que haja qualquer perda das garantias contratadas, abstendo-se de cancelar os contratos de seguro de vida (Programa Vida – Clube dos Executivos), sob o pretexto de readequação imposta pela SUSEP, desequilíbrio financeiro das apólices, mercado, em respeito ao diversos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor [48][48];

b) Determinar à ré que se abstenha de suspender ou cancelar os contratos de seguro celebrados com os consumidores, garantindo-lhes as mesmas condições de reajustes, emitindo, por ocasião do aniversário dos planos, documentos de cobrança bancária que expressem a decisão liminar, no prazo de 5 dias contados da intimação da decisão liminar;

c) Com relação a todos os contratos que já tenham sido cancelados unilateralmente pela ré, motivada nas mesmas hipóteses, seja obrigada a garantir ao consumidor retomar as condições pactuadas anteriormente, retroagindo-se tal decisão à data do referido cancelamento, sem qualquer modificação nos direitos e deveres dos contratantes, independentemente de terem os consumidores aderidos aos novos contratos impostos, devendo a seguradora ré emitir os documentos de cobrança (boletos) necessários (isentos de quaisquer encargos – juros/multas), no prazo máximo de 5 dias contados da intimação da decisão liminar.

d) Seja a ré obrigada a comunicar a todos os consumidores titulares dos contratos Programa Vida – Clube dos Executivos ou qualquer outro nome, que estejam sendo obrigados a optarem (1, 2 ou 3) o teor da presente decisão, também no prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar da intimação da decisão;

e) Seja a ré obrigada a publicar a decisão liminar em jornais de grande circulação, a fim de que todos tomem conhecimento inequívoco da concessão da liminar, no prazo máximo de 5 dias contados da intimação da decisão liminar;

f) Seja a ré obrigada a trazer para os autos a lista completa dos segurados da Carteira – Clube dos Executivos, ou qualquer outro nome, a quem já tenha mandado as cartas;

g) Para garantir o cumprimento da decisão, em todas as hipóteses (a,b,c,d, e, f) seja imposto a multa diária de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) por ato em violação ao comando judicial, cujo produto, após liquidação, deverá ser revertido ao Fundo de Reparação (Lei 7.347/85, art. 13).

VIII – Dos pedidos finais.

Ante ao exposto, aguarda-se ao final o julgamento de procedência dos seguintes pedidos, a fim de que:

1. seja confirmada a liminar, condenando-se a ré à não suspender ou cancelar todos contratos (Programa Vida – Clube dos Executivos), ou sob outra rubrica, sob o pretexto declinado na carta modelar de fls. 03 ou teores similares, mantendo-se os termos contratuais, firmados anteriormente com a empresa;

2. seja a ré condenada a retomar os termos contratuais, mesmo para aqueles segurados que tenham aderido às opções 01, 02 e 03, sem imposição de qualquer ônus ou encargos aos consumidores;

3. seja a ré condenada genericamente a devolver em dobro (CDC, art. 42, parágrafo único) todos os valores cobrados indevidamente e pagos a maior pelos consumidores, que tenham aderido aos novos planos, tudo a ser apurado em liquidação de sentença, consoante dispõe o artigo 95 do Código de Defesa do Consumidor;

4. como pedido alternativo, caso Vossa Excelência compreenda ser melhor, em nível de proteção aos consumidores, desvincularem-se da seguradora-ré, seja a mesma condenada genericamente a indenizar todos os danos causados em decorrência do abuso do direito e inobservância da boa-fé objetiva, consistente em não renovar os contratos e dar em troca três opções iníquas e extremamente desvantajosas, tudo a ser apurado em liquidação de sentença (CDC, art. 95), mas não menos do que o total dos valores pagos pelos consumidores a titulo de premio, ou outro valor que venha a ser arbitrado por Vossa Excelência, mas suficiente para recompor o dano sofrido.

Requer, outrossim, seja determinada a citação da ré, pelo correio, a fim de que, advertida dos efeitos da revelia (CPC, 285), apresente, querendo no prazo de 15 dias, respostas aos pedidos ora aduzidos.

Pugna-se ainda, por sua condenação ao pagamento das custas processuais com as devidas atualizações monetárias.

Protesta-se pela dispensa ao pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, conforme disposição do art. 18 da Lei 7.347/85 e do art. 87 da Lei 8.078/90.

Sejam as intimações feitas pessoalmente, mediante entrega dos autos na Promotoria de Justiça do Consumidor, situada na Rua Riachuelo, 115, 1º andar, sala n. 130, nesta Capital, com vista, consoante o disposto no art. 236 §2º do Código de Processo Civil e no art. 224, inc. XI da Lei 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo).

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova admitidos em direito, notadamente pela produção de prova oral e, caso necessário, pela juntada de documentos e por tudo o mais que se fizer necessário à cabal demonstração dos fatos articulados na inicial, bem ainda, pelo benefício do art. 6º, inc. VIII da Lei 8.078/90 (inversão do ônus da prova).

Acompanham a inicial os autos do procedimento indicado em epígrafe, instaurado pela Promotoria de Justiça do Consumidor.

Atribui-se à causa, para fins de alçada, o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

Nestes termos, pede deferimento.

São Paulo, 30 de maio de 2006.

Deborah Pierri

2º Promotora de Justiça do Consumidor

Ana Carolina Cabana Zoricic:

Maria Ângela Lopes Paulino:

Tiago Paranhos da Costa :

Estagiários do Ministério Público


[1][1] Essa dimensão pode ser medida pela notória grandeza da carteira, pois vários periódicos dão conta de que dentre 40 a 50 mil segurados, pelo menos 30 mil deles sofrerão grande impacto em suas finanças, levando-se em conta a manifestação de Renato Russo, vice-presidente da ré, em matéria do diário “Gazeta Mercantil” (fls.32).

[2][2] Confiram-se outros esclarecimentos sobre o tema na Revista Plano Diretor de Seguros, n.º 27 – out/2001, Manuais Técnicos de Seguros.

[3][3] Sobre isso, confira-se o que foi dito pelo executivo da ré, responsável pelos segurados de vida: “O problema é que as antigas carteiras de seguros de vida são estruturadas no regime da repartição simples, em que os prêmios são usados para pagar indenizações. O valor médio dos prêmios está defasado, pondo em risco as coberturas”, (fls. 36).

[7][7] Vide p. 9 do GUIA (fls. 56)

[8][8] A Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) assegura de modo especial a proteção do idoso, enquanto cidadão que goza de plenos direitos. Aliás, o art. 8º menciona, o envelhecimento é um direito personalíssimo e sua proteção, por conseguinte, constitui um direito social. Já o art. 9º faz referência à dignidade, o que minimamente enseja respeitabilidade às legítimas e construídas expectativas.

[9][9] Vejam que no documento de fls. 3 demonstra-se que ano a ano a elevação dos percentuais de reajustes são inaceitáveis para as economias dos segurados, especialmente, porque se trata de população idosa.

[10][10] Aliás, essas normas foram bem recebidas pelo presidente da SulAmérica: “Patrick de Larragoiti Lucas, afirma que as novas regras estabelecidas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) para o seguro de vida representam "um desafio" para o mercado. Na opinião dele, o regulamento é muito importante para a indústria do seguro, pois traz de volta à cena, mesmo que indiretamente, os planos individuais. A venda personalizada, que foi esvaziada no passado com as apólices abertas, ganha novamente força com essas regras estabelecidas pela Susep. Sobre o desempenho do seguro em 2006, Patrick de Larragoiti estima que a receita do mercado subirá perto de 10,5%” (http://www.irb-brasilre.com.br/cgi/clipping/internet/noticiasListar.cfm?dataBase=20051223)

[11][11] O arcabouço normativo editado pela SUSEP relativo ao temas é Resolução 117 e Circulares 302, 303, 316, 317 etc. Mas, em nenhuma desses atos há referência à obrigatoriedade da adoção de faixa etária, mas simples instrução do que deve constar do contrato se e quando o prêmio for passível de alteração de taxa por faixa etária (art. 69 da Circular 302 de 19 de setembro de 2005), (fls. 145).

[12][12] Lembre-se que o art. 478 e 479, ambos do CC, permite a revisão dos contratos, mas fiando-se no fato de que o contrato, simplesmente poderia não ser renovado, a ré deixou o consumidor isolado e perplexo.

[13][13] Esse também é o caso de outras entre essas a COSESP que já responde ao Ministério Público em outro procedimento administrativo.

[14][14] Cláudia Lima Marques ao discorrer sobre a solidariedade faz alusão a idéia de confiança e apóia-se nas lições primorosas de Ronaldo Porto Macedo: “Aqui está presente o elemento moral, imposto ex vi lege pelo princípio da boa-fé, pois solidariedade envolve a idéia de confiança e cooperação. Confiar é ter a ‘expectativa mútua, de que’, em um contrato nenhuma parte irá explorar a vulnerabilidade da outra”. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 416, RT, 2002.

[15][15]O seguro de 1975 virou tunga em 2006. (…) Depois de ter embolsado o dinheiro das vítimas por mais de 30 anos, a Sul América prefere expulsá-los do trato. Talvez a Susep possa criar uma nova modalidade de seguro: o seguro contra a companhia de seguro. O sujeito compra uma apólice na Sul América e depois vai ao Itaú segurar-se contra o risco de estar vivo. Outra solução, drástica e cínica, seria a reunião (antes do dia 30 de setembro, quando os contratos vão para a fogueira) de todos os septuagenários que caíram na lábia do Clube dos Executivos. Vão todos para a porta da Sul América. Os que nasceram em anos pares numa calçada e os dos anos ímpares na outra. A Susep distribui metralhadoras, os cidadãos matam-se uns aos outros e todo mundo ganha”. Elio Gaspari, Jornal “Folha de São Paulo”, 26 de março de 2006, fls. 37.

[16][16]Companhias reajustam em até 623% o seguro de vida. (…) O economista W.B.C., de 70 anos, recebeu a correspondência da Sul América Seguros na semana passada. C. tem contrato há 30 anos e, para que ele não seja rescindido a partir de 30 de setembro, quando vence a apólice, ele tem duas opções. Na primeira, pode optar por uma apólice em que o prêmio atual de R$ 66,21 por mês saltaria para R$ 165,00 no primeiro ano, aumento de 149,20%; no segundo ano, o prêmio saltaria para R$ 264,00. O valor continuaria subindo nos anos seguintes até chegar a R$ 479,00 no sexto. O reajuste acumulado em 5 anos seria de R$ 623,45%, mas as coberturas contratadas cairiam pela metade. Paulo Pinheiro, Economia, “Jornal da Tarde”, 26 de março de 2006, fls. 38.

[17][17] “Além da conta. Aos 76 anos, seu J.C.R. diz que foi posto contra a parede. Ou tem o valor da apólice, que é paga há 30 anos, reduzido pela metade. Ou não terá como pagar o que a seguradora cobra pelas prestações. E pela idade, sabe que não será aceito num plano novo. ‘O pior negócio que eu fiz foi não morrer. Se eu não tivesse morrido, não teria problema nenhum, eles teriam pago e eu não teria perdido dinheiro. Reportagem no Jornal Hoje, Rede Globo, 01 de abril de 2006, fls. 41.

[18][18] O jurista implementando o vocabulário jurídico, faz referência ao “hipervulnerável”, isto é, a efetiva proteção aos consumidores vai além da solidariedade e da justiça social. Enfim, entender a essa vulnerabilidade excessiva demanda a compreensão de que há igualitarismo assimétrico, isto é, a certeza de mesmo entre os vulneráveis há alguns que estão numa situação especialmente pior (ex. idosos).

[19][19] Contratos, Rio de Janeiro, Forense, 2005, p. 920.

[20][20] Contratos no Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: RT, 4º edição, p. 395/396

[21][21] Maria Helena Diniz in Código Civil Anotado, São Paulo, 6ª edição, 2000, p. 938

[22][22]São os contratos agora denominados de consumo, sejam eles de compra e venda, de locação, de depósito, de abertura de conta corrente, de prestação de serviços profissionais, de empréstimo, de financiamento ou de alienação fiduciária, de transporte, de seguro, de seguro saúde, só para citar os mais comuns”, Cláudia Lima Marques, idem, p. 163.

[23][23] Sobre o sentido de cláusulas gerais: “Esse entendimento, que facilita sobremaneira a compreensão da significação da cláusula geral, identifica-se com a idéia de um autor contemporâneo italiano, Pietro Perlingieri, que segue reproduzida: “ao lado da técnica de legislar com normas regulamentares (ou seja, através de previsões específicas e circunstanciadas), coloca-se a técnica das cláusulas gerais. Legislar por cláusulas gerais significa deixar ao juiz, ao intérprete, uma maior possibilidade de adaptar a norma às situações de fato”. Menciona, como exemplos de cláusulas gerais, as normas que se referem à ordem pública, solidariedade, eqüidade, diligência e lealdade no adimplemento e à boa-fé no contrato, previstas no ordenamento jurídico italiano. O mesmo ensinamento, frise-se, estende-se para as positivações da boa-fé objetiva no Código de Defesa do Consumidor e no novo Código Civil. Gerson Luiz Carlos Branco destaca que a materialização do direito privado por meio de cláusulas gerais, que concedem ao juiz um poder maior para a utilização de princípios jurídicos, é esforço do próprio Estado para enfrentar o problema derivado do alto grau de diferenciação social, que não pode ser coordenado pelo modelo legal lógico-subsuntivo. As cláusulas gerais permitem a “harmonização e coordenação das exigências sociais contraditórias manifestadas no seio da relação contratual”. (Marco Antonio Zanellato, Condições gerais do contrato, cláusulas abusivas e a proteção do consumidor, tese apresentada na Universidade São Paulo, aos 28 de março de 2006, aprovada com distinção atendendo à exigência parcial para a sua titulação como Doutor em Direito Civil).

[24][24] O art.757 do Código Civil dispõe: “Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”.

[25][25] Maria Helena Diniz in Código Civil Anotado, São Paulo, 6ª edição, 2000, p. 938.

[26][26] Sobre o tema: “(…) ao inserir em seu texto os princípios da função social e de probidade e boa-fé. A inserção desses princípios, que em realidade de traduzem em cláusulas gerais, teve o condão de promover a alteração da teoria contratual, dando ensejo a uma nova teoria dos contratos, permeada pela exigência de uma conduta proba, reta, honesta das partes contratantes e também pela exigência da observância de uma função social, como razão e limite ao exercício da liberdade contratual. De se destacar que no direito anterior não existia qualquer menção aos princípios da função social do contrato, de probidade e boa-fé objetiva, o que efetivamente caracteriza a inovação do novo estatuto privado de direito. A boa-fé mencionada no Código Civil anterior, quando mesmo tratava da posse e do usucapião, por exemplo, era a subjetiva, enquanto que a boa-fé objetiva apenas vinha mencionada no art. 1443, do antigo diploma civil, ao dispor a respeito das disposições gerais atinentes aos contratos de seguro. Portanto, pela primeira vez o princípio da boa-fé objetiva vem insculpido como cláusula geral, permeando todas as relações contratuais na órbita civil”. (Carlos Santos Oliveira, O novo Código Civil comentado, Rio de Janeiro, 2003, Freitas Bastos, vol. 1, p.319).

[27][27] MARQUES, Cláudia Lima: Contratos no Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: RT, 4º edição, p. 395/396.

[28][28]Antonio Penteado Mendonça. Transparência 2, (http://www.focoseguro.com.br/foco/direc.htm?pag=oesp.htm, acesso em 18/05/05).

[29][29] Sobre isso escreveu Cláudia Lima Marques, calcando-se na experiência havida no direito comparado: “Observe-se que o realismo norte-americano denominou de contratos ‘relacionais’ (relational contracts), destacando os elementos sociológicos que condicionam o nascimento e a estabilidade dos contratos complexos de longa duração. A contribuição desses estudos, que remontam a 1974, foi grande, pois, observando-se as relações ‘não contratuais’, as projeções de troca dos empresários e a sua organização em networks, baseadas mais na confiança, solidariedade e cooperação no que em vínculos contratuais expressos, desenvolveu a noção de um contrato aberto, de uma relação contínua, duradoura ao mesmo tempo em que modificável pelos usos e costumes ali desenvolvidos e pelas atuais necessidades das partes. (…) Sendo assim, a mais importante contribuição destes estudos à nova teoria contratual brasileira é a criação de um modelo teórico contínuo que engloba as constantes renegociações e as novas promessas, bem destacando que a situação externa e interna de catividade e interdependência dos contratantes faz com que as revisões, novações ou renegociações contratuais naturalmente continuem ou perenizem a relação de consumo, não podendo estas, porém, autorizar abusos da posição contratual dominante e validar prejuízos sem causa ao contratante mais fraco ou superar deveres de cooperação, solidariedade e lealdade que integram a relação em toda a sua duração”. Contratos no CDC, RT, 4ª., p. 82/3.

[30][30] Aliás, sobre o seguro saúde lembre-se: “Os contratos de planos de assistência à saúde são contratos de cooperação, regulados pela Lei 9.656/98 e pelo Código de Defesa do Consumidor, onde a solidariedade deve estar presente, não só enquanto mutualidade (típica dos contratos de seguros, que já não mais são, ex vi a nova definição legal como ‘planos’), mas enquanto cooperação com os consumidores, enquanto divisão paradigmática-objetiva e não subjetiva por sinistralidade, enquanto cooperação para a manutenção dos vínculos e do sistema suplementar de saúde, enquanto possibilidade de acesso ao sistema e de contratar, enquanto organização do sistema possibilitar a realização das expectativas legítimas do contratante mais fraco…. Aqui está presente o elemento moral, imposto ex vi lege pelo princípio da boa-fé, pois a solidariedade envolve a idéia de confiança e cooperação. Confiar é ter a ‘expectativa mútua, de que’, em um contrato, ‘nenhuma parte irá explorar a vulnerabilidade da outra’. Em, outras palavras, o legislador consciente de que este tipo contratual é novo, dura no tempo, que os consumidores todos são cativos e que alguns consumidores, os idosos, são mais vulneráveis do que os outros, impõe solidariedade na doença e na idade e regula de forma especial as relações contratuais e as práticas comerciais dos fornecedores…” Idem, p. 417.

[31][31] Sobre a busca da justiça no âmbito do direito civil, confiram-se: “A globalização da ordem jurídica está submetida à exigência obrigatória da justiça, (…) O juiz civil entende por uma resolução ´justa´ do caso aquela que dê conta do interesse legítimo de ambas as partes, estabelecendo uma ponderação equilibrada dos interesses e que, por isso, pode ser aceite por cada uma das partes, na medida em que também considera adequadamente o interesse da parte contrária”. (Karl Larenz. Metodologia da ciência do direito, Gulbekian, Lisboa, 3ª ed., p. 492)

[32][32] Essa é a ementa do acórdão: “SEGURO DE VIDA E/OU ACIDENTES PESSOAIS – CONTRATO – RESCISÃO UNILATERAL – INADMISSIBILIDADE. No contrato de seguro, a resilição unilateral (rescisão sem lesão) não pode ser prevista em benefício apenas de uma das partes, a não ser que se observe a igualdade de condições, como recomenda o Código de Defesa do Consumidor. Substituição de forma hábil do seguro ‘Ouro Vida’ pelo ‘Ouro Vida Grupo Especial’, com menor extensão de cobertura, equivale de forma impositiva à rescisão de contrato. Impossibilidade. Procedimento abusivo. Inteligência do disposto no artigo 13 do Decreto-lei 73/66; art. 51, inciso XI da Lei 8.078/90 e demais dispositivos legais”, (AI 738.537-00/7, 4a. C., rel. Juiz Julio Vidal, j. 27.8.2002 (JTA-LEX 197/422).

[33][33] Sobre o sentido de boa-fé, confiram-se: “O principio da boa-fé significa que todos devem guardar “fidelidade” á palavra dada e não frustrar ou abusar daquela confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas,”sendo,pois, mister que procedam tal como deve esperar-se que o faça qualquer pessoa que participe honesta e corretamente ao tráfego jurídico, no quadro de uma vinculação jurídica especial.” (Desembargador Luiz Roldão de Freitas Gomes. Apud. Eduardo Oliveira. Boa-fé objetiva e responsabilidade civil contratual – principais inovações. In: w.uva.br/icj/artigos_de professores/boa_fe-inov_civil.htm)

[34][34] Confiram-se as palvras do Desembargador Cavalieri: “Porque as cláusulas gerais?Porque a sociedade moderna tornou-se tão complexa que não é mais possível legislar casuisticamente, fazer regulação particular, prever na norma todas as situações que vão ocorrer na vida social. Particularismos não tem mais vez.Não há legislador que agüente. Ainda que o legislador conseguisse prever tudo em um determinado momento , amanhã já haveria algo diferente. Então não há outro caminho, a não ser adotar critérios de legislação mais avançadas ,baseadas nas chamadas clausulas gerais, nas quais temos uma moldura mais estabelecida em lei, dentro da qual caberá ao juiz formular a regra para o caso concreto. A regulação tem que ser genérica e geral” (Apud: idem).

[35][35] Idem, ibidem

[36][36] Dias, José Aguiar. Da responsabilidade civil. 5ª ed., Rio de Janeiro, Forense

[37][37] Contratos relacionais e defesa do consumidor, Max Limonad, 1998, p. 365.

[38][38] Idem, p. 366/67. Nesse ponto de seu trabalho Ronaldo Porto Macedo Júnior invoca a lição de Hadfield: “a abordagem relacional para a interpretação contratual requer sensibilidade às particularidades de cada relação… Não há regras firmes e rápidas (hard and fast rules)… A interpretação relacional é um exercício de atenção, intuição e juízo sobre o fato específico.”

[39][39] Transparência (http://www.focoseguro.com.br/foco/direc.htm?pag=oesp.htm, acesso em 18/05/05).

[40][40] CC. Art.187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

[41][41] Tome-se como cláusula geral de contrato e não apenas como princípio geral de direito. Tome-se como fonte de novos deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual, os chamados deveres anexos. Confiram-se Cláudia L. Marques (op. cit., p. 180).

[42][42] Curso de direito civil – Parte geral, Forense, 2003, p. 553/554.

[43][43] Marco Antonio Zanellato, op. cit.

[44][44] Cláudia Lima Marques, op. cit., p. 879.

[45][45] Idem, p. 939.

[46][46] Confiram-se o tratamento dado aos idosos no tocante à dignidade e outros valores imateriais pelo Estatuto do Idoso: “Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis. §2º O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, idéias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais.”

[47][47] Tome-se como paradigma o caso dos planos de saúde e o tratamento dado peculiarmente aos idosos. Confiram-se: o art. 15, §3º do Estatuto do Idoso: “É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”. Vale ressaltar o entendimento do IDEC no sentido da retroatividade da aplicação do Estatuto do Idoso aos contratos firmados anteriormente à sua vigência. E de outra forma não poderia ser, por se tratar de norma de ordem pública, o Estatuto do Idoso prevalece sobre os contratos anteriores à sua vigência, impedindo também aumentos em razão da faixa etária, mesmo que previstos contratualmente, não ofendendo a retroatividade da lei o ato jurídico perfeito.

[48][48] Confira-se o CDC: “art. 4º A política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: Ireconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; (…) III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilizarão da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art.170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…) IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhes seus produtos ou serviços; V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; X – exigir sem justa causa o preço de produtos ou serviços; XI – aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido; art. 51 São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais, relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…) IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; (…) X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após a sua celebração; XV- estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor”.

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