Crueldade sem imunidade

Maus tratos a criança justifica demissão de babá grávida

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27 de maio de 2006, 7h00

O que deve prevalecer: a proteção à trabalhadora gestante ou a punição a quem cometeu falta grave no trabalho? A questão foi colocada para a Justiça do Trabalho que julgou o recurso de uma baba grávida demitida por justa causa sob a alegação de maus tratos às crianças de quem devia cuidar. A juíza Olga Vishnevsky Fortes do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), confirmou a demissão da babá.

Para a juíza, “ainda que fosse cabível a estabilidade gestante de empregada doméstica, o que, de fato, não ocorre, a justa causa afastaria tal hipótese”. No seu entendimento, a demissão por justa causa foi bem aplicada, nos termos do artigo 482 da CLT, alíneas “b” e “e”, o que afastaria a licença à maternidade.

Segundo o relato das testemunhas, a filha menor do casal chorava constantemente, a filha maior mudou seu comportamento e a babá gritava freqüentemente com as crianças. O patrão foi representado pelo advogado Carlos Augusto Marcondes de Oliveira Monteiro do Monteiro, Dotto, Monteiro e Advogados Associados.

Quanto à reclamação da babá com relação às contribuições sociais devidas ao INSS pelo empregador, a juíza entendeu que é de competência da Justiça Federal a execução das contribuições devidas e que a Justiça do Trabalho é incompetente para apreciar o pedido.

Quanto às férias e 13° salário devidos pelo período em que a babá alegou trabalhar sem anotação na carteira de trabalho, a juíza condenou o patrão ao pagamento. Segundo ela, cabia ao patrão provar que esses serviços prestados não eram freqüentes como ele argumentou, mas não apresentou provas.

Leia a íntegra da decisão:

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA DO TRABALHO

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO

Processo/Ano: 501/2006

Comarca: São Paulo – Capital

Autos no 00501-2006-080-00-7

Reclamante : xxx

Reclamado : xxx

Data : 13.04.06

SENTENÇA

Vistos.

Relatório. Intentou, a Reclamante, ação por meio da qual pretendeu receber as verbas que entendeu inadimplidas. Pleiteou, em síntese : nulidade da dispensa por justa causa, com pagamento de diferenças de rescisórias; reconhecimento do vínculo anterior à anotação da CTPS; férias vencidas; dano moral; indenização estabilitária; recolhimentos previdenciários. Deu valor à causa de R$ 15.000,00. Pugnou pela procedência. Juntou procuração e documentos.

Em audiência de 07.03.06, compareceram as partes, que foram ouvidas juntamente com uma informante e duas testemunhas.

O Réu apresentou defesa argüindo preliminar de inépcia. No mérito, afirmou a justa causa da dispensa. Negou o vínculo anterior à anotação, afirmando a prestação eventual de serviços. Refutou os demais pedidos. Pugnou pela improcedência. Juntou documentos.

Réplica e memoriais de razões finais, às fl. 93

Não havendo mais provas, foi encerrada a instrução processual.

Todas as propostas de conciliação restaram infrutíferas.

Razões finais, na forma de memoriais, pelo Réu, às fl. 99.

É o relatório.

Decido.

Da incompetência absoluta. É certo que houve extensão da competência da Justiça do Trabalho no que tange à execução das contribuições sociais de que fala o art. 195, I “a” e II, da Constituição Federal (cf. § 3o do art. 114 do mesmo diploma).

Todavia tal extensão de competência alcança somente as sentenças proferidas pela Justiça do Trabalho, não sendo abrangidas, pois, as contribuições sociais devidas pelo empregador no curso do contrato de trabalho.

Em acurado estudo sobre o tema, a Exma. Ministra do TST Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, bem ensina que :

“A Emenda Constitucional no 20, de 1998, ao transferir para a Justiça do Trabalho a competência para executar, de ofício, as contribuições sociais decorrentes de suas sentenças, não extinguiu a da Justiça Federal para o exame da lide decorrente da relação jurídica de natureza previdenciária. Com efeito, a alteração constitucional limitou-se a transferir para essa Justiça Especializada um aspecto da lide de natureza previdenciária, em que todos os elementos da relação de custeio já se encontram especialmente delineados, permitindo, assim, ao próprio magistrado prolator da sentença trabalhista determinar a imediata execução das contribuições sociais…”

Nessa sistemática e à luz de toda fundamentação exposta, não há como admitir a legalidade do art. 276, §7o, do Decreto 3048/99 que regulamenta o art. 43 da Lei 8213/91…A impropriedade do artigo é manifesta, pois regulamenta a ilógica situação de se efetivar a exação de contribuição social pela Justiça do Trabalho, ainda quando inexistente ou indefinido o fato gerador ou indeterminada a base de cálculo da contribuição.” (in Revista do Tribunal Superior do Trabalho 70/1, p. 20).

Esposando o entendimento da Exma. Ministra, declaro, de forma incidente, a inconstitucionalidade do art. 276, § 7o, do Decreto 3048/99, tendo em vista o fato da exorbitância da citada norma regulamentar em relação à Lei 8213/91, fato que avilta o princípio da legalidade de que fala o art. 5o, II, da Constituição Federal.

Assim, mantida a competência da Justiça Federal para a execução das contribuições sociais devidas pelo empregador no curso da relação contratual, a Justiça do Trabalho é manifestamente incompetente para apreciar o pedido de regularização dos depósitos previdenciários.

Tratando-se de um pedido dentre um rol de outros, e ausente o pressuposto processual de validade, dou por extinto o processo em relação ao pedido de condenação nas contribuições devidas ao INSS, na forma do art. 267, IV, do CPC.

Da inépcia. Os pedidos são compatíveis entre si, não se vislumbrando nenhuma das hipóteses arroladas pelo art. 295 do CPC, pois também presentes pedidos e causa de pedir havendo lógica entre a narrativa e a conclusão.

Reputo a inicial apta para o escopo da sentença de mérito.

Afasto.

Do vínculo anterior à anotação. O Réu afirmou a prestação de serviços eventuais antes da efetiva contratação da Autora.

Ocorre que o trabalho subordinado se presume quando admitida a prestação de serviços, nos termos do art. 335 do CPC, mormente porque cabia ao Réu o ônus de comprovar a eventualidade do labor (CPC, art. 333).

Declaro o vínculo anterior à anotação, devendo o Réu retificar a CTPS da obreira, em 8 dias do trânsito em julgado, fazendo constar como data de admissão, 26.07.02, sob pena de anotação pela Secretaria da Vara.

Ausente a prova da quitação, devidas as férias com 1/3 e 13o salário proporcional com 1/3, ambos relativos ao período sem anotação.

Da rescisão contratual. O Réu logrou comprovar que a Autora fez jus à dispensa motivada.

Com efeito, as testemunhas comprovaram o choro constante da filha menor, a mudança de comportamento da filha maior, gritos da Autora para com as crianças, tudo a configurar manifesto comportamento faltoso.

De se notar que quando da visita da vizinha, a Reclamante logrou manter a criança em silêncio, ao contrário do que costumava fazer. Tal fato demonstra que a Autora podia cuidar da criança quando lhe convinha, mas preferia deixá-la chorando, por horas e horas.

Restou demonstrado que outra pessoa cuidava da limpeza da casa em alguns dias da semana, e que a filha maior do casal freqüentava a escola pelas manhãs, fato que afasta as alegações de excesso de atividades, contidas na exordial.

A justa causa foi bem aplicada, nos termos do art. 482 da CLT, “b” e “e”.

Improcedem os pedidos atinentes à dispensa imotivada.

Da indenização estabilitária e do dano moral. Ainda que fosse cabível a estabilidade gestante de empregada doméstica, o que, de fato, não ocorre, a justa causa afastaria tal hipótese. O pedido improcede.

Dada a natureza da dispensa, não há que se falar em indenização relativa à licença maternidade.

Quanto ao dano moral, a culpa da Ré afasta a pretensão.

Não é demais esclarecer que o fato da rescisão foi propalado não pelo Réu, mas pelas pessoas que ouviam o choro constante da criança.

Tendo a Autora contribuído para o próprio dano, não há indenização a ser deferida.

Demais deferimentos. Descontos fiscais e previdenciários são deferidos na forma da Súmula 368 do C. TST, observados os critérios do artigo 3o do Provimento CG/TST 1/96 e artigo 6o do Provimento CG/TST 2/93, sob pena de execução direta pela quantia equivalente (Constituição Federal, art. 114, § 3o), não incidindo a contribuição previdenciária sobre as parcelas de natureza indenizatória arroladas no artigo 28 da Lei 8212/91.

Juros e correção monetária, na forma da lei, observando-se quanto a segunda a Súmula 381 do C. TST.

Defiro a gratuidade, nos termos da Lei 1060/50, posto que a declaração da Autora se presume verdadeira pois se trata, “exceção à regra de que as manifestações enunciativas não fazem prova, como a Lei 7115/83, que no art. 1o diz presumir-se verdadeira a declaração destinada a fazer ‘prova de vida, residência, pobreza, dependência econômica, homonímia ou bons antecedentes, quando firmada pelo próprio interessado ou por procurador bastante, e sob as penas da lei” (CPC Interpretado, Coordenação Prof. Antonio Carlos Marcato, Ed. Atlas, 2004, p. 1129).

Inaplicável o artigo 467 da CLT ante a controvérsia instaurada.

Indevidos honorários advocatícios, uma vez ausentes os pressupostos da Lei 5584/70.

Do dispositivo. Ante o exposto, julgo extinto, com julgamento do mérito, o processo quanto ao pedido de recolhimento das verbas previdenciárias devidas no curso do contrato; julgo PROCEDENTES EM PARTE os pedidos formulados por XXX (reclamante) em face de XXX (reclamado) para condenar o Réu a pagar ao Autor férias com 1/3 e 13o salário, ambos relativos ao período sem anotação.

Declaro o vínculo anterior à anotação, devendo o Réu retificar a CTPS da obreira, em 8 dias do trânsito em julgado, fazendo constar como data de admissão, 26.07.02, sob pena de anotação pela Secretaria da Vara.

Descontos fiscais e previdenciários são autorizados.

Juros e correção monetária, na forma da fundamentação.

Defiro a gratuidade.

Custas, pela Reclamada, incidentes sobre o valor da condenação de R$ 1000,00, no importe de R$ 20,00.

Int. Nada mais.

OLGA VISHNEVSKY FORTES

Juíza do Trabalho

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