Falta de provas

Colunista Cláudio Humberto se livra de indenizar filha de Lula

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26 de maio de 2006, 14h31

O jornalista Cláudio Humberto, cuja coluna é publicada em diversos jornais do país, se livrou de pagar indenização por danos morais à filha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Lurian Cordeiro, e ao ex-prefeito de Blumenau (SC), Décio Lima. A decisão é do juiz Luiz Junkes da 1ª Vara Cível do município. Cabe recurso.

Lurian e Décio Lima argumentam que foram ofendidos em notas escritas pelo jornalista. Em uma delas, intitulada “Espírito de Corpo”, Cláudio Humberto dizia que a direção do PT teria de fazer “um esforço enorme para tentar salvar o pescoço de seu prefeito de Blumenau, Décio Lima. Em retribuição ao emprego que ele deu a Lurian, filha de Lula”.

Em outra nota, com o título “Mutretas Petistas”, o jornalista afirmou que o PT andava “irritado com o seu Prefeito de Blumenau (SC), Décio Lima, cujo escalpo está prêmio na Justiça Catarinense”, porque ele era “acusado de irregularidades em geral e de proteger Lurian, a filha de Lula, até com dinheiro”.

Na terceira nota, Cláudio Humberto disse que “Luiz Carlos Nemetz, advogado do prefeito petista de Blumenau Décio Lima, chegou a declarar que seu cliente mora numa ‘casinha velha’. O dr. Nemetz exagerou. A foto obtida pela coluna mostra o prefeito acusado de improbidade ao lado da piscina de sua mansão, que em nada lembra uma ‘casinha velha’. Na garagem, uma perua Volvo.”

O juiz, no entanto, entendeu que as notas tinham base em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público contra Décio Lima, por improbidade administrativa, e configuravam “prática do exercício regular do jornalismo”. Além disso, de acordo com o juiz, “os juízes não demonstraram qualquer má-fé, culpa ou dolo, deixaram de refutar o teor das notas, além daqueles trechos tocantes ao objeto da Ação Civil Pública”.

“As meras informações constantes da notícia não passam de meras narrações, normais, sem que se afigure qualquer ofensa ou exagero à moral dos autores. Deles não é possível se captar qualquer atitude deliberada com intuito de prejudicá-los”, considerou Luiz Junkes.

A filha de Lula e o ex-prefeito foram condenados a pagar R$ 4 mil de custas processuais, mas o juiz concedeu o benefício de Justiça gratuita para Lurian, isentando-a da obrigação.

Processo 008.02.002975-3

Leia a íntegra da decisão

Autos n° 008.02.002975-3

Ação: Indenização Por Danos Morais/ Ordinário

Autor: Décio Nery de Lima e outro

Réu: Cláudio Humberto de Oliveira Rosa e Silva

Sentença

Décio Nery de Lima e Lurian Cordeiro Lula da Silva, aforaram a presente ação de Indenização por danos morais em face de Cláudio Humberto de Oliveira Rosa e Silva postulando a condenação da parte ré em uma indenização a título de danos morais em face de notas jornalísticas ofensivas publicadas.

A parte ré contestou, refutando todos os termos da inicial.

Houve réplica.

Devidamente instadas, a parte autora manifestou-se satisfeita com a prova produzida, enquanto a parte ré, requereu apenas o depoimento pessoal da parte contrária.

É o breve relatório.

Julgo antecipadamente a lide porquanto mesmo a questão de mérito sendo de direito e de fato, estes já estão documentalmente comprovados, não havendo necessidade de produzir prova em audiência ou perícia.

A Constituição Federal assegura, no seu art. 5º, IV, que: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.” E, no inciso IX: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”

Este direito é limitado por aquele previsto nos inciso X, do mesmo artigo. Na caso vertente, porém, tem-se que o réu não ultrapassou tal limite.

O pleito indenizatório funda-se nas seguintes notas veiculadas pelo réu:

“Espírito de Corpo

A direção nacional do PT fará um esforço especial para tentar salvar o pescoço do seu prefeito de Blumenau, Décio Lima. Em retribuição ao emprego que ele deu a Lurian, filha de Lula com Miriam Cordeiro. O Ministério Público investiga a denúncia de que um cheque de R$ 9 mil, do tesoureiro do prefeito, Fernando Viana, foi para na conta dela.” (03.12.01, fl. 20)

“Mutretas Petistas

A direção do PT anda irritada com o seu Prefeito de Blumenau (SC), Décio Lima, cujo escalpo está prêmio na Justiça Catarinense. Ontem ele recebeu um telefonema do presidente do partido, José Dirceu, cobrando explicações. Lima é acusado de irregularidades em geral e de proteger Luriam, a filha de Lula, até com dinheiro.” (04.12.01, fls. 21-22, 24)

“A mansão do prefeito do PT

Luiz Carlos Nemetz, advogado do prefeito petista de Blumenau Décio Lima, chegou a declarar que seu cliente mora numa ‘casinha velha’. O dr. Nemetz exagerou. A foto obtida pela coluna mostra o prefeito acusado de improbidade ao lado da piscina de sua mansão, que em nada lembra uma ‘casinha velha’. Na garagem, uma perua Volvo.” (fl. 23, 05.12.01).

Constata-se que as três notas fazem referência a uma ação civil pública movida pelo Ministério Público contra o autor, em razão de suposta prática de improbidade administrativa (fl. 100). Portanto, em nenhum momento o réu teceu algum qualificativo pejorativo ou deu como culpado o autor. Não havia nenhum óbice na divulgação de conteúdo de ação judicial que não corria em segredo de justiça, uma vez que publicamente acessível.

As demais informações constantes da notícia, “A direção nacional do PT fará um esforço especial para tentar salvar o pescoço do seu prefeito de Blumenau”, que isto era “Em retribuição ao emprego que ele deu a Lurian, filha de Lula com Miriam Cordeiro”, que “A direção do PT anda irritada com o seu Prefeito de Blumenau (SC)” , que o“escalpo [do autor] está prêmio na Justiça Catarinense” que José Dirceu cobrou explicações” e de que “Lima é acusado de irregularidades em geral e de proteger Luriam, a filha de Lula, até com dinheiro” não passam de meras narrações, normais, sem que se afigure qualquer ofensa ou exagero à moral dos autores.1 Deles não é possível se captar qualquer atitude deliberada com intuito de prejudicá-los. Além do que, é garantido ao réu o sigilo da sua fonte, motivo pelo qual não pode a parte autora compeli-lo a fazer prova do alegado.2. Todavia, não bastasse os autores não demonstrarem qualquer má-fé, culpa ou dolo do réu, deixaram de refutar o teor das notas, além daqueles trechos tocantes ao objeto da ação civil pública.

As notas em apreço, configuram, pois, prática do exercício regular do jornalismo, imprescindível ao Estado Democrático e de Direito. Isto porque “A liberdade da imprensa periódica – adverte Maurice Hauriou – é o complemento indispensável da organização do Estado fundado sob o sufrágio; esta é outra maneira de elaboração da vontade nacional e serve de corretivo ao sufrágio popular. Este traduz a vontade do país, mas, no modo com que é organizado, freqüentemente a falsifica; a intervenção dos grupos eleitorais, a pressão administrativa, a consideração do indivíduo na escolha dos candidatos, o defeito de caráter dos eleitos são, constantemente, causas de desvios. A imprensa, se é livre, traduz muito mais exatamente a vontade nacional…” (MIRANDA, Darcy Arruda, Comentários à lei de imprensa, 2. ed. São Paulo: RT, 1994, p. 46-47).

Enfim, “Não se pode, efetivamente, censurar publicações jornalísticas que visem favorecer o interesse da comunidade. E quem exerce cargo público, além de estar sujeito à fiscalização de seus superiores hierárquicos, submete-se à vigilância dos órgão de imprensa no cumprimento do dever de informar; indiscutível, no entanto, que tal vigilância dever ser efetivada de forma sóbria, sem ferir susceptibilidades do cidadão, ou cidadã, envolvidos, que tenha também assegurado o respeito de que é merecedor.” (TJSP, AC. 54.329-4, rel. Yussef Cahali, j. 29.7.98)

Posto isto, julgo improcedente o pedido aforado na presente Ação Indenizatória por Décio Nery de Lima e Lurian Cordeiro Lula da Silva em face de Cláudio Humberto de Oliveira Rosa e Silva, pelo que condeno a parte autora a arcar com as custas e despesas processuais, e honorários advocatícios, que fixo em R$ 4.000,00, com fulcro no disposto no art. 20, § 4º do CPC, suspensa porém a exigibilidade em relação à autora, em virtude de deferir-lhe os benefícios da gratuidade da justiça.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Blumenau (SC), 11 de maio de 2006.

Sérgio Luiz Junkes

Juiz de Direito

Notas de rodapé

1- Neste sentido: “APELAÇÃO CÍVEL – DANOS MORAIS – LEI DE IMPRENSA – TRANSMISSÃO DE NOTÍCIA – EXCLUSIVO ANIMUS NARRANDI – AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ – INOCORRÊNCIA DE DANOS MORAIS. Em notícia transmitida pela imprensa, sem manifestação de opinião, com mera narração dos acontecimentos, não gera obrigação de indenizar por danos morais.” (Apelação cível n. 99.017238-4, Rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento, julgado em 07 de agosto de 2001).

2- Lei de Imprensa: “Art. 7º. No exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação não é permitido o anonimato. Será, no entanto, assegurado e respeitado o sigilo quanto às fontes de origem de informações recebidas ou recolhidas por jornalistas, rádio-repórteres ou comentaristas.” Grifou-se.

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