Culpa dos ataques

Governador culpa “minoria branca” pela violência em São Paulo

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18 de maio de 2006, 10h41

“Eu me assusto com toda a realidade social brasileira. Acho que tudo isso foi um grande alerta para o Brasil.” A declaração é do governador de São Paulo, Cláudio Lembo, ao falar sobre os ataques a policiais e cidadãos nos últimos dias, em entrevista à Folha de S. Paulo. Segundo Lembo, a violência só vai acabar quando a “minoria branca” mudar a sua mentalidade que considerou “má” e “muito perversa”.

Quando perguntado sobre o aumento vertiginoso no número de mortes de suspeitos de envolvimento nos ataques, Lembo disse que a situação está sob controle e que a Polícia “está agindo dentro dos limites e com muita sobriedade” para evitar o pior.

Durante a entrevista, o governador além de criticar a burguesia, criticou o ex-governador Geraldo Alckmin, que disse que aceitaria ajuda federal contra as ações do PCC se ainda estivesse no cargo, e o ex-presidente FHC, que atacou a suposta negociação entre o estado e a facção criminosa para o fim dos ataques.

Leia abaixo trechos da entrevista feita pela jornalista Mônica Bergamo

Os jornais estão noticiando hoje [ontem] que houve uma matança em São Paulo na madrugada de terça. A polícia está sob controle ou está partindo para uma vingança?

Cláudio Lembo — A polícia está totalmente sob controle. Eu conversei muito longamente com o coronel Elizeu Eclair [comandante-geral da PM] e estou convicto de que ela está agindo dentro dos limites e com muita sobriedade. Todas as noites há confrontos nas ruas da cidade e esses conflitos foram exasperados nesses dias. Mas vingança, não. A polícia agiu para evitar o pior para a sociedade.

Foram 93 mortes. Elas estão dentro dos limites? O senhor tem segurança que todos que morreram estavam em confronto?

Lembo — E o conflito que houve da cidade com a bandidagem? Foi violento. É possível que tenha havido tragédias, mas pelo que estou informado não houve nada que fosse além dos confrontos diretos.

Só no IML (Instituto Médico Legal) estão 40 mortos e não se sabe nem o nome dessas pessoas.

Lembo — Os nomes vão ser revelados. Estamos resolvendo questões burocráticas, de identificação, mas vão ser revelados.

Jornalistas da Folha entraram no IML e viram fotos de pessoas mortas com tiros na cabeça. Que garantia a sociedade tem de que não morreram inocentes e de que o Estado, por meio da polícia, não está executando essas pessoas?

Lembo — Não está, de maneira alguma. E digo a você: fui muito aconselhado a falar tolices como “aplique-se a lei do Talião”. Fui totalmente contrário. Faremos tudo dentro da legalidade e do Estado de Direito.

O senhor não se assusta com o número de mortos?

Lembo — Eu me assusto com toda a realidade social brasileira. Acho que tudo isso foi um grande alerta para o Brasil. A situação social e o câncer do crime é muito maior do que se imaginava. Este é o grande produto desses dias todos de conflito. Nós temos que começar a refletir sobre como resolver essa situação, que tem um componente social e um componente criminoso, ambos gravíssimos. O crime organizado trabalha com a droga. A droga é um produto caro, consumido por grandes segmentos da sociedade. Enquanto houver consumidor de drogas, haverá crime organizado no tráfico. É assim aqui, na Itália, nos EUA, na Espanha. O crime se alimenta do consumidor de drogas.

E da miséria…

Lembo — Talvez no Brasil tenha esse componente também. O crime organizado destruiu valores. O Brasil está desintegrado. Temos que recompor a sociedade. A questão social é muito grave.

O senhor é um homem público há tantos anos, está num partido, o PFL, que está no poder desde que, dizem, Cabral chegou ao Brasil.

Lembo — Essa piada é minha.

O que o senhor pode dizer para um jovem de 15 a 24 anos, que vive em ambientes violentos da periferia? Que ele vai ter escola? Saúde? Perspectivas de emprego? Como afastá-lo de organizações criminosas como o PCC?

Lembo — Acho que você tem duas situações muito graves: a desintegração familiar que existe no Brasil, e a perda… Eu sou laico, é bom que fique claro para não dizerem que sou da Opus Dei. Mas falta qualquer regramento religioso. O Brasil está desintegrado e perdeu seus valores cívicos. É ridículo falar isso mas o Brasil só acredita na camisa da seleção, que é símbolo de vitória. É um país que só conheceu derrotas. Derrotas sociais…Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa.

Que ficou assustada nos últimos dia.

Lembo — E que deu entrevistas geniais para o seu jornal. Não há nada mais dramático do que as entrevistas da Folha [com socialites, artistas, empresários e celebridades] desta quarta-feira. Na sua linda casa, dizem que vão sair às ruas fazendo protesto. Vai fazer protesto nada! Vai é para o melhor restaurante cinco estrelas junto com outras figuras da política brasileira fazer o bom jantar.

Tomar conhaque de R$ 900 [preço de uma única dose do conhaque Henessy no restaurante Fasano].

Lembo — Nossa burguesia devia é ficar quietinha e pensar muito no que ela fez para este país.

O senhor acha que essas pessoas são responsáveis e não percebem?

Lembo — O Brasil é o país do duplo pensar. Conhecemos a inquisição de 1500 até 1821. Então você tinha um comportamento na rua e um comportamento interior, na sua casa. Isso é o que está na sociedade hoje. Essas pessoas estão falando apenas para o público externo. É um país que é dúbio.

Onde o senhor responsabiliza essas pessoas?

Lembo — Onde? Na formação histórica do Brasil. A casa grande e a senzala. A casa grande tinha tudo e a senzala não tinha nada. Então é um drama. É um país que quando os escravos foram libertados, quem recebeu indenização foi o senhor, e não os libertos, como aconteceu nos EUA. Então é um país cínico. É disso que nós temos que ter consciência. O cinismo nacional mata o Brasil. Este país tem que deixar de ser cínico. Vou falar a verdade, doa a quem doer, destrua a quem destruir, porque eu acho que só a verdade vai construir este país.

Mas qual é, objetivamente, a responsabilidade delas nos fatos que ocorreram na cidade?

Lembo — O que eu vi [nas entrevistas para a Folha] foram dondocas de São Paulo dizendo coisinhas lindas. Não podiam dizer tanta tolice. Todos são bonzinhos publicamente. E depois exploram a sociedade, seus serviçais, exploram todos os serviços públicos. Querem estar sempre nos palácios dos governos porque querem ter benesses do governo. Isso não vai ter aqui nesses oito meses [prazo que resta para Lembo deixar o governo]. A bolsa da burguesia vai ter que ser aberta para poder sustentar a miséria social brasileira no sentido de haver mais empregos, mais educação, mais solidariedade, mais diálogo e reciprocidade de situações.

O senhor diria que elas pensam que aquele rapaz de 15 a 24 anos, que vive perto da selvageria…

Lembo — …pode ser o Bom Selvagem do Rosseau? Não pode.

O endurecimento na legislação pode resolver o problema?

Lembo — Transitoriamente pode resolver. Mas se nós não mudarmos a mentalidade brasileira, o cerne da minoria branca brasileira, não vamos a lugar algum.

O senhor diz que muita gente falou besteira sobre os episódios. Dos EUA, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticou a possibilidade de o governo ter feito acordo com os criminosos para cessar a violência.

Lembo — Eu acho que o presidente Fernando Henrique poderia ter ficado silencioso. Ele deveria me conhecer e conhecer o governo de SP. Eu não posso admitir nem a hipótese de se pensar isso. Para opinar sobre um tema tão amargo, tão grave, ele teria que refletir, pensar. E se informar. Quanto ao presidente [FHC], pode ser que eventualmente ele tenha precedente sobre acordos. Eu não tenho.

Vimos o senhor dando muitas entrevistas na TV. Mas SP teve um outro governador [Alckmin], tem um candidato ao governo e ex-prefeito [Serra]. O senhor ficou sozinho?

Lembo — No poder, um homem é absolutamente solitário. Houve momentos em que praticamente fiquei sozinho. Mas devo agradecer a Polícia Militar e a Polícia Civil também, que estiveram firmes ao meu lado.

O ex-governador Alckmin telefonou para o senhor em solidariedade?

Lembo — Dois telefonemas.

O senhor achou pouco?

Lembo — Eu acho normal. Os pulsos [telefônicos] são tão caros…

E o candidato José Serra?

Lembo — Não telefonou. Eu recebi telefonema da governadora Rosinha [do Rio de Janeiro] e de Aécio Neves [governador de MG], que estava em Washington, ele foi muito elegante. Um ofício do governador Mendonça, de Pernambuco. Recebi muitos apoios, do Poder Judiciário, e a Assembléia Legislativa, deputados de todas as bancadas, nenhum partido faltou.

As autoridades paulistanas garantiram, nos últimos anos, que o PCC estava desmantelado, que era um dentinho aqui ou ali. Elas enganaram os paulistanos?

Lembo — Não saberia responder. Eu não engano. Eu acho que nós ganhamos uma situação mas é um grande risco. Temos que ficar muito atentos.

Essas autoridades garantiram que o PCC tinha acabado. Ou elas enganaram…

Lembo — Ou o dentinho era maior do que elas diziam.

Ou foram incompetentes. O senhor vê terceira alternativa?

Lembo — Pode ser que tenham sido exageradas no momento de transferir segurança. Quiseram ser tranquilizadoras.

Então elas iludiram as pessoas?

Lembo — É possível.

O senhor pode dizer que o PCC pode acabar até o fim de seu governo?

Lembo — Só se eu fosse um louco. E ainda não estou com sinal de demência. Acho que o crime organizado é perigosíssimo. Ele se recompõe porque ele tem possibilidades enormes na sociedade.

O ex-presidente Fernando Henrique não telefonou?

Lembo — Não, não. Ele estava em Nova York. O presidente Lula telefonou, foi muito elegante comigo. Conversei muito com o presidente, ele me deu muito apoio. E o Márcio [Thomaz Bastos] veio, conversamos firmemente, com lealdade. E ele chegou à conclusão que não era necessário nem Exército nem a guarda nacional. Tivemos uma conversa responsável, e o equilíbrio voltou. Mostrei que a Polícia Civil e a Polícia Militar tinham condições de fazer retornar a SP a ordem e a disciplina social.

O Datafolha mostrou que 73% acham que o senhor deveria ter aceitado ajuda federal. O governador Alckmin disse que não rejeitaria a ajuda.

Lembo — Ele decidiria, se fosse governador, como achava melhor. Eu decidi da forma que achei melhor. Quanto às outras pessoas, faltou clareza de informação da minha parte. E aí me penitencio. Não é que não aceitei ajuda do governo. Ao contrário. Desde sempre houve vínculo forte entre o sistema de informação da polícia federal e a polícia de SP. A superintendência da PF em SP foi extremamente leal, solícita e dinâmica. Eu tinha uma Polícia Militar muito aparelhada. Eu não poderia tirar esse respeito e esse moral que a tropa tinha que ter naquele momento tão difícil aceitando tanques de guerra do Exército. E aí uma sociedade que gosta de paternalismo, como a brasileira, queria Exército, tropas americanas, tropas alemãs, tropas de todo o mundo aqui. Não é assim. Temos que ser fortes, saber decidir em momentos difíceis e dar valor ao que é nosso. Foi o que fiz. Em 48 horas liquidou-se o problema. O Exército é para matar o adversário. Eu queria recolher os adversários possíveis. Nós estávamos num conflito social.

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