Violência em SP

Violência em SP: Judiciário é culpado, mas não é o principal

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17 de maio de 2006, 19h03

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, afirmou que o Judiciário não pode ser usado como bode expiatório para a onda de violência que varreu São Paulo nos últimos dias. O ministro reagiu ao resultado da pesquisa Datafolha, em que 55% dos paulistanos apontaram o Judiciário como o principal responsável pelos acontecimentos na capital paulista.

De acordo com o ministro, a pesquisa “não reflete a realidade já que o Judiciário não pode assumir a posição de legislador nem de administrador de penitenciárias”. Para Marco Aurélio, “a visão é injusta, leiga e implica desconhecimento”.

Cadastro de direitos

Uma alta autoridade judicial acredita que a crise revelou, sim, fraquezas do sistema penitenciário que podem ser compartilhados entre o Executivo, o Legislativo e também o Judiciário: “Se o Judiciário como um todo apresenta carências e falhas gravíssimas, dentro dele o setor de execuções penais é o que está em piores condições”, atesta.

Para esta autoridade, é justamente nas falhas do sistema penitenciário que organizações criminosas como o PCC ganham força e legitimidade entre os detentos. “Como o Estado não se preocupa em garantir os direitos dos presos, estas organizações acabam ocupando este espaço.”

Na ausência do Estado — e de seus delegados como a OAB, a Defensoria Pública, o Ministério Público e o próprio Judiciário — são o PCC e seus congêneres que cuidam de contratar advogados para dar assistência aos presos e cuidar de providências como alvarás de soltura para presos que já cumpriram penas, cálculo de remissão de pena, pedidos de progressão de regime.

O descaso público é o primeiro responsável pela revolta dos presos, que com freqüência cada vez maior explode em rebeliões espetaculares nos mais variados recantos do país. É também a falta de atenção aos direitos elementares dos presos que acaba transformando-os em massa de manobra do crime organizado.

Com o cadastro geral de presos, cuja criação foi anunciada nesta terça-feira (16/5) pela presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministra Ellen Gracie, o que se pretende, na verdade, é muito mais do que uma simples lista de detentos. A intenção é criar um banco de dados que facilite o monitoramento dos direitos dos presos e viabilize a sua implementação pelos órgãos responsáveis.

Metodologia

A pesquisa do Datafolha, que entrevistou 553 pessoas na cidade de São Paulo no dia 16 de maio, buscou a opinião dos paulistanos sobre os ataques a pessoas e imóveis, a maioria do sistema de segurança pública, supostamente praticados por integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital, a partir da sexta-feira (12/5). Em cerca de 250 ataques perpetrados, morreram mais de uma centena de pessoas.

Além do Judiciário, também foram indicados como tendo “muita responsabilidade pelos ataques” os dois prováveis principais candidatos à presidência da República: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi apontado por 39% dos entrevistados e o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, por 37%.

Os próprios pesquisadores não explicam qual seria a abrangência da palavra “Judiciário” empregada no questionário. Segundo a coordenadora do Datafolha, Luciana Chong, a definição do termo fica por conta do entendimento subjetivo dos entrevistados. A pesquisa também não prima pela clareza quando compara o Judiciário em geral com pessoas específicas como o presidente e o ex-governador.

Seguindo uma linha de raciocínio paralela à do ministro Marco Aurélio, o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, Jorge Maurique, disse que a população brasileira não sabe quais são as atribuições do Poder Judiciário. Para Maurique, a população confundiu o papel do Judiciário com o da Polícia e com o do Executivo.

“As pessoas estão presas por decisão judicial e isso significa que o Judiciário está cumprindo o seu papel”, diz ele. “Agora, não cabe ao Judiciário dar ordens para construir presídios. Se as rebeliões ocorreram pela lotação dos presídios, não é culpa do Judiciário”. Da mesma forma, se os direitos dos presos não estão sendo defendidos é por conta da falta de estrutura da Defensoria Pública, que deveria olhar por eles. Defensoria Pública também não faz parte do Judiciário.

Já o juiz Marcelo Semer, da 15ª Vara Criminal de São Paulo e presidente da Associação Juízes Para a Democracia, acredita que o ocorreu em São Paulo foi uma reação ao trabalho do Judiciário. “A Lei Penal ficou mais rigorosa e coloca cada vez mais pessoas na prisão”, avalia.

Para Semer, há um desgoverno dentro dos presídios. O Estado deve dar condições de ressocialização para os presidiários e manter a ordem dentro dos presídios. No entanto, ele apenas “construiu prédios, aumentando o exército do crime organizado”, concluiu.

A socióloga Maria Teresa Sadek, uma das mais conceituadas pesquisadoras do Judiciário brasileiro, acha que existe mesmo uma tendência a colocar na conta da Justiça tudo que não tem solução: “Tudo o que não é investigado, todo inquérito que não tem resposta, tudo isso acaba sendo entendido como responsabilidade da Justiça, entendendo por isso o resultado que é a impunidade”.

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