Palavra de especialista

Polícia sabia e não se preveniu contra os ataques do PCC

Autor

14 de maio de 2006, 13h05

Na maioria das vezes a polícia não dispõe de informações sobre momentos em que o crime organizado resolve mostrar seus músculos. Desta vez, a polícia de São Paulo sabia que o PCC iria atacar. E não se preveniu como mandam os manuais, ou como pede o bom senso do cidadão que paga impostos. A avaliação é do cientista político e consultor especial do Ministério Público de São Paulo, Guaracy Mingardi, ao comentar os atentados perpetrados por supostos integrantes da facção criminosa Primeiro Comandoda Capital, o PCC, no estado de São Paulo, desde a noite de sexta-feira (12/5).

“Nesses casos muitas vezes se alega que não havia previsões desses ataques, por isso não foi possível se prevenir”, diz o especialista. “Agora não: sabia-se do ataque, não se fez a prevenção. Esse foi o grande erro. Sabe o que pode acontecer agora? Vir um Frankenstein jurídico para piorar tudo. É momento de pensar e agir, e não de tentar consertar o erro com remendos jurídicos de última hora”, avalia Mingardi.

Cometer erros em relação ao PCC não é novidade. Anos antes de a organização aparecer na mídia, o promotor Gabriel Inellas já denunciava à Justiça o Comando, que em 1999 já era conhecida nos intramuros do Carandiru como Seita Satânica. As petições de Inellas foram devidamente arquivadas por desembargadores do TJ paulista.

As primeiras denúncias de Inellas ganharam profundidade nas pesquisas do promotor Marcio Sérgio Christino, autor do livro Por dentro do crime (Editora Escrituras).

Encomenda de morte

Há quatro anos, Kirk Semple, hoje correspondente do jornal The New York Times em Bagdá, veio ao Brasil fazer um retrato do PCC. Kirk morava na Colômbia. Veio reportar sobre o PCC para a revista dominical do NYT. Entrou em contato com o promotor Christino. Obteve entrevistas com os líderes do PCC Marcola e Geleião. Na época, Christino, por meio de grampo telefônico legal, obteve um fax no qual Marcola e Geleião encomendavam a morte de Kirk Semple. O jornalista deveria ser assassinado na porta do hotel em que estava hospedado nas proximidades da rua Sílvia, na zona sul de São Paulo. Alertado por Christino, Kirk saiu do Brasil às pressas.

Modo de agir

Em dezembro de 2002 o Ministério Público de São Paulo elaborou a primeira grande peça contra o PCC apontada contra os mesmos líderes que agora comandam a barbárie em São Paulo. A denúncia foi apresentada pelos promotores Marcio Sergio Christino e Roberto Porto, do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado.

Segundo os promotores, “a organização se caracteriza pela existência de um núcleo central que tem um poder discricionário sobre suas atividades, os componentes de tal núcleo foram originalmente os chamados ‘Fundadores’ e posteriormente, com a morte da maioria passou a incorporar outros líderes”.

Também afirmaram que “o telefone celular ainda é o recurso primordial utilizado pela organização para firmar sua estrutura e permitir a coordenação, direção e realização de atividades dentro e fora do sistema prisional”.

“Trata-se ao mesmo tempo de sua maior força e sua maior fraqueza, eis que permite a comunicação mas, também, que tal comunicação possa ser interceptada e assim controlada, gerando o fluxo de informações que desvenda o sistema criminoso”, de acordo com os promotores.

Eles afirmam que os líderes do PCC não pretendem mais usar o celular para comunicarem-se e sim “utilizar mensagens de texto via celular, os chamados ‘torpedos'”. Para Christino e Porto, os líderes podem passar a usar somente a intermediação de advogados para se comunicarem.

Na época, os promotores escreveram que “a estrutura do Primeiro Comando da Capital foi fortemente abalada, não podemos porém concluir pela sua extinção total; será necessária a continuidade dos esforços para a repressão das facções operantes no sistema prisional; as facções terão a tendência de apresentar um perfil diferente de estrutura hierárquica, porém terão também a tendência de utilizar a mesma metodologia de atuação.

Naquela peça, a importância de Marcola, líder da organizaçao, já era bem delineada. Prova-se nos autos que o denunciado Marcos Willians Herbas Camacho, vulgo “Marcola”, comanda as várias atividades criminosas do grupo, orientando e determinando as atividades a serem exercidas. “Marcola”, muito embora não falasse nos telefones interceptados, foi apontado por integrantes como líder da organização criminosa. A ex-esposa de Marcos Willians Herbas Camacho, vulgo “Marcola”, a advogada Ana Olivatto, foi vítima de homicídio em data recente e sua morte está ligada diretamente à disputa de poder dentro da organização, embora o inquérito apuratório ainda esteja em tramitação. Em uma demonstração da ascendência criminosa de Marcos Willians Herbas Camacho, vulgo “Marcola”, após a morte da advogada (sua ex-mulher ) determinou o denunciado que todos os detentos da unidade prisional onde se encontrava recluso permanecessem de luto, no que foi obedecido.

Leia trecho do livro de Christino que define a forma de ação do PCC

“Roubos a banco geralmente começam com dicas passadas de dentro da própria agência, principalmente, dos vigias que fazem a segurança. Ganhando salários baixos não é de se espantar que cedam à tentação. Os que são cooptados pelas quadrilhas dão dicas de localização de câmaras, número de funcionários e de todo o sistema de vigilância interno.

Como os bancos têm seguros, dificilmente ficam com o prejuízo. Como parte do plano de preparação, é comum integrantes de quadrilhas, bem vestidos, passarem a fazer visitas regulares à agência. Fazem depósitos de pequenas quantias ou saques em contas de parentes ou amigos que tenham conta no mesmo banco e aproveitam para anotar quantas câmaras existem, comparam com as informações dos vigias e estudam como neutralizar os circuitos eletrônicos de segurança.

Pelo menos um deles têm a função específica de freqüentar o banco todos os dias durante a semana antecedente ao roubo, disfarçado de cliente. Se mostra gentil e educado, procura cativar os funcionários para que sua presença fique bem marcada. Esse bandido, na verdade, já estará dentro da agência no dia do assalto quando o bando entrar.

Desarmado, é ele quem vai comandar o roubo, fazendo sinais silenciosos para os comparsas. Por isso precisa se tornar figurinha carimbada para que ninguém desconfie de sua ligação com os bandidos e nem de sua presença no momento da ação. Por isso também ele não participa do anúncio do assalto. Por vezes seu próprio dinheiro é levado para disfarçar sua ligação com os criminosos.

Há casos previamente combinados com as quadrilhas de vigias que, no início de seus turnos de trabalho, a pretexto de corrigir ângulos das câmaras do circuito interno de TV, deslocam levemente o foco, um pouco para cima ou para baixo. Essa prática serve para inutilizar as imagens após o roubo evitando a identificação do bando.

Quando esses filmes são examinados pelo departamento de segurança do banco é certa a identificação de quem fez o serviço pelo horário em que as fitas foram alteradas. Na maior parte das vezes os vigias são detidos pela polícia, interrogados e pressionados a falar.

No caso das portas giratórias, sensíveis a entrada de armas, esse papel mais uma vez seria encargo dos vigias que se encarregariam de desligar o sensor quando os integrantes do banco entrassem na agência. Outra forma comum é o próprio vigia levar as armas para dentro e escondê-las momentos antes no banheiro.

As pistolas semi-automáticas Glock são 70% de plástico e quase indetectáveis pelos sensores de metal. Por isso são as preferidas pelos assaltantes de banco que entram com elas (nunca próximos uns dos outros. É comum darem intervalos entre clientes para entrar na porta giratória) e, depois de rendidos os funcionários, permitem a entrada de outros bandidos com armas mais pesadas.

Para abrir o cofre, ou o gerente abre ou morre. O mesmo acontece com os vigias que “amarelam”, na última hora. Dentro do banco a quadrilha distribui-se em paralelo e todos gritam continuamente: assalto! assalto! ao mesmo tempo. Essa técnica serve para dificultar a identificação porque, com muita gente falando ao mesmo tempo, é mas difícil para as testemunhas se fixarem a atenção em um só.

Na maior parte das vezes eles atuam em 8 ou 9 ladrões. Seis entram no banco. Um deles aborda o gerente e outro recolhe o dinheiro. Os demais são encarregados de render e vigiar clientes e funcionários.

Todos são abordados ao mesmo tempo para evitar reações. Um deles carrega um rádio HT que soa um sinal quando o ladrão que está do lado de fora rastreia a aproximação da polícia. Os três que ficam do lado de fora os aguardam próximos a carros bons e potentes com chassis adulterados e com documentos verdadeiros (roubados ou furtados) prontos para a fuga.

Em um desses automóveis há um rádio ligado na freqüência da polícia. A ação não dura mais que dois ou três minutos. Com o alarme ativado, geralmente os policiais chegam em cinco ou seis minutos.

Resgate de presos

Geralmente acontecem nos finais de semana, principalmente domingos à noite porque as equipes de plantão são reduzidas.

Trabalham em turno de oito horas nesse dia apenas cinco funcionários, o delegado plantonista, dois investigadores, um operador de telecomunicações e um carcereiro.

Como o domingo é dia de visita e os presos recebem, além da companhia dos familiares, o “jumbo” comida de casa e material de limpeza. Por conta disso, os detentos que não fazem parte do grupo que será resgatado ficam mais tranqüilos nesse dia.

Quem promove os resgates são quadrilhas de assaltantes de banco, carro-forte e de traficantes. Os bandidos cooptados para a ação são experientes e, na maior parte das vezes, se especializaram só em resgatar companheiros do crime, na maior parte das vezes líderes que foram pegos pela polícia. O pagamento pelo serviço é à vista e em dólar. As armas pesadas, como Fuzil AR-15 são alugados.

Os carros escolhidos para a fuga são grandes e potentes e ficam estacionados em ruas próximas. Esses carros são abandonados e, em locais, próximos, outros carros do bando aguardam os fugitivos para despistar a polícia.

Durante a ação a quadrilha se divide em dois grupos. Os que entram primeiro, não mais do que quatro homens para não chamar atenção, entram na delegacia andando normalmente, com as armas camufladas, como se fossem registrar a ocorrência de algum fato.

Os presos que serão resgatados ficam sabendo do dia e hora por intermédio de um dos integrantes da quadrilha que dias antes é encarregado de visitá-lo na delegacia, sem esquecer de levar comida para disfarçar. É ele também o encarregado de, nessas visitas, observar e passar para o papel possíveis rotas de fuga e desenhar a planta da delegacia até a carceragem.

Como vai várias vezes à delegacia é também o encarregado de estudar o movimento do distrito e, por intermédio de algum policial corrupto, levantar a ficha dos policiais que trabalham ali. Ou a informação sobre o dia da fuga é passada ao preso por intermédio do advogado do bando. No dia combinado, uma vez lá dentro, rendem a equipe de plantão e os demais bandidos entram no distrito e se dirigem para a carceragem.

A determinação, salvo exceções, é, depois de libertar os integrantes da quadrilha, deixar as grades abertas para o preso que quiser arriscar. Fugas em bando, chamadas de “cavalo-doido”, confundem a polícia e dificultam a captura. Muitos detentos na rua servem também para despistar o verdadeiro motivo da ação e pode sugerir fuga planejada.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!