Preço da consulta

Cliente não tem de pagar consulta para depois pedir reembolso

Autor

7 de maio de 2006, 7h00

Em caso de paralisação dos médicos conveniados ao plano de saúde, não se pode exigir que o consumidor pague as despesas médicas para, posteriormente, pedir o reembolso. O entendimento é do juiz Paulo Eduardo de Menezes Moreira, do 1º Juizado Especial Cível de Salvador, mantido pelo juiz Baltazar Miranda Saraiva, da 2ª Turma Recursal.

Baltazar Miranda manteve a obrigação da Sul América Companhia de Seguro Saúde de restituir o casal Edmundo Calmon e Flávia Cardoso Borges em R$ 476, relativo a quantia desembolsada para pagamento de despesas médicas.

A Sul América recorreu da decisão do 1º Juizado alegando que o Judiciário não poderia interferir nas relações contratuais de consumo. O juiz Baltazar Miranda Saraiva mostrou o contrário. Para ele, “cabe ao Estado preservar os princípios estabelecidos no artigo 4º do CDC, fazendo cumprir as metas estabelecidas pela Polícia Nacional das Relações de Consumo, devendo o Poder Judiciário, sempre que se deparar com práticas comerciais abusivas, que desrespeitem a dignidade, a saúde e a segurança dos consumidores, fazer restabelecer o equilíbrio nas relações de consumo.”

De acordo com o juiz, “em especial nos contratos de prestação de serviços médicos, deve mais do que em qualquer outro o Judiciário interferir, no sentido de preservar o indispensável equilíbrio entre os dois interesses conflitantes: o comercial, do fornecedor, e o da preservação da vida e saúde do consumidor.”

Leia a íntegra da decisão do 1º Juizado e depois da 2ª Turma

1º JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE DEFESA DO CONSUMIDOR – EXTENSÃO NAJ

Processo Número: 23801-5/2004 Turno:MANHÃ

Reclamante: FLAVIA CARDOSO BORGES, EDMUNDO CALMON BORGES

Reclamado(a): SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE

SENTENÇA

Vistos etc.

Dispensado o relatório, como permite o rito.

As principais ocorrências da audiência de instrução encontram-se às fls. 92 destes autos.

Procede a queixa, ainda que em parte.

Os contratos de seguro-saúde fazem parte do rol dos chamados contratos cativos de longa duração, ou seja, “utilizam os métodos de contratação de massa (através de contratos de adesão ou de condições gerais dos contratos), para fornecer serviços especiais no mercado, criando relações jurídicas complexas de longa duração, envolvendo uma cadeia de fornecedores organizados entre si e com uma característica determinante: a posição de “catividade” ou “dependência” dos clientes, consumidores.”( Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 4ª. Edição, p. 79).

E é por conta da posição de catividade do consumidor, aliada à longa duração da relação contratual, que se impõe, num contrato como o ajustado entre autora e réu, a observância do princípio da boa-fé objetiva, “…atuação refletida, refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis…”( Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 4ª. Edição, p. 181).

A acionante, segurada do plano administrado pela ré, ficou impossibilitada de realizar exames médicos, tendo em vista o movimento de paralisação dos médicos que os levou à recusa em dar atendimento aos segurados da empresa acionada, fato que levou os autores a buscar, em juízo, uma medida liminar a fim de evitar danos irreparáveis à sua saúde.

É inconcebível exigir-se que o consumidor, em situações como essa, ainda mais quando a ela não deu causa, desembolse qualquer valor para custear suas despesas médicas para, posteriormente, pedir reembolso das mesmas. Ora, estavam as mensalidades pagas. Não havia inadimplência da segurada e nem restou provado pela parte ré que o plano a que pertencem os autores prescreve a cobertura por meio de reembolso. A falha deu-se por culpa da acionada, que, violando o dever anexo de cuidado, não diligenciou a fim de rapidamente solucionar as divergências existentes com a classe médica, não podendo o segurado ser penalizado por controvérsias existentes numa relação de que não faz parte.

Assim, teve os acionantes desrespeitados os seus legítimos interesses, as expectativas razoáveis e confiança que depositaram quando contrataram o plano de saúde junto à acionada.

Improcede, entretanto, o pedido de indenização por danos morais, posto que indemonstados. Os meros aborrecimentos e contratempos decorrentes da vida em sociedade não são suficientes para cristalizar tal pleito.

Ante o exposto, julgo procedente, em parte, o pedido formulado na queixa, declarando mantidos os efeitos da liminar concedida às fls. 11 em todos os seus termos. Julgo extinto o processo com julgamento do mérito, a teor do art. 269, I, do CPC. Sem custas e honorários nesta fase.

P.R.I.


Após o trânsito em julgado, arquive-se, antes observadas as formalidades de estilo.

Salvador, 22 de fevereiro de 2005

PAULO EDUARDO DE MENEZES MOREIRA

Juiz Substituto

Decisão da 2ª Turma

SEGUNDA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS.

RECURSO No 23801-5/2004-1 – TURNO MANHÃ.

RECORRENTE: SUL AMÉRICA CIA DE SEGURO SAÚDE

RECORRIDOS: EDMUNDO CALMON BORGES e FLÁVIA CARDOSO BORGES.

RELATOR: JUIZ BALTAZAR MIRANDA SARAIVA

EMENTA: SEGURO SAÚDE. CLÁUSULA CONTRATUAL COM RESTRIÇÃO ABUSIVA. SEGURO SAÚDE. INTERPRETAÇÃO DA CLÁUSULA DE MANEIRA MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR. REEMBOLSO DE DESPESAS MÉDICAS. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. EXEGESE DOS ARTS. 46 E 54, PARÁGRAFO 4º, DO CDC. O PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA ESTÁ RELATIVIZADO PELO ADVENTO DA LEI No 8.078/90, QUE ADMITE EXPLICITAMENTE A INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS DE CONSUMO (ART. 6o, IV E V), VISANDO PRESERVAR OS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DO EQUILÍBRIO ENTRE AS PARTES. CLÁUSULA RESTRITIVA DE DIREITO IMPLÍCITO DO CONSUMIDOR REDIGIDA SEM DESTAQUE. NULIDADE DE PLENO DIREITO NA FORMA DOS ARTS. 51, I E IV E 54, § 4o DO CDC. CONFIRMA-SE A SENTENÇA AD QUO, QUE COMPÔS A LIDE COM JUDICIOSIDADE, PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO, PARA MANTER A SENTENÇA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS E CONDENAR O RECORRENTE EM CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, ESTES ARBITRADOS EM VALOR CORRESPONDENTE A 01 SALÁRIO MÍNIMO, ANTE O PEQUENO VALOR DA CONDENAÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 20, § 4º, CPC.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por SUL AMÉRICA SEGURO SAÚDE S/A, irresignada com a sentença que julgou procedente, em parte, o pedido formulado na queixa por EDMUNDO CALMON BORGES e FLÁVIA CARDOSO BORGES, declarando mantidos os efeitos da liminar concedida à fl.11 em todos os seus termos, para compelir a acionada a restituir aos autores o valor de R$ 476,16 (quatrocentos e setenta e seis reais e dezesseis centavos), relativo a quantia desembolsada para pagamento de despesas médicas.

Em suas razões de fls 85/97, a recorrente pede a reforma integral da sentença, porquanto, assegura a legitimidade da cláusula contratual.

O recurso não foi contrarrazoado pelos autores (fl 100).

Os autos foram distribuídos para esta 2a Turma Recursal, cabendo-me por sorteio a função de relator. Após examiná-los, submeto aos demais membros desta E. Corte o meu

V O T O:

Uma vez presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Inexistindo preliminares a serem apreciadas, passo ao exame do mérito.

A sentença recorrida de fl.08, examinou com pertinência os fatos lançados neste processo e estriba-se nos textos legais, sobretudo aquele especifico para o caso, o CDC, sendo incensurável, pelo que merece confirmação por seus próprios e jurídicos fundamentos.

As cláusulas contratuais fazem parte de um contrato de adesão, que não pode ser discutido ou modificado pelo aderente, eivado de imposições iníquas, abusivas, que estabelecem vantagens desproporcionais para a seguradora em detrimento de direitos básicos do consumidor, tornando assim extremamente desequilibrada a relação contratual, eis que, no seu conjunto, o que visa a seguradora é tão somente o lucro, não lhe importando a vida e a saúde de seus clientes.

Por isso, cumpre ao Estado preservar os princípios estabelecidos no art. 4º do CDC, fazendo cumprir as metas estabelecidas pela Política Nacional das Relações de Consumo, devendo o Poder Judiciário, sempre que se deparar com práticas comerciais abusivas, que desrespeitem a dignidade, a saúde e a segurança dos consumidores, fazer restabelecer o equilíbrio nas relações de consumo.

É oportuno invocar aqui alguns princípios em boa hora agasalhados pelo novo Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8.078, de 11.9.90) que representam a síntese de cuidadoso estudo a respeito dos temas em debate, servindo, assim, de diretrizes jurídicas aptas a auxiliar o jurista na tarefa de conferir a licitude de certas cláusulas contratuais, assim como das posições defendidas pelas partes na lide.

O Código de Defesa do Consumidor, cujas normas foram erigidas à categoria de ordem pública e interesse social pela Constituição Federal, afastou, desde o seu advento, quaisquer outras normas e princípios do direito que até então existiam e que viessem a contrariá-la.

Já está cediço na doutrina e na jurisprudência que o princípio do pacta sunt servanda foi relativamente flexibilizado em face do que dispõe o art. 6°, incisos IV e V do CDC, que admitiram, explicitamente, a interferência do Poder Judiciário na revisão e modificação de cláusulas contratuais abusivas, já que reconhece a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (art. 4°, I) e determina a intervenção do Estado nas relações de consumo visando preservar os princípios da boa-fé e do equilíbrio entre as partes (art. 4°, III).


Em especial nos contratos de prestação de serviços médicos, deve mais do que em qualquer outro o Judiciário interferir, no sentido de preservar o indispensável equilíbrio entre os dois interesses conflitantes: o comercial, do fornecedor, e o da preservação da vida e saúde, do consumidor.

Proliferam nesse campo a abusividade e o desrespeito ao consumidor, com a imposição de cláusulas contratuais restritivas inimagináveis, a ponto de vermos diariamente serem bruscamente retirados pacientes dos leitos dos hospitais e de UTIs, esquecendo-se as empresas de planos de saúde que têm o dever de dar aos seus associados a segurança e a qualidade implícitas nesse tipo de serviço.

CLÁUDIA LIMA MARQUES, em estudo sobre as “Expectativas legítimas dos consumidores nos planos e seguros privados de saúde e o Projeto de Lei n° 4.425/94”, diz:

“O CDC estabelece duas garantias legais quanto aos serviços prestados no mercado brasileiro: a garantia legal de adequação do serviço ao fim que dele se espera (art. 24 CDC) e a garantia legal de segurança do serviço (art. 8 c/c art. 14 do CDC). Estas garantias significam a impossibilidade de transferência destes riscos para o consumidor através de cláusula contratual em benefício do fornecedor. Tais cláusulas ficam proibidas pelo art. 25 do CDC e deverão ser consideradas como abusivas pelo aplicador da lei com base no art. 51, I e IV do CDC. Em outras palavras o CDC proíbe a renúncia unilateral pelo consumidor de seus novos direitos. O contrato de seguro ou plano de saúde, mesmo solene, deve ser interpretado pró-consumidor (art. 47 do CDC), declaradas nulas as cláusulas abusivas pactuadas ou presentes na apólice.”

Por outro lado, para atingir um patamar mínimo de boa-fé e transparência nas relações contratuais, devem as empresas do ramo da saúde observar o dever de prestar nos seus contratos informação clara, correta, precisa e compreensível, sob pena dessas cláusulas não obrigarem o consumidor, na forma do disposto no art. 46 do CDC.

O CDC adveio para reparar tais malefícios, devendo o magistrado ajustar e equilibrar o contrato de modo a que sem prejudicar o fornecedor, não onere excessivamente o consumidor.

Falece razão à acionada para agitar como argumento contra a pretensão da parte autora a existência da cláusula contratual, haja vista a flagrante ilegalidade e abusividade da mesma.

Outrossim, deve-se ter em mira as disposições do C.D.C. relativas à proteção contratual, pois estamos tratando de um contrato do tipo de adesão, em que o aderente não tem o mínimo poder de discutir as suas cláusulas, devendo o Poder Judiciário estar atento para analisar cuidadosamente as cláusulas impostas unilateralmente. a fim de evitar abusos contra a parte economicamente mais fraca e estabelecer o equânime equilíbrio entre ambas.

Sob essa ótica e de acordo com o art. 47 do C D C., as cláusulas contratuais devem ser interpretadas da maneira mais favorável ao consumidor.

Vale ressaltar-se, ainda, que em se tratando de cláusula restritivamente imposta, não obedece à forma legalmente estabelecida pelo art. 54, § 4 do C .D.C., ou seja, não está redigida com destaque suficiente à sua imediata e clara compreensão, e assim sendo, tal cláusula não obriga a autora, conforme a regra do art. 46 do mesmo Código.

No caso de cláusula restritiva, por se tratar de contrato de adesão, o art. 54, § 4° do CDC exige que as cláusulas que impliquem em limitação ao direito do consumidor sejam redigidas com destaque para permitir sua imediata e fácil compreensão.

Finalmente, em face dos inúmeros abusos cometidos pelas empresas de seguro saúde, a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, através da Portaria nº 03/99, acrescentou ao elenco de cláusulas abusivas do art. 51 do CDC, as que:

“Imponham, em contratos de planos de saúde firmados anteriormente à Lei 9.656/98, limites ou restrições a procedimentos médicos (consultas, exames médicos, laboratoriais e internações hospitalares, UTI e similares) contrariando prescrição médica”

Assim, os argumentos trazidos no presente recurso, à míngua de consistência, não conseguiram abalar os fundamentos que consubstanciam o veredictum monocrático.

Pelo exposto e tudo mais que dos autos consta, VOTO no sentido de NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO interposto, mantendo integralmente a sentença guerreada pelos seus fundamentos, condenando a recorrente em custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em valor correspondente a 01 salário mínimo, ante o pequeno valor da condenação, nos termos do art. 20, § 4º, CPC.

É como voto.

Salvador, Sala das Sessões, 11 de abril de 2006.

DR. BALTAZAR MIRANDA SARAIVA

JUIZ RELATOR

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!