Os 40 do mensalão

Ellen Gracie: “foro privilegiado só dá uma chance de defesa”

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1 de maio de 2006, 13h38

O foro especial para autoridades acusadas de crime por improbidade administrativa pode não ser um privilégio, e no caso específico do processo do mensalão, pode contribuir para acelerar o julgamento em vez de retardá-lo. Em sua primeira entrevista como presidente do Supremo Tribunal Federal, a ministra Ellen Gracie defendeu este ponto de vista, que vai contra o senso comum da maioria da imprensa e da classe política.

“O foro chamado privilegiado significa, na verdade, que os acusados têm uma única chance de defesa e uma única chance de absolvição/condenação. Se nós, por exemplo, iniciamos um processo no primeiro grau, há possibilidade de recurso ao segundo grau, ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal”. Disse a ministra em sua entrevista na sexta-feira (28/4).

A ministra destacou que os prazos processuais são os mesmos, seja na primeira instância, seja no Supremo. Com a causa indo diretamente para o STF, evita-se, de qualquer maneira, a repetição dos prazos em cada instância que os recursos farão o processo passar. “Não há uma diferença. E o direito de defesa, o direito sagrado, garantido pela nossa Constituição precisa ser assegurado tanto aqui quanto em primeira instância”, disse.

Ao se referir à questão do prazo de tramitação do processo do mensalão no Supremo a ministra ressaltou o compromisso legal e constitucional de garantir o direito de defesa de todos os acusados mas repeliu a idéia de que o processo deve ser necessariamente lento. “Gostaria de enfatizar que o Supremo Tribunal Federal já examinou casos como este muito difíceis e de grande repercussão e está aparelhado para processá-los”, disse a ministra, lembrando que “é o relator que conduz o processo”. No caso do mensalão, o relator é o ministro Joaquim Barbosa, que já preveniu que o julgamento pode durar anos.

Ao responder a outra pergunta na coletiva, Ellen Gracie falou da compexidade processual que faz retardar a administração de Justiça e cria a sensação de impunidade: “Eu acho que existem sim uma sensação de impunidade. Uma sensação de impunidade que não é de hoje e vem do fato de que temos realmente uma processualística, especialmente na área criminal, muito rebuscada. Realmente é muito difícil fazer chegar um processo a uma conclusão na área penal, isso porque são muitas as possibilidades de recursos e as possibilidades de se apontarem fatos que teriam fugido à regra absoluta, estrita de uma formalística, quem sabe até exagerada. Creio que deveríamos desbastar um pouco o sistema recursal não só na área penal como na área cível e, com isso, permitiremos que o processo flua”.

Leia a íntegra da entrevista:

Ellen Gracie — Eu gostaria de agradecer pela cobertura que vocês deram, não apenas à solenidade de ontem, mas a que a imprensa tem dado ao longo do tempo à todas as atividades do poder judiciário. É muito importante para nós, dentro do Poder Judiciário, especialmente aqueles que se encarregam de tarefas administrativas, termos um feedback, e esse feedback nos chega através da imprensa. Como a sociedade nos percebe, nós só podemos saber através daquilo que vocês trazem ao nosso conhecimento. De modo que eu creio que esta é uma parceria indissociável. Nós temos percebido, em alguns momentos, uma sensação de que há uma verdadeira dilapidação do Poder Judiciário. Aquela crítica persistente, etc, etc. No entanto, nós verificamos que isso tem um lado extremamente saudável. Isso representou uma tomada de consciência do verdadeiro papel e da verdadeira importância que tem o funcionamento saudável de um Poder Judiciário para uma democracia e para o progresso do país, para que ele seja competitivo internacionalmente. Então, é com grande satisfação que converso com vocês e esta é apenas a primeira de uma série de ocasiões em que nós teremos de dialogar.

Ontem o presidente da OAB defendeu no discurso da posse da senhora sobre a possibilidade de se dar um tratamento diferenciado para o processo do “mensalão”. Entre outras coisas, ele sugeriu que o Supremo requisite juízes federais para ajudar no depoimento das testemunhas. Ele acredita que, se isso não acontecer, corre-se o risco de prescrição dos crimes que estão sendo investigados. Nesse sentido, a senhora acha possível dar um tratamento diferenciado para o processo?

Ellen Gracie — Eu realmente já tinha tido a oportunidade de ler a manifestação de ontem do presidente da OAB, declarações semelhantes em que se propõe um tratamento diferenciado para esse tipo de caso. O que eu gostaria de enfatizar é que o Supremo Tribunal Federal já examinou casos como este muito difíceis e de grande repercussão e está aparelhado para processá-los. O relator do caso é quem conduz o processo. Então o ministro Joaquim Barbosa, se assim entender, pode efetivamente delegar atos a serem praticados por outros magistrados. Tudo vai depender da condução do relator. Existe ainda também a possibilidade, e isso se faz em conjunto com o Ministério Público de desmembramento do caso. O que eu faço questão de esclarecer é que os prazos processuais são exatamente os mesmos, tanto aqui no Supremo, como seriam na primeira instância. Não há uma diferença. E o direito de defesa, o direito sagrado, garantido pela nossa Constituição precisa ser assegurado tanto aqui quanto em primeira instância.


Embora a senhora tenha acabado de dizer que o Supremo tem condições de julgar o processo do “mensalão”, já ouvimos críticas, nos últimos tempos, sobre o fato de que o Supremo não seria o Tribunal mais adequado, por ser voltado para questões constitucionais. Eu queria saber se a senhora é a favor do foro privilegiado.

Ellen Gracie — O foro chamado privilegiado significa, na verdade, que os acusados têm uma única chance de defesa e uma única chance de absolvição/condenação. Se nós, por exemplo, iniciamos um processo no primeiro grau, há possibilidade de recurso ao segundo grau, ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. De modo que, quando se fala em privilegiado, é uma chance única que os acusados têm. E historicamente no nosso país, algumas funções, exatamente pela sensibilidade política de que se revestem elas têm recebido esse tratamento. Eu acredito que seja um tratamento adequado. É diferente sim, em outros países, mas também os outros países são diferentes do Brasil, de modo que não temos que copiar ipsis litteris tudo que se faz em outras partes.

Ministra, o procurador-geral da República disse ontem no seu discurso que a senhora está assumindo o comando do Poder Judiciário no momento em que as instituições estatais estão numa prova de resistência. Eu queria saber como a senhora vê essa crise política e como a senhora vê o papel que o Judiciário vai ter nesse momento, especialmente por causa do inquérito do mensalão.

Ellen Gracie — Achei interessante e muito adequada essa expressão que usou o procurador-geral “teste de resistência”. É aquele momento em que se verifica exatamente a higidez das instituições. Temos um aparente conflito entre instituições, o que existe é uma acomodação. As instituições, no nosso sistema republicano obedecem ao sistema de ‘freios e contrapesos’. Uma contrapõe e limita os poderes da outra. Isso acontece normalmente e nós vemos hoje as instituições brasileiras funcionando dentro da sua de competência, cada uma delas tem constitucionalmente fixado os seus limitadores, de modo que vemos com satisfação que a democracia brasileira está passando por este teste de resistência e está passando bem. Para exemplificar, talvez, essa aparente antinomia ou esse aparente confronto de Poderes eu queria lembrar que, há algum tempo, pessoas que iam prestar depoimento nas CPIs às vezes saíam presas. E de tanto o Supremo declarar, insistentemente que isso não era possível, verificou-se que na última temporada de depoimentos isso não aconteceu. Então já pensamos e conversamos com lideranças parlamentares no sentido de elaborar uma espécie de manual com a jurisprudência consolidada do STF a respeito das CPIs. Estamos, de fato, construindo uma doutrina relativa aos poderes e à atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito, que são um instrumento poderosíssimo que o Parlamento tem para averiguar e fiscalizar mas que encontram o seu limite naqueles direitos fundamentais garantidos pela Constituição.

Qual a expectativa da senhora quanto ao teto salarial no Judiciário e nos demais poderes?

Ellen Gracie — O Conselho Nacional de Justiça, entre tantas iniciativas que já adotou nesse curto período de existência, fez o limitador do teto salarial. Ou seja, a partir do salário deferido ao ministro do Supremo Tribunal Federal se instalou o salário do Judiciário. Acreditamos que essa é uma contribuição importante que o Judiciário faz e que certamente será seguida pelos demais Poderes. É preciso que cheguemos à conclusão de que as dificuldades com fixação de limites salariais decorrem de um período em que vivíamos em alta inflação, quando, em decorrência da impossibilidade de reajuste mensal dos salários, criavam-se gratificações e todo tipo de penduricalhos ao salário efetivo. Seria muito saudável que nós tivéssemos um valor único, como o subsídio do ministro do Supremo, que corresponda às responsabilidades de cada cargo.

Há um projeto em tramitação no Congresso cujo objetivo é estabelecer regras ou limitar a concessão de liminares sobretudo em casos de CPIs. Esse projeto não seria inconstitucional tendo em vista as garantias e direitos individuais quando há urgência de se conceder uma liminar em razão do perigo da demora?

Ellen Gracie — Eu vejo com naturalidade essa iniciativa do senador José Jorge e que já recebeu aprovação na Comissão de Constituição e Justiça. O normal, num órgão colegiado é que as decisões sejam coletivas e é extremamente saudável que assim seja porque há possibilidade de debate, de apresentação de pontos de vista divergentes, eu me sinto realmente muito confortável quando posso debater os temas com os meus colegas e eles me fazem ver determinados aspectos que eu não tinha percebido antes. Então isso me permite eventualmente até retroceder da posição que anteriormente havia adotado. Então, o normal num colegiado é que as decisões sejam coletivas. No entanto, há ocasiões em que é preciso por motivo de urgência, que haja uma decisão imediata. E esses são os casos em que, regimentalmente, se prevê a possibilidade de atuação individual do relator. Mas creia, não é nada confortável. É sempre melhor podermos repartir a responsabilidade e por isso mesmo, nos meses de férias, são os meses de terror para os presidentes dos tribunais.



Mas esse projeto não vai prejudicar a fluidez das decisões?

Ellen Gracie — Eu creio que não há prejuízo qualquer à celeridade das decisões. Toda vez que se tratar de uma medida de extrema urgência há possibilidade de o relator deferir individualmente, mas sempre que possível, com eu dizia, é bom, é saudável que venha a conhecimento do Plenário.

Ainda nesse assunto, a senhora considerou isso uma resposta do Congresso Nacional a uma suposta interferência do Judiciário em decisões das comissões internas das CPIs e do Congresso como um todo?

Ellen Gracie — Não, eu não vejo assim. O Congresso Nacional é quem traz as pautas, é quem pode alterar a competência desta Corte, pode fazer alterações significativas na legislação. Então não há realmente que tratar o assunto como uma interferência. É de novo, como eu disse, aquele exercício entre Poderes, de aperfeiçoamento das relações institucionais.

O projeto de lei, se for aprovado, não vai criar uma diferenciação de tratamento das liminares aqui no Supremo?

Ellen Gracie — Eu creio que não, porque toda legislação precisa ser genérica e com aplicação uniforme, senão estaremos quebrando aquele princípio que é fundamental da democracia de igualdade de todos perante a lei. Eu não vi a íntegra do projeto e não saberia discutir detalhes mas me parece que tendo sido aprovado pela CCJ certamente não deve padecer desse vício. Qualquer vício também poderá, caso o projeto seja aprovado, que seja questionado nesta Corte pela via da ação direta de inconstitucionalidade.

Quais serão, a partir de agora, os principais pontos que o Conselho vai discutir, depois da polêmica gerada pelo nepotismo?

Ellen Gracie — Creio que estamos agora dentro do conselho finalizando os últimos enunciados com as últimas definições e detalhamentos de todas as dúvidas que surgiram com relação à Resolução n° 7/06. A partir de agora, creio que o conselho adota uma postura muito mais propositiva. Desde o ano passado, já vêm funcionando as comissões temáticas. Uma delas, por exemplo, cuida dos juizados especiais e de sua atuação. Vejo com grande esperança a atuação desses juizados que se tornam muito próximo do cidadão e, especialmente alguns que já estão informatizados, conseguem dar uma resposta muito imediata. Temos juizados especializados em área previdenciária que dão sentenças em dez dias. Realmente são aspectos muito positivos e o conselho vai investir pesadamente nesse tipo de “ilhas de eficiência” que existem no Judiciário Brasileiro. Temos pouca divulgação a respeito das coisas boas do Poder Judiciário. Vocês sabem muito bem que temos uma justiça eleitoral que é modelo para o mundo. Conseguimos dar em cinco horas o resultado de uma eleição geral nacional num país com 120 milhões de eleitores. Portanto, se a Justiça Eleitoral funciona bem – e é uma pequena amostragem de toda a magistratura brasileira, de todo o sistema judiciário – eu acredito que nós podemos fazer, com alguns ajustes, o sistema judiciário como um todo funcionar muito bem.

A senhora poderá ser a primeira mulher a assumir a presidência da República. A senhora já tem algum plano para esse período de interinidade?

Ellen Gracie — Já houve ocasião em que outros colegas ocuparam por alguns dias, na interinidade, a Presidência da República. É algo perfeitamente normal que faz parte, digamos, de uma possibilidade, especialmente dentro de um calendário eleitoral em que existem incompatibilidades e os outros sucessores que estão à frente do presidente do Supremo podem não desejar se colocar em situação de impedimento para uma próxima eleição.

Qual a opinião da senhora sobre aborto, casamento entre homosexuais e reeleição?

Ellen Gracie — Todas essas são questões que virão a julgamento perante o Supremo. E como vocês sabem, juízes em geral têm a proibição constante da Loman [Estatuto da Magistratura] de não se manifestarem sobre casos em julgamento. De modo que não posso aqui adiantar um voto sobre questões que vão necessariamente a julgamento. Quando forem julgados, vocês sabem que nossas sessões são abertas, são televisionadas, é o único país do mundo, em que qualquer cidadão sabe, no mesmo momento, como é que vota cada ministro do Supremo Tribunal Federal.

O presidente da OAB falou que existe impunidade no país. A senhora concorda com essa afirmação:

Ellen Gracie — Eu acho que existem sim uma sensação de impunidade. Uma sensação de impunidade que não é de hoje e vem do fato de que temos realmente uma processualística, especialmente na área criminal, muito rebuscada. Realmente é muito difícil fazer chegar um processo a uma conclusão na área penal, isso porque são muitas as possibilidades de recursos e as possibilidades de se apontarem fatos que teriam fugido à regra absoluta, estrita de uma formalística, quem sabe até exagerada. Creio que deveríamos desbastar um pouco o sistema recursal não só na área penal como na área cível e, com isso, permitiremos que o processo flua. Ou seja, o ideal é que a partir de uma denúncia se chegue ao final a uma solução que será absolvitória ou condenatória, de acordo com a prova dos autos. O que não podemos retroceder é nas garantias democráticas, do pleno direito de defesa. Esta é uma conquista da civilização que está inserida nas nossas constituições e que esperamos seja sempre respeitada.


Estamos em um ano eleitoral e talvez seja uma das campanhas mais acirradas de que se tem notícia. No meio dessa confusão sobraram acusações até ao Supremo, de que os ministros estariam manifestando preferências político-partidárias, estavam tomando partido nessa disputa tão acirrada. O que muda na gestão da senhora em relação ao enfrentamento dessa questão? O que seria diferente das gestões anteriores?

Ellen Gracie — Temos tido no Supremo, felizmente, um contínuo de grandes presidentes. Eu dou seqüência a uma administração muito bem sucedida do ponto de vista interno, administrativa, e também do ponto de vista das relações com os demais poderes que fez a gestão do ministro Nelson Jobim. É claro que as pessoas têm personalidades diferentes. Eu sou um pouco mais reservada e talvez com menos treinamento de mídia do que seria necessário com abertura a certas questões. A minha ênfase grande, e eu creio que é trabalho para 24 horas no dia, vai ser, primeiro a administração do próprio tribunal, e depois a administração, essa que é imensa, do Conselho Nacional de Justiça. Pelo CNJ temos a possibilidade de alcançar todo o país e temos a possibilidade de fazer e pretendemos fazer exatamente isso. E buscar, nos mais longínquos rincões, como é que o cidadão está sendo tratado e o que é preciso fazer para que ele se aproxime mais da justiça.

A senhora tem incentivado a integração dos países sul americanos. Como a senhora pretende conduzir esse processo de intercâmbio entre os poderes judiciários dos países da América do Sul e quais os assuntos que devem assumir destaque na sua gestão?

Ellen Gracie — Há algum tempo temos sentido que não apenas os poderes Executivo e Legislativo devem participar dessa integração continental. Primeiro o Mercosul, depois ampliando para a América Latina. Acreditamos que o Poder Judiciário tem também algo de muito importante para contribuir nesta formação de um bloco que nos dê mais competitividade internacional. Por isso o Tribunal já realizou o terceiro encontro de cortes supremas chamado de Mercosul mas, na realidade estendemos convites a todos os colegas sul americanos. Ontem [solenidade de posse], estiveram aqui conosco o presidente da Corte Suprema do Paraguai e um representante da Corte Suprema do Uruguai. Também estiveram outros colegas estrangeiros e é muito saudável que isso se faça, porque os juízes nacionais são, na realidade, os primeiros aplicadores dessas normas internacionais. Já temos programada a realização do quarto encontro e esperamos que possamos extrair daí algum movimento mais afirmativo. O intercâmbio entre juízes que se faz informalmente é muito importante para toda essa construção de uma realidade regional.

Comenta-se que o presidente da República deve indicar uma nova mulher para o Supremo na vaga deixada pelo ministro Nelson Jobim. A senhora já recebeu alguma sinalização do Palácio do Planalto nesse sentido pedindo a sugestão de algum nome?

Ellen Gracie — A indicação de ministros para o Supremo Tribunal Federal é atribuição exclusiva do Presidente da República. O que realmente aconteceu, quando fui entregar à Sua Excelência o convite para minha posse, foi um comentário em que ele dizia que gostaria de já ter, no momento da minha posse, definido o nome de quem iria compor o STF. Seria possível que a indicação fosse feminina, o que muito me agradaria. Mas eu realmente não tenho nenhuma possibilidade de fazer qualquer sugestão ao Presidente da República.

Gostaria de saber da senhora se as questões econômicas de massa são hoje o maior desafio do Supremo Tribunal Federal e quais as medidas que podem ser adotadas para combatê-las. O controle de constitucionalidade seria a medida mais eficaz nesse sentido?

Ellen Gracie — Temos enfrentado, não apenas esse tribunal mas todo o sistema judiciário tem enfrentado isso que você chama de questões de massa. Elas derivam também daquele período de altíssima inflação que vivemos. Então, num momento em que a moeda tinha valores diferentes de manhã e à tarde, realmente tudo isso virou de cabeça para baixo. Nas questões previdenciárias de reajuste de benefícios, que foi uma das chamadas grandes safras da Justiça Federal, chegavam ao Tribunal Federal os recursos nessa matéria. Eu, igualmente ficava preocupada porque eu não sabia que valor era aquele. A conta estava expressa numa moeda cujo valor não existia mais. Então como é que eu poderia chancelar um determinado resultado no mérito com valor desconhecido. De modo que, naquela ocasião criei uma estratégia de sobrevivência, traduzindo para dólares no momento de fazer cálculos e, então eu mais ou menos sabia se estava dentro da razoabilidade ou não o resultado da conta. Hoje, felizmente, temos níveis toleráveis de inflação tudo isso torna-se mais fácil. No entanto, o que acontece é que o sistema judiciário guardou consigo e tem, nas suas prateleiras, o que eu chamo de uma verdadeira bolha, o restante de todas essas demandas relativas a planos econômicos, relativas a reajustes de toda a sorte e isso terá que ser tratado de maneira adequada, me parece, através de dois mecanismos: súmula vinculante, onde ela for cabível, e a questão da repercussão geral. Eu acho que são dois instrumentos que o Congresso Nacional colocou nas mãos do Poder Judiciário realmente para poder eliminar essas chamadas demandas de massa. Com a boa utilização desses mecanismos é possível que num tempo relativamente curto nós vençamos esta bolha de demandas. E, a partir de então, possamos trabalhar num regime de tranqüilidade.

No decorrer da coletiva a senhora falou do poder das CPIs no Congresso Nacional. E inclusive citou que o STF poderia elaborar um manual baseado na jurisprudência sobre o assunto. A senhora poderia explicar melhor como funcionaria isso e se isso não seria uma interferência do Judiciário no Legislativo?

Ellen Gracie — Não, em absoluto. O que eu chamo de manual seria um volume . Já há interesse da própria gráfica do Senado de atuar em conjunto com o STF, para compilarmos todas as decisões mais recentes, relativas a esse último período em que houve uma série de demandas ao Supremo. O termo manual não quer dizer que ele deva ser seguido à risca mas é apenas o resultado daquilo que já foi decidido até agora.

A senhora elogiou a eficiência burocrática da Justiça Eleitoral. Eu concordo que de fato a justiça brasileira tem funcionado muito bem nesse aspecto. Mas a Justiça Eleitoral tem funcionado muito mal no que diz respeito à inibição da corrupção nas eleições. Eu queria saber se já não chegou o momento de se criar medidas que impeçam a candidatura de políticos indiciados em diversos casos de corrupção como tem acontecido freqüentemente no país.

Ellen Gracie — A Justiça Eleitoral tem cassado registros, desde que a legislação permita. Mas existem outras possibilidades que dependem , naturalmente, do Congresso Nacional para fixar outras normas. As normas vigentes, inclusive o artigo 41-A [da Lei nº 9.504/97], estão sendo aplicadas com grande rigor pela Justiça Eleitoral. Há exemplos que se contam aí às dúzias de pessoas que têm, depois de eleitas, perdido o seus cargos.

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