Ciclo do trabalho

Antigos têm de se aposentar para dar lugar aos novos

Autor

  • Wagner Balera

    é professor titular na Faculdade de Direito da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo e livre-docente e doutor em Direito Previdenciário pela mesma universidade.

30 de junho de 2006, 7h00

Como todos sabem, a legislação de previdência social que adotam os povos cultos foi inspirada no chamado modelo alemão, que Bismarck instituiu no final do século XIX.

Mais moderno, o modelo inglês, engendrado por Beveridge, é de cunho assistencial. Esse modelo busca conciliar a previdência social com a economia e, por essa razão, atrela o plano de proteção ao conjunto de ações que compõe a seguridade social e, também, à busca do pleno emprego.

Em época de desemprego, nenhuma medida de previdência pode descurar os efeitos sobre o mercado de trabalho. O modelo contributivo não pode sobreviver sem o aumento dos postos de trabalho e sem que a geração presente se disponha a financiar a previdência da geração pretérita, esperando que a futura cuide dela.

A criação do fator previdenciário pelo governo anterior instaurou o conflito intergeracional, retendo a geração que já deveria deixar o mercado de trabalho nos seus postos e, por conseguinte, impedindo que a nova geração de trabalhadores tivesse acesso àqueles lugares.

Não havendo a criação de novos postos de trabalho no mercado formal, as gerações mais novas buscam refúgio na informalidade, deixando de contribuir para o sistema de seguridade social e exigindo, no futuro, maiores dispêndios dos programas assistenciais.

A Alemanha percebeu, há bem pouco tempo, que deveria reduzir a idade para a aposentadoria dos trabalhadores a fim de que estes cedessem os postos de trabalho às novas gerações. Enquanto isso, o Estado brasileiro, com o seu fator previdenciário, quis prolongar a permanência dos trabalhadores em seus lugares para adiar o inadiável momento em que os mesmos irão exercer o seu direito previdenciário.

Ao falso déficit previdenciário (que é provocado pela ausência das contribuições da União e pelo desvio injustificado dos recursos da seguridades social para outras finalidades), veio somar-se o falso fator previdenciário que prolonga a permanência dos trabalhadores, já desgastados, na ativa e impede a natural substituição de gerações.

Essa impressionante ausência de visão de conjunto do fenômeno da seguridade social, que se transformou no bode expiatório do modelo econômico da recessão, ainda por cima causa manifestos prejuízos permanentes aos que resolvem exercer o direito legitimo à aponsentadoria, tendo cumprido o tempo legal para obtenção do benefício.

De fato, como alertei desde a implantação do perverso mecanismo (que tenho denominado pelo seu verdadeiro nome: redutor previdenciário), as perdas dos trabalhadores que se aposentam podem chegar a 30%, aviltando ainda mais os benefícios que já são, em média, de valor pouco expressivo.

Dando cumprimento ao comando constitucional que exige a justiça social como objetivo do Brasil, o senador Paulo Paim, conhecido lidador dos direitos dos aposentados e pensionistas, logrou ver aprovado o projeto que oportunamente apresentou ao Senado Federal, que extingue o torpe mecanismo do fator previdenciário, que adequadamente o senador identificou como o maior crime perpetrado contra os trabalhadores brasileiros.

Pois a boa notícia é que o Senado aprovou o PLS 296/03 que, de pronto, extingue o torpe mecanismo.

Doravante, os benefícios voltarão a ser calculados pela média aritmética dos últimos 36 salários de contribuição, apurados em período não superior a 48 meses. Isto é, retoma a regra de cálculo que fora consagrada pela Constituição de 1988 e que, em mais um golpe contra os direitos dos trabalhadores, se viu retirada da lei maior na contra-reforma de 1998. Esperemos que a Câmara dos Deputados possa, ainda neste ano, fazer algo de bom pelo povo brasileiro.

É verdade. Pode ser que o FMI e as conhecidas aves de mau agouro digam que o sistema previdenciário brasileiro vai quebrar de vez com a nova medida. Para eles, quanto menores forem os benefícios, tanto melhor porque a boniteza das contas públicas é o que lhes interessa, à custa dos mais elementares direitos sociais. Enfim, uma lei que se coloca em linha com a justiça social.

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