Direitos do preso

Entidade denuncia maus tratos a presos da cadeia de Jundiaí

Autor

26 de junho de 2006, 15h29

A entidade Ação dos Cristãos para Abolição da Tortura, uma das mais tradicionais do país a cuidar do exercício legal das atribuições do Estado, está denunciando supostas torturas na cadeia de Jundiaí (SP). Para tanto, divulgou um dossiê assinado pelos pesquisadores/visitantes Paulo César Sampaio (médico psiquiatra), Arlete da Silva Antonio (advogada), José Aparecido de Souza (padre) e Nelson Peres Cardoso de Andrade (assessor de comunicação). O dossiê fo remetido ao secretário da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu.

O dossiê elenca supostas práticas de tortura e é taxativo quanto ao descumprimento da lei na Cadeia Pública de Jundiaí. “A Cadeia Pública de Jundiaí está atualmente com 16 menores convivendo com presos adultos, em flagrante desrespeito ao ECA. Estes menores ficam juntos a vários presos adultos. Os adultos ficam soltos no pátio para banho de sol das 09hs00 às 16hs00 e os menores das 14:00horas as 18:00horas. Ficam por duas horas juntos e mesmo quando trancados continuam mantendo contato”. Os pesqusiadores citam o caso de um menor que foi preso por estar pichando muro. Mesmo sendo menor de idade ficou junto com os presos adultos, além de ter sofrido espancamento dos policiais. “Todos os menores também são espancados pelos investigadores”, diz o dossiê.

O relatório está sendo distribúido para vários países e entidades internacionais de direitos humanos.

Leia a íntegra

São Paulo, 16 de Junho de 2006.

RELATÓRIO DE DENÚNCIA 085/06/06/16

Exmo. Sr. Dr. Saulo de Castro Abreu

DD Secretário de Estado da Secretaria de Segurança Publica do Estado de São

Rua Libero Badaró, 39 CEP 01009.000 – São Paulo – SP

seguranç[email protected]

Paz e Bem

NATUREZA: Homicídio, Tortura, Maus tratos e Abuso de Poder.

DATA DA VISITA: 10/05/2006

LOCAL DA OCORRÊNCIA: Cadeia Pública de Jundiaí

HORÁRIO: entre 15h00 e 18h00.

VÍTIMAS: Presos e seus familiares

DENUNCIADOS: Seguranças, agentes penitenciários e policiais militares.

VISITANTES:

Paulo César Sampaio (médico psiquiatra)

Arlete da Silva Antonio (advogada)

José Aparecido de Souza (padre)

Nelson Peres Cardoso de Andrade (assessor de comunicação)

HISTÓRICO:

No dia 23 de abril de 2006, uma militante de entidade de Direitos Humanos visitou o X 20 denominada como cela de seguro, local no qual permanecem os presos que necessitam manter-se afastados do convívio dos demais presos. Segundo a denunciante, estes presos sofrem atos de tortura praticados pelos carcereiros e por policiais civis da unidade prisional, que além de ameaçá-los de morte, torturam física e psicologicamente, ameaçando-os de retirá-los do seguro e colocá-los no convívio com os demais presos.

Como delegado e Diretor da Cadeia Pública de Jundiaí, o Sr. Fernando Yoshikazu Yawanaga, vem praticando atos de abuso de autoridade e outras irregulares que além de causar constrangimento, violam os direitos dos presos.

Segundo informação dos familiares, tanto o diretor como os policiais civis e carcereiros da unidade prisional, praticam atos de tortura contra os presos, como também por omissão, não permitem aos presos socorro médico.

Estes familiares denunciam os descasos das autoridades: falta de material de higiene pessoal; colchão; cobertor, atendimento médico; medicação e alimentação sem condição de consumo. Relatam também que no dia 22 de março p.p., a investigadora da policia civil Elizeth, ao ver um dos presos fazer uma determinada brincadeira em tom de ironia com dois de seus colegas de cela, interpretou que a brincadeira fosse com ela, em seguida agiu de violência contra o preso, quebrando o braço deste com um pedaço de ferro.

Relata também a denunciante que entre os presos, dois deles, um conhecido como gordo e outro preso de orientação homossexual, sofrem perseguições por parte dos carcereiros e dos policiais civis da unidade. No primeiro constatou marcas e hematomas nas costas e pernas; no segundo marcas de queimaduras de cigarro e hematomas nas costas.

Informa também que não sabe identificar os presos pelo nome e esclarece que os presos sofrem tortura psicológica praticada pelos policiais civis que repetem constantemente a seguinte frase: “Quem manda na cadeia são os policiais, pra um morrer aqui dentro não precisa muito” .

Em visita realizada no dia 10/05/2006 na unidade prisional, a equipe técnica da ACAT-Brasil foi recebida pelo agente Vanderlei, que comunicou por telefone nossa presença ao delegado Sr. Fernando Yoshikozu Yawanaga.

Aguardamos a chegada do delegado fora das dependências da unidade prisional por quarenta minutos, ou seja, até ás 16hs20. O delegado quando chegou informou que a unidade havia sofrido recentemente rebelião entre os presos e que a televisão seria liberada para todos. Informou algumas providencias em andamento quanto à manutenção e obras na unidade para as acomodações dos presos.


O atendimento somente teve início ás 17hs10 e por determinação do delegado. Um agente carcerário vigiou o atendimento da equipe técnica aos presos até o final, que se deu através das grades da cela 20.

Curiosos com a nossa presença, os presos formaram um tumulto em frente à grade. Todos pareciam estar apreensivos e ao notarem a presença do agente de segurança, permaneceram calados até a apresentação da equipe e da atuação da ACAT.

Imbuídos em preservar a integridade física dos presos, informamos ao menos o endereço da entidade para denunciarem qualquer ocorrência.

Em razão da apuração dos fatos denunciados terem sido frustrados pelo próprio delegado Sr. Fernando Yoshikazu Yawanaga, como também pela falta de condições para o atendimento aos presos, devido o formato da grade da cela (uma sobreposta à outra) que dificultou a nossa visão, conseguimos ao final obter informações das seguintes irregularidades:

1) Descumprimento da Lei de Execuções Penais:

Presos já condenados continuam a cumprir pena nesta Cadeia Pública, quando já deveriam estar em Unidade Prisional específica.

a) Rodrigo Masson: Condenado por 3 anos e 50 dias, permanece na unidade prisional a 1 ano e 2 meses;

b) Fábio Pinheiro: Condenado por 6 anos, permanece na unidade prisional a 1 ano e 1 mês

c) Edivaldo Batista da Silva: condenado desde novembro/2005, permanece na unidade a 1 ano e 1 mês.

2) Violação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Conforme orientação do referido Estatuto da Criança e do Adolescente, omitiremos a identidade dos mesmos. Cerca de 15 menores de idade por serem inimputáveis não podem cumprir pena, entretanto estão presos dentro desta cadeia.

3) Violação dos Direitos Humanos.

Refere que muitos preso foram espancados e torturados, alguns vindo a óbitos, sendo que vários ainda apresentam marca dos espancamentos sofridos.

4) Precariedade no atendimento à saúde.

Existe no momento surto de escabiose, pacientes com tuberculose que não recebem o devido atendimento médico adequado nem qualquer tipo de medicação

Em 22 de março deste ano houve uma tentativa de rebelião com saldo de NOVE presos mortos, e vários espancados. Familiares dos presos vieram a ACAT denunciar homicídios, abusos, maus tratos, torturas e espancamentos, inclusive de menores nesta cadeia.

Referem que a cadeia esta atualmente com uma média de 480 presos onde a capacidade é de 120, que os colchões e cobertores existentes são adquiridos pelos familiares e que os presos que não tem condições financeiras para comprar, dormem no chão de concreto, “A FAMILIA TEM QUE LEVAR O COLCHÃO, COBERTOR, TOALHA, SABONETE, PAPEL HIGIENICO E PASTA DENTAL. Água Sanitária, sabão e desinfetante que a família leva, é pego pelos funcionários para lavar a parte administrativa da cadeia”.

Falam que a parte elétrica está com a fiação exposta, fios desencapados, muitas celas sem lâmpadas e varias “gambiarras” que expõe a risco de incêndio, em cada cela moram mais de 40 presos refere também que água existe até uma certa hora.

Revista

No momento das revistas entram vinte mulheres em uma sala e são obrigadas a tirarem toda a roupa e se abaixarem com as pernas abertas por três vezes, logo após são obrigadas a colocarem um dos pés em cima de uma cadeira e abaixarem-se por mais três vezes. Esta prática é realizada na frente de todas não se respeitando as idosas nem as doentes. “Muitas famílias desistem de visitar seus parentes por causa da vergonha que sentem”.

Fora a humilhação destas situações constrangedoras ainda são xingadas de vagabundas e algumas funcionárias falam: “não agüento mais este cheiro e referem também que na próxima semana vão botar um espelho para ver a gente por dentro”(sic).

Citam também que rasgam o cartão de visita por motivos banais: “ outro dia o preso estava de castigo e não podia receber visita, a esposa pediu para deixar a comida, pois não tinha sido avisada e tinha gasto o que não podia para trazer o alimento, a funcionaria pegou e rasgou sua carteira na frente de todo mundo

Revista em Crianças

Meninas: Todas as crianças têm que tirar a roupa e as maiores de oito anos também tem que abaixar por três vezes “Muitas choram de vergonha e não querem mais retornar a visitar os familiares”.

Meninos: O menor E. C. D. relata: “Agente tem que arregaçar o pipi e abrir o bumbum, também para eles verem, eu fui uma vez e não quero ir mais lá, de jeito nenhum”(sic)

Colchões

No dia 15/05/06, um dia após as rebeliões, o Delegado Dr. Fernando ordenou que fossem recolhidos todos os colchões, cobertores e pertences dos presos e removeu em seis caminhões alegando que foi feito rebelião e agora teriam que dormir no chão e pelados. Vinte dias depois, duzentos e cinqüenta mulheres foram até a Seccional falar com o Diretor Dr. Joaquim e pediram para que liberasse para elas levarem novos colchões, cobertores e roupas, evitando que muitos deles morressem de frio. O Delegado falou que ia pensar no assunto e no outro dia ele permitiu a entrada dos objetos; este caso repercutiu na imprensa.


Saúde

Além da superpopulação da cadeia que aumenta o número de doenças como escabiose, gripe, etc. A Cadeia é escura e úmida o que aumenta os casos de Bronquite e outras doenças pulmonares e dermatológicas de difícil controle em um local como este; a vigilância sanitária já condenou esta cadeia sem haver entretanto melhorias após isto. Não tem medicação necessária para cuidar dos presos e após a rebelião do dia 14/05 as visitas medicas que já eram precárias (vês ao mês) cessou totalmente que tem paciente usando bolsa de colostomia, e quando a mãe não consegue comprar, tem que usar saco de supermercado e que por isso é evitado por outros presos. Vários casos de presos com diagnóstico tuberculose se encontram sem tratamento, o que pode ocasionar o surgimento de bacilos multi-resistentes.

A.A. portador de doença mental, aposentado com diagnóstico de esquizofrenia com tratamento medicamentoso Orap, Rivotril, Tegretol, Neozine e Fenergan. Preso desde fevereiro pelo homicídio da própria genitora, deveria o mesmo estar em unidade específica aos casos de medida de tratamento.

Desde o dia 14 de maio p.p., existi ainda na Cadeia Pública de Jundiaí, presos feridos sem socorro médico, inclusive um preso com ferimento na região da boca.

1) Gerson de Almeida Espera: ferido por 02 balas na barriga, uma em cada lado;

Paiva: ferimento á bala em uma das pernas;

DESRESPEITO AO ECA

A Cadeia pública de Jundiaí está atualmente com 16 menores convivendo com presos adultos, em flagrante desrespeito ao ECA.

Estes menores ficam juntos a vários presos adultos. Os adultos ficam soltos no pátio para banho de sol das 09hs00 às 16hs00 e os menores das 14:00horas as 18:00horas. Ficam por duas horas juntos e mesmo quando trancados continuam mantendo contato. Citam o caso de um menor que foi preso por estar pichando muro e mesmo sendo menor de idade ficou junto com os presos adultos e espancado por policiais. “Todos os menores também são espancados pelos investigadores”

Alimentação

Desde a última rebelião referem que a alimentação tem um cheiro ruim, e azedo e com bicho. No domingo só tem café da manhã e os presos ficam trancados o tempo todo. Os familiares já se prontificaram a levar a alimentação, porém não foi permitido.

Refeições sem condições de consumo, estragadas, com detritos orgânicos ou inorgânicos de origem humana, animal e de insetos

.

O Inferno em Vida

Na primeira rebelião que aconteceu em Março deste ano morreram nove presos na cadeia e um no Hospital em São Vicente – “Depois da rebelião foram quase todos espancados e tiraram tudo na revista”. Na rebelião do dia 14/05/06 que foi num Domingo estavam todos trancados e o Delegado Dr. Fernando e o investigador Furlan mandaram todos os presos saírem das celas e deixaram Alan, Anderson e Edi Carlos sozinhos. “Alan, quebraram os braços e as pernas, torturam e o esfaquearam e depois soltaram os cachorros para morderam ele e em seguida o mataram a balas”. “Edi Carlos foi quebrado o cotovelo, espancado, mordido pelos cachorros nas nádegas e pernas e depois morto à bala”. “Anderson foi torturado e espancado, mordido pelos cachorros, e morto a bala pelos policiais”.

Estes homens foram barbaramente espancados até a morte. O funcionário Furlan liderou o espancamento utilizando barras de ferro, fazendo com que gritassem enquanto sofriam os espancamentos, “VIVA A GARRA”, “VIVA LUCIFER”. As denunciantes relatam que foram ao IML reconhecer os cadáveres e um funcionário solidário permitiu que os vissem, constatando que Alan foi baleado na boca e teve as juntas dos braços e pernas quebradas. Edi Carlos teve suas coxas e nádegas comidas por cachorros. Anderson com várias marcas de espancamento com barra de ferro e mordidas de cachorros. Os familiares destas vítimas foram ameaçados caso denunciassem as condições dos cadáveres.

Mais doze presos foram feridos a bala, e houve muitos presos espancados. “A gente ficou do lado de fora da cadeia e ouvia os gritos de dor dos parentes da gente”.

Denuncia também que os policiais daquela unidade prisional agridem os presos com barras de ferro, socos e pontapés.

Vários familiares tiveram conhecimento das agressões praticadas contra o preso de vulgo Dani, constatando marcas e hematomas em todo o corpo, inclusive no rosto que estava totalmente roxo.

Em virtude da gravidade do caso e do desrespeito ao ECA e aos Direitos Humanos, solicitamos o afastamento do Diretor da Cadeia Pública de Jundiaí Sr. Fernando Yoshikazuya Yawanaga.

Paulo César Sampaio

Coordenador – ACAT-Brasil

C/c

Anistia Internacional

[email protected]

Missão Permanente do Brasil. Junto a ONU

[email protected]

Sr. Safir SYED

Associate Human Rights Officer

Palais Wilson

Geneva (Switzerland)

UNOG – OHCHR

CH – 1211 – Geneva 10

[email protected]

Marina Narvaez/FVONU

[email protected]

IRCT

[email protected]

Fi.ACAT

[email protected]

OMCT

[email protected]

APT – Ação de Prevenção da Tortura

[email protected]

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!