Animus Jocandi

Juízes ofendem-se com notícia sobre suas férias e feriados

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23 de junho de 2006, 22h46

Sob o lema “Justiça do Trabalho: Novos desafios” os juízes trabalhistas de São Paulo aproveitaram os dias da semana que antecederam o feriado prolongado de novembro (finados) para seu encontro anual. O evento aconteceu em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Depois, os magistrados puderam aproveitar os quatro dias seguintes para descansar. Em 31 de dezembro, os juízes brasileiros completarão 90 dias de folga. Além dos 60 dias de férias a que fazem jus todo ano, o calendário do Judiciário prevê mais 30 feriados.

Eventos para o aprimoramento e intercâmbio de conhecimentos entre juízes são oportunos e desejáveis. Na mesma quinzena em que aconteceu o encontro de Angra dos Reis, outros sete encontros semelhantes foram promovidos em locais igualmente atraentes, cidades litorâneas do Nordeste ou no Costão do Santinho, em Santa Catarina.

Mas a breve notícia reproduzida no primeiro parágrafo deste texto serviu de pretexto para duas juízas e um juiz trabalhista de São Paulo movimentarem a máquina judiciária para se dizerem ofendidos com a sua publicação. E processaram a Editora Abril, responsável pela revista Exame e o jornalista Márcio Chaer, criador e então editor da seção de assuntos jurídicos da publicação, a coluna Leis & Negócios. A empresa jornalística e o profissional são defendidos pelo escritório Lourival J. Santos Advogados, cujo desempenho, neste caso, vem justificando o reconhecimento que a banca vem desfrutando no cenário jurídico.

O primeiro deles foi o juiz Gabriel Lopes Coutinho Filho, então diretor, hoje presidente da associação dos juízes trabalhistas de São Paulo (Amatra). Coutinho Filho expressou sua mágoa invocando sua luta cotidiana contra as dificuldades do quadro adverso em que atua “no árduo e quase sempre penoso exercício da magistratura”, situação que enfrenta “como um verdadeiro sacerdote, a serviço da coletividade”.

Na primeira audiência a que compareceu, Coutinho Filho expressou que tem do que se orgulhar. Segundo suas palavras, o juiz já concluiu cinco cursos superiores. Fez seu mestrado entre 2000 e 2002, na PUC, e mais: é professor de Direito do Mackenzie em cinco disciplinas, com carga horária de 20 horas por semana; é professor da Escola da Magistratura do TRT paulista; na Fadisp (Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo), onde é professor em quatro disciplinas, também com carga horária de 20 horas por semana. Seu currículo registra ainda passagem pela Universidade São Francisco (USF), onde deu aulas em três disciplinas (2000/2002), também com 20 horas semanais. Todas essas atividades, à época do encontro em Angra dos Reis, Coutinho Filho, que reside em Santana do Paranaíba, mas é juiz em São Paulo, acumulava com o cargo de diretor da Amatra.

Sônia Maria Lacerda, à época do evento em Angra dos Reis era vice-presidente da associação dos juízes do trabalho paulistas. Ela também protestou contra o texto e a ilustração da breve nota — a foto de uma rede amarrada entre dois coqueiros — e procurou o Judiciário em busca dos mesmos R$ 12 mil pedidos nas outras duas ações. Hoje Sônia Maria é quem cuida da área de Benefícios da Amatra, uma das diretorias mais ativas da entidade. Recentemente, a juíza conseguiu garantir 50 ingressos para a aguardada apresentação do Cirque du Soleil para os associados interessados no espetáculo. Inadvertidamente, Sônia tentou ser testemunha no mesmo caso em que é autora, na audiência abaixo relatada. O juiz não permitiu. Como se sabe e conforme ensina Valentim Carrion, provavelmente o mais citado doutrinador da área trabalhista, o autor é considerado, tacitamente, inimigo da parte — o que o desclassifica como testemunha.

O Juizado Especial Cível Central acaba de decidir a respeito do primeiro desses casos que aportaram no Judiciário. Trata-se da ação movida pela juíza Liane Casarin Schramm, igualmente dirigente da Amatra paulista.

Assim como Coutinho Filho, a autora considerou afrontosa a nota que informou sobre o calendário de folgas e férias da Amatra. Liane Casarin não compareceu à primeira audiência da ação que moveu por se encontrar licenciada do cargo por motivos de saúde.

Anteriormente, a juíza também enfrentara problemas por conta de afastamentos do trabalho. Na sessão em que o pleno e órgão especial do TRT discutiu promoções e movimentações de entrâncias, um grupo numeroso de juízes de segunda instância, manifestou-se contra sua postulação. A resistência baseou-se no fato de que a Constituição, com a Emenda 45, veda a promoção de juízes que estejam em atraso com o serviço ou que “injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão”. Era o caso de Liane, que somava mais de uma centena de processos nessas condições. Contudo, sua promoção acabou sendo aprovada diante do entendimento de que a Emenda Constitucional não seria auto-aplicável. Ela teve doze votos contra sua promoção e quarenta a favor.

No Juizado, Liane não contou com a mesma solidariedade do TRT. O juiz Eduardo Tobias de Aguiar Moeller concluiu sem hesitação que o texto publicado “não trouxe fatos inverídicos e não ofendeu a honra e a imagem da autora, tendo respeitado limites razoáveis do direito constitucional de liberdade de expressão.”

Leia a íntegra da decisão

Processo nº 000.05.744.562-1

Autor(a): LIANE CASARIN SCHRAMM

Ré(u): EDITORA ABRIL S/A e MARCIO CHAER

Vistos.

Dispensado o relatório, na forma do art. 38 da lei 9.099/95.

Decido.

Trata-se de ação de indenização por danos morais ajuizada por parte autora que exerce funções públicas de Juíza Federal do Trabalho, a qual fundamenta o pedido na reportagem de responsabilidade dos réus de fls.11.

Em que pesem as ponderações da autora, inclusive em seu depoimento pessoal colhido na audiência de instrução (fls.730, constato, após atenta leitura da reportagem de fls. 11, que não houve menção especifica do nome da autora, cuja honra e imagens pessoais, portanto, jamais foram alcançadas pelo conteúdo do texto.

A reportagem, aliás, consistente em simples nota jornalística jocosa, não menciona o nome de nenhum membro do Poder Jurídico Trabalhista. A reportagem refere-se apenas a um fato notório, objetivo e verdadeiro, relativo à realização de um encontro anual de juízes trabalhistas em vésperas de um feriado nacional, bem como relativo à soma do número de dias de férias previsto em lei federal, para a Magistratura, com o número de feriados existentes naquele ano.

Ainda que seja inequívoco o caráter jocoso da nota de reportagem, não há vedação legal ou constitucional a esta espécie de texto jornalístico. Neste sentido, vale ressaltar a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça. (grifos nossos):

CIVIL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. REVISTA HUMORÍSTICA. MATÉRIA SATÍRICA QUE TERIA MACULADO A HONRA DE ANTEPASSADO DAS RECORRENTES. CRÍTICA SOCIAL QUE TRANSCENDE A MEMÓRIA DO SUPOSTO OFENDIDO PARA ANALISAR, POR MEIO DA COMPARAÇÃO JOCOSA, TENDÊNCIA CULTURAL DE GRANDE REPERCUSSÃO NO PAÍS.

— Dentro do que se entende por exercício da atividade humorística, a matéria não teve por objetivo a critica pessoal ao antepassado das recorrentes, mas a sátira de certos costumes modernos que ganharam relevância e que são veiculados, hodiernamente, por mais de uma publicação nacional de grande circulação.

— O ‘mote’ supostamente lesivo, ademais, foi atribuído ao domínio público.

— A conduta praticada não carrega a necessária potencialidade lesiva, seja porque carecedora da menor seriedade a suposta ofensa praticada, seja porque nada houve para além de uma crítica genérica de tendências culturais, esta usando a suposta injúria com mera alegoria.

— Não cabe aos Tribunais dizer se o humor praticado é ‘popular’ ou ‘inteligente’, porquanto à critica artística não se destina o exercício da atividade jurisdicional.

Recurso especial não conhecido.

(Resp. nº 736.015 / RJ 2005/0048150-7, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma, j. em 16.06.2005, in DJU de 01.07.2005, p.533, v.m).

A autora não gostou da reportagem, isto é um fato incontroverso, e sentiu-se pessoalmente ofendida e atingida. Trata-se, porém, de inconformismo pessoal, o qual, por si só, não transforma a reportagem em ato ilícito gerador de obrigação de indenização. A reportagem não trouxe fatos inverídicos e não ofendeu a honra e imagem da autora, tendo respeitado limites razoáveis do direito constitucional de liberdade de expressão.

Entendo, portanto, que não há ato ilícito que justifique a pretensão formulada.

Por estas razões, JULGO IMPROCEDENTE esta ação que LIANE CASARIN SCHRAMM ajuizou contra EDITORA ABRIL S/A e MÁRCIO CHAER.

Sem custas ou honorários advocatícios, na forma do art. 55 da lei 9.099/95.

As partes poderão interpor recurso inominado contra esta sentença, no prazo de 10 (dez) dias, por meio de advogado, mediante o pagamento do preparo recursal e do porte de remessa e retorno, na forma do art. 42 da Lei Federal 9.099/95 e do art. 4º da Lei Estadual nº 11.608/2003. O preparo recursal corresponde ao valor de R$ 360,00 (art.4º, inc. I a III, lei estadual nº 11.608/03) e deverá ser recolhido na guia GARE-DR (código 230); o porte de remessa e retorno corresponde ao valor de R$ 17,78 por volume de autos (art. 4º, § 4º, lei estadual nº 11.608/03 c.c Provimento nº 833/04 do Tribunal de Justiça de São Paulo) e deverá ser recolhido na guia do Fundo Especial de Despesas do Tribunal (código 110-4) nas agências do Banco Nossa Caixa S/A ou pela internet (www.nossacaixa.com.br).

P.R.I.C

Eduardo Tobias de Aguiar Moeller

Juiz de Direito

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