Batalha dos números

TJ paulista reduz valor de honorários de advogados da Bombril

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21 de junho de 2006, 18h50

A Justiça de São Paulo decidiu, nesta terça-feira (20/6), mais um conflito no processo de recuperação judicial da Bombril. Desta vez, a briga é dos advogados da empresa, que lutam pelos honorários de sucumbência. O pedido deles para aumentar o índice dos honorários não só foi rejeitado como os desembargadores da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reduziram o valor em um terço.

Ainda assim, o juiz considerou alta a quantia a ser paga. Os advogados terão direito a R$ 20 milhões. O valor representa 5% do total da dívida da empresa. Em primeira instância, o percentual fixado era de 15%, o que daria quase R$ 70 milhões. O advogado Antônio Augusto de Souza Coelho pediu ao TJ que a sucumbência fosse fixada em 20% do total da dívida, ou seja, R$ 87,9 milhões.

Os 20% pedidos por Coelho, ex-advogado do ex-dono da Bombril, Ronaldo Sampaio Ferreira, representam o percentual máximo de honorários de sucumbência permitido pelo Código de Processo Civil. Pela lei, o mínimo é de 10%.

Mesmo assim, de acordo com o relator no TJ, desembargador Ênio Santarelli Zulaini, há doutrinadores que defendem que, em casos excepcionais, o piso e teto estabelecidos pela legislação não precisam ser respeitados. A exceção vale para casos em que o valor final fique muito baixo ou muito alto, como na questão da Bombril. “O trabalho desenvolvido no processo não sustenta o arbitramento em quantia próxima a R$ 90 milhões”, entendeu.

O desembargador observou que, no contrato entre cliente e advogado, foi fixado um percentual que varia de 3 a 6% do total da dívida. No entanto, o juiz não está subordinado ao contrato. “Por mais transparente e eficaz que seja o contrato, será impotente diante do poder discricionário do juiz.”

Outra questão que Zulaini levantou é sobre o direito dos advogados que sucederam Antônio Augusto de Souza Coelho no processo de também receberem a sucumbência. “Da forma como os advogados apelantes estão conduzindo a questão, somente eles, com exclusividade, fariam jus aos honorários devidos pelo ajuizamento da execução, quando, se sabe, que outros, agora, estão exercendo o mister, em continuidade.”

Por unanimidade, a 4ª Câmara de Direito Privado reduziu para 5% da dívida dos honorários de sucumbência e devolveu o processo para a primeira instância, para que o juiz decida como será repartida a quantia entre os advogados, originários e sucessores.

Administração judicial

No dia 8 de junho, o Tribunal de Justiça afastou a administração judicial da Bombril. A 4ª Câmara de Direito Privado do tribunal entendeu que a administração não fazia mais sentido já que o plano de recuperação foi aprovado. A empresa estava sob administração judicial desde julho de 2003.

Leia o voto do desembargador Ênio Zuliani

VOTO Nº: 9861

APEL.Nº: 413.943-4/4

COMARCA: SÃO PAULO

APTE. : ANTÔNIO AUGUSTO DE SOUZA COELHO e OUTROS

APDO. : BOMBRIL HOLDING S/A

Dívida contratual decorrente de transferência de ações; quantum debeatur definido em diversos aditivos redigidos em virtude da necessidade de renegociação do saldo devido, pela inclusão de acréscimos, inclusive para corrigir os efeitos da mora debitoris – Liquidez incontroversa, com exceção do cômputo de montante que seria devido para compensar risco do esvaziamento da garantia, o que é inadmissível em termos de justiça e equilíbrio contratual.

Não provimento do recurso da credora; provimento, em parte, dos recursos dos embargantes, para excluir a cláusula penal compensatória e para reduzir a verba honorária para 5% do valor atualizado da dívida; não provimento do recurso dos Advogados que desejam majorar a verba para quantia próxima a noventa milhões de reais.

Vistos.

A cópia da petição de execução está encartada a fl. 1727 [9º volume]. A NEWCO executa R$ 331.846.436,04, que representa o valor da dívida, atualizada, da venda e compra de ações. Pretendeu a verba honorária de 20% do valor da dívida.

A r. sentença de fl. 2337/2372, acolheu, em parte, os embargos ofertados por BOMBRIL HOLDING S.A., CRAGNOTI & PARTNERS CAPITAL INVESTMENT BRASIL S.A. e CIRIO FINANZIARIA S.p.A. e reduziu a quantia da dívida executada por NEWCO INTERNATIONAL LIMITED [em US$ 20.820.000,00], determinando que se prosseguisse pelo saldo de US$ 100.955.468,00. Os honorários foram fixados em 15% do valor total da execução e a cláusula penal reduzida de 20% para 18%.

Os advogados, ANTÔNIO AUGUSTO DE SOUZA COELHO e MARIA CONCEIÇÃO DA HORA GONÇALVES COELHO recorrem porque entendem que a verba honorária deve ser arbitrada em 20% do valor executado, sob a responsabilidade dos devedores embargantes [fl. 2384]. No contrato consta que os honorários serão de 20% sobre o valor do débito cobrado, em caso de recurso ao Judiciário [fl. 96].


A NEWCO [credora] recorreu para que prevaleça o que constou do contrato, o que implica na manutenção do valor integral e confessado pela venda do controle acionário da Bombril e preservação do percentual da cláusula penal [fl. 2407].

A BOMBRIL HOLDING S.A. e CIRIO FINANZIARIA S.p.A. recorrem em busca da nulidade da sentença, por não se permitir a prova que demonstraria ter ocorrido cobrança de juros de 14% ao mês, o que explica a majoração do quantum originário [US$ 87.825.000,00 para US$ 121.815.468,00, em seis anos]. A fundamentação das apelantes decorre de que não há liquidez em um título que é seguidamente redimensionado, como se sucedeu com doze aditivos em seis anos. As apelantes também questionam o valor dos honorários fixados e que gerariam a “milionária” quantia de R$ 69.334.095,83, devendo, por isso, ser a verba arbitrada dentro da lógica do razoável, nos padrões do art. 20, § 4º, do CPC [fl. 2438].

CRAGNOTTI & PARTNERS CAPITAL INVESTMENT BRASIL S.A. recorreu com o mesmo fundamento da capitalização ilegal de juros, com ofensa ao art. 4º, do Decreto 22.626/33. Reclama do julgamento no estado da lide e da incidência de juros sobre multa compensatória. O fundamento do recurso reside no fato de que está ocorrendo enriquecimento sem causa, em virtude de majoração do quantum devido sem uma razão que justifique a evolução do débito. Não se conforma com a multa em 18% e insiste na redução para 10% [fl. 2468].

Foram suscitadas preliminares. Os advogados que recorrem [fl. 2516] consideram que a apelação da NEWCO foi protocolizada com atraso de um dia.

Bombril Holding S.A e CIRIO afirmam que os Advogados não possuem legitimidade para discutir o valor da verba honorária [fl. 2585].

A NEWCO afirmou que a BOMBRIL HOLDING confessou, na recuperação judicial intentada, o débito na sua integralidade, o que prejudicaria o recurso nessa parte [fl. 5514].

Os Advogados querem a tutela antecipada para que os créditos de honorários sejam declarados preferenciais [natureza alimentar] para que se faça a reserva, na recuperação judicial, de R$ 58.642.209,20, sem prejuízo do quantum devido a esse título [R$ 87.963.313,80].

Decide-se.

Rejeito a preliminar de intempestividade do recurso de apelação da NEWCO. De acordo com a certidão de fl. 2482, a r. sentença foi publicada no DOESP do dia 7.12.2004, que é o regulador temporal dos recursos. Verifica-se que a apelação da NEWCO foi protocolizada no dia 3.12.2004. Ora, se os próprios Advogados afirmaram [fl. 2386], que o prazo de recurso venceria no dia 3.12.2004 [porque as partes tiveram ciência inequívoca do ato no dia 18.11.2004], não poderiam, agora, deduzir que o prazo venceria no dia 2.12.2004, porque tiveram ciência inequívoca no dia 17.11.2004. Há uma manifesta incoerência nessas duas manifestações, pelo que, considerando a data em que a sentença foi publicada, admite-se a tempestividade.

A NEWCO afirma que a BOMBRIL HOLDING confessou a dívida que questiona nos embargos, quando da listagem dos débitos informados na recuperação judicial, o que é verdadeiro. Anoto que não cito a página do processo, porque a numeração está completamente equivocada, com numerais repetidos e interrompidos. Há uma petição da NEWCO, sem número, onde se pede aplicação do art. 503, do CPC.

Embora se admita que o reconhecimento do débito, em sua plenitude, signifique mesmo concordância com a exatidão da expressão econômica que daria liquidez ao título, o que, em tese, representaria desistência explícita do direito de impugnar a exigibilidade, o recurso não está prejudicado porque outras expectativas entrelaçadas ao da BOMBRIL HOLDING, e que dizem respeito exatamente aos fundamentos que por ela estariam declinados, continuam vivos à espera de decisão judicial.

O sistema jurídico atende pela lógica da persuasão e dentro do espírito de racionalidade que informa o comando das decisões judiciais, não caberia fragmentar o que se vai decidir em blocos de resultados contraditórios. Se há uma solidariedade passiva a exigir uniformidade no exame das questões postas, a declaração da recuperação judicial passa a ter valor relativo no contexto geral, esvaziando sua importância e influência. Portanto, não caberia declarar a desistência do recurso da BOMBRIL HOLDING, quando as demais devedoras e recorrentes não consentiram com o que passou na recuperação judicial. Ademais, mesmo com o advento da Lei 11.101/2005, não se rompeu, no velho espírito da legislação falimentar, o empenho do Judiciário quanto ao dever de conferir, com rigor, a legalidade das declarações voluntárias das dívidas, inclusive ex officio.

Rejeita-se, portanto, o requerimento da NEWCO, sobre o art. 503, do CPC.

A ultimar essa fase, convém consignar que o requerimento dos Advogados [Drs. Antônio Augusto de Souza Coelho e Maria Conceição da Hora Gonçalves Coelho], de reserva de crédito de R$ 58.642.209,20, como de natureza alimentar, será objeto de consideração quando da valoração do capítulo da sentença que versou sobre a verba honorária.


Quanto aos recursos, dou começo com a análise dos recursos dos embargados, com exclusão da matéria “verba honorária”, por constituir fundamentação que se entrosa ao recurso dos Advogados e que será examinada em conjunto com este.

A questão posta nos embargos é unicamente de direito e comportava, sim, julgamento no estado da lide [art. 740, parágrafo único, do CPC]. O direito processual contemporâneo consagrou, em definitivo, a garantia do processo justo e que inclui a oportunidade real de produzir provas adequadas, sem, contudo, esquecer de que compete ao Juiz dispensar providências inúteis ou desnecessárias [art. 130, do CPC], um dever para com o princípio da efetividade, que é de ordem constitucional também [art. 5º, XXXV, da CF]. No caso, por não ser preciso realizar prova pericial para constar a liquidez da dívida, cuja exigibilidade é inquestionável, não teria sentido mandar produzir prova pericial. Fica, portanto, rejeitada a argüição de cerceamento de direito, por ter sido preparado, desenvolvido e concluído um processo justo, na perfeita mensagem do art. 5º, LV, da Constituição Federal.

Afirmou-se que o dano do julgamento no estado da lide decorre da frustração da expectativa de se provar capitalização dos juros e ou na incidência de juros extorsivos. Os embargantes afirmam que há ofensa ao art. 4º, do vetusto Decreto-lei 22.676/33 e Súmula 121, do STF.

A r. sentença distinguiu a negociação complexa entre as partes dos contratos de mútuos que são assinados com graves desvantagens daqueles devedores que, espremidos pela necessidade do empréstimo, se submetem ao poder de manipulação dos mutuantes, senhores únicos das taxas de juros ajustadas. A transferência onerosa do controle acionário da famosa sociedade brasileira sofreu treze aditamentos e que foram se sucedendo, no tempo, de acordo com a evolução do inadimplemento. Esses investidores que se adaptam com naturalidade às diretrizes financeiras impostas pelo mercado, não são débeis ou jejunos em assuntos relacionados com o capital investido, com conversão de dólares em reais, com apuração do saldo devedor pela inclusão de juros que são aplicados para evitar a defasagem da moeda em função da mora e dos próprios contornos do negócio não cumprido.

Seria ingênuo o Juiz que, analisando um caso dessa magnitude, concluísse serem os embargantes iguais aos devedores que caem nas mãos dos agiotas ao tentarem, com empréstimos de juros exorbitantes, alargar o nó da corda que envolve seus pescoços. A Lei de Usura mantém-se de pé por exprimir um princípio histórico da humanidade, qual seja, a luta contra a usurpação, no combate do lucro fácil, impossibilitando o aproveitamento das fraquezas das minorias, um esforço para derrotar a ilicitude e o enriquecimento sem causa. A venda de ações entre grupos internacionais, que se aventuram nas relações globais da economia, não é digna de insensatos mercadores, mas, sim, área de atuação de privilegiados especuladores que apostam nas informações e nos negócios concluídos com seguro assessoramento contábil e jurídico.

As restrições da liberdade de contratar surgiram devido à massificação dos contratos, um fenômeno criado pelos empresários, o que levou ENZO ROPPO a concluir que contratos celebrados com “condições gerais, formulários ou modelos Standard”, só existem quando “pelo menos um dos contraentes não seja empresário” [O contrato, tradução de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes, Coimbra, Almedina; 1988, p. 313]. O contrato que construiu o título executivo não é de adesão, mas, sim, confeccionado por empresários experientes em negócios.

É certo que a dívida sofria, a cada aditivo que se lavrava, modificação sobre o quantum devido. Ocorre que todas as alterações que se fizeram nesse sentido estão precedidas de justificativas e que explicam a intenção dos agentes da vontade declarada sobre a reestrutura do valor econômico da prestação. E não foi uma ou duas vezes que as partes se reuniram para reestruturação do negócio pendente, mas, sim, treze. Não é permitido supor que sofram, os mesmos personagens presentes em mais de uma dezena de reuniões, pressões psicológicas ou alguma influência externa capazes de obscurecerem a eficácia dos atos repetitivos que ratificaram e retificaram [quantum] sem reação adequada.

Na realidade, as conversações eram obrigatórias em virtude da interrupção do pagamento, como foram indispensáveis o remanejar dos valores atingidos pela inadimplência e pelo efeito da mora. Assim, tem-se como natural e perfeitamente consentâneo com o princípio das sucessivas renegociações, o acréscimo do valor do principal, que flutuante pela natureza do objeto transferido, dependia de equacionamento. E esse redimensionamento não foi realizado de maneira aleatória, como muito bem descobriu o digno Magistrado, pois as majorações foram acertadas devido à inserção das conseqüências econômicas da mora dos devedores.


Resulta do exposto que o único acréscimo lançado sem correspondência com a causa do contrato foi glosado pela r. sentença e diz respeito ao valor de US$ 20.820.000,00, incluído na evolução do saldo devedor como se fosse uma espécie de compensação do risco de perecimento da garantia [caução de 8.467.414.450 ações ordinárias, com direito a voto, da Bombril S.A.]. Esse é o único adendo digno de veto judicial, porque extrapola a base jurídica do negócio, consubstanciando uma outra sanção de mora, quando, como se verá, as projetadas indenizações foram injetadas na evolução do saldo devedor com o objetivo de reconstruir os efeitos nocivos da falta de cumprimento voluntário da obrigação. Ademais, como demonstrou a sentença, essa indenização suplementar que se inscreveu como risco, não se justificava pela inocorrência de ameaça do esvaziamento da caução oferecida, porque não ocorreu extinção da garantia.

Contudo, os recursos das embargantes merecem recepção quando questionam o valor da cláusula penal compensatória. O douto Magistrado reduziu a multa para 18% do valor atualizado da dívida, quando, pelo contrato, foi ela estimada em 20%. A cláusula em epígrafe não é de natureza “punitiva”, porque não sendo aplicada por trezes vezes em que o contrato foi retificado e ratificado, perdeu essa utilidade. Se a sua função foi a de estabelecer ressarcimento por um dano que foi projetado, igualmente se prejudicou, devido a ter sido esse dano projetado incluído no quantum debeatur. Embora se possa determinar a liquidação do prejuízo antes, a aplicação da cláusula penal de ressarcimento ocorre somente depois [ex post], ou seja, quando o dano se confirma [EUGENIO BONVICINI, Le responsabilità per i danni nel diritto delle obbligazioni, Giuffè, Milano; 1963, p. 210].

O art. 924, do CC, de 1916, permitia que o juiz reduzisse o valor da cláusula penal compensatória, quando o devedor cumprisse parte da obrigação. É bom esclarecer que o Código Civil, de 2002, não incide para resolver o conflito porque entrou em vigor em data posterior ao do contrato; porém, o art. 413, estabelece que o juiz deve mitigar a penalidade quando o devedor cumpre, em parte, a obrigação, ou quando o seu valor for incompatível com o prejuízo que busca ressarcir.

Na verdade, diante das transformações que modificaram a estrutura do direito obrigacional, passou a valer juízos de equidades na interpretação das conseqüências econômicas dos contratos, o que autoriza o juiz a reduzir “até ao nada” o quantitativo da cláusula penal, o que se justifica na hipótese de não ocorrer dano no incumprimento [GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, Coimbra; 6ª edição, 1982, p. 445]. Esse controle que o juiz realiza se deve à proteção da parte mais fraca [o favor debitoris] e aos valores da Justiça, como anotou ANTUNES VARELA [Direito das Obrigações, Forense, Rio, II, 1978, p. 174], podendo ser realizado de ofício [VON TUHR, Tratado de las obrigaciones, tradução de W. Roces, Madrid; 1934, II, p. 242].

Os embargantes cumpriram, em parte, a obrigação, porque quitaram uma parcela do preço. Essa circunstância já seria suficiente para fundamentar um decréscimo do percentual da cláusula penal. Porém, existe um outro fator de significativo mérito para essa controvérsia e que diz respeito aos sucessivos redimensionamentos do quantum debeatur, a partir da constatação de que era imprescindível majorar o valor da dívida em virtude dos efeitos da mora. Assim, porque os trezes aditivos provocaram uma evolução do saldo devedor com inclusão de acréscimos que não diziam respeito exatamente aos fatores de atualização [correção monetária e juros], é de se concluir que os reajustes foram calculados com as sanções da mora.

Ora, se a cláusula penal já funcionou anteriormente, não existe motivo para aplicá-la, agora, sob pena de fazer do instituto uma regra tormentosa para o justo equilíbrio do contrato, ainda que ele, contrato, claudique pelo não cumprimento. A cláusula penal compensatória perdeu, pelas sucessivas renegociações que não atenderam ao objetivo [de favorecer o pagamento], a sua função persuasiva e permaneceu no contrato para cumprir a outra tarefa que lhe reservou o ordenamento jurídico, qual seja, a de reparar os danos decorrentes da mora. No caso, essa função a cláusula cumpriu quando serviu para que as partes reajustassem o valor da dívida, apesar da atualização do valor da moeda e dos juros, o que elimina a sua incidência quando, finalmente, se confirmou que a mora não seria emendada sem a intervenção do Judiciário. Portanto, se fosse admitida a cláusula [ainda que de 18% ou 2%], ela não cumpriria o objetivo de reparar o dano da mora, mas, sim, multiplicar a sanção do atraso, o que é vedado pela lógica do contrato.

Não custa lembrar que POTHIER já ensinava que deveria ser permitido a redução a um “valor racional” da cláusula penal em contratos comutativos, para não permitir “que el acreedor se enriqueciera a expensas del deudor, exigiéndole una pena demasiado excesiva, y de un modo manifiesto superior al daño sufrido por la inejecución de la obligación primitiva” [Tratado de las obligaciones, Atalaya, Buenos Aires; 1947, p. 213, § 346].


Agora, o momento de analisar a questão dos honorários. Verifica-se que, pelas contas dos Advogados recorrentes, o valor da verba honorária fixada na r. sentença resulta em R$ 87.963.313,80. Os destinatários desejam majoração [acréscimo de 5%], enquanto os embargantes insistem na redução a patamares eqüitativos, como é da essência do instituto.

Observo que por consulta ao AgIn. 403.917-4/8, constata-se que por contrato assinado pela Newco com a Advocacia Gonçalves Coelho S/C., em 27.3.2002 [fl. 296/297], constou que a remuneração dos Advogados “consistirá em honorários advocatícios a serem fixados em juízo”, com anotação de que em caso de transação judicial ou extrajudicial, os honorários [a serem suportados pelos devedores] serão garantidos pela Newco, na proporção de 3%, se o valor recebido ficar em US$ 80 milhões a US$ 90 milhões; se receber entre US$ 100 a US$ 119 milhões, a verba será de 4%; se o recebimento oscilar entre US$ 120 a US$ 139 milhões, o percentual sobe para 5% e, finalmente, 6% caso a credora receba acima de US$ 140 milhões.

Considero que os Advogados são titulares de direito autônomo e podem, quando alijados da capacidade postulatória que justificou o trabalho remunerado, intervirem no processo dos ex-clientes para perseguirem a satisfação da verba, que é de natureza alimentar e digna de ser defendida [arts. 24 e § 1º, da Lei 8906/94]. Inclusive para recorrer, como se sucedeu na hipótese, conforme anotado pelo Advogado PEDRO DA SILVA DINAMARCO [Honorários de sucumbência no Superior Tribunal de Justiça, in Linhas Mestras do Processo Civil, obra coletiva da Atlas, 2004, p. 500]:

“Não faz o menor sentido dizer que a verba pertence ao advogado, que ele pode executá-la, mas que não pode questionar a sua fixação, ainda no processo de conhecimento. Isso significaria uma contradição sem precedentes. Felizmente, prevalece no Superior Tribunal de Justiça a corrente que reconhece a legitimidade do advogado de impugnar o valor dos seus honorários. Ou seja, ele tem legitimidade para recorrer como terceiro interessado (CPC, art. 499)”.

DINAMARCO cita os seguintes precedentes: “STJ, 4ª Turma, EDREsp 225.576-RS, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 19.12.2003, v.u.; 3ª Turma, Resp. 457.753-PR, rel. Min. Ari Pargendler, j. 29.11.2002, v.u.”

Contudo, por mais transparente e eficaz que seja o contrato no trato dessa questão, será impotente diante do poder discricionário do Juiz, que detém soberania absoluta para dispor sobre o quantum ajustado que se deve pagar, pela sucumbência experimentada. Veja-se que não se está cobrando, no processo, honorários contratados, mas, sim, honorários que foram fixados pelo trabalho desenvolvido e que, ao menos no processo e para o processo, se resume, praticamente, no ajuizamento da execução e da defesa dos embargos. Há um equívoco em pretender subordinar o raciocínio do juiz, que necessita ser o mais livre possível, aos termos do contrato, como se fosse obrigatório fixar a verba honorária que se arbitra quando os embargos são julgados, de acordo com o modelo convencionado pelas partes no contrato em que se documentou a dívida e que exterioriza o título executivo.

A prevalecer essa tese deveria o art. 20, do CPC, incluir, nos seus itens, um outro, dispondo competir ao juiz, quando arbitrar honorários devidos pelo princípio da causalidade, aplicar o percentual estabelecido pelas partes, no contrato. Como não existe semelhante regramento, é forçoso admitir que ao juiz cabe fixar, pelos critérios permitidos, o quantum devido.

Observa-se que em outros sistemas, como o do Uruguai, existe regra estabelecendo que “en caso de honorarios no concertados, se deberá pedir su regulación al juez de la causa” [ENRIQUE VÉSCOVI, Teoría general de proceso, Bogotá, Temis; 1984, p. 239]. No Brasil não há previsão que permita valer o que se convencionou no processo judicial, sendo que THEOTONIO NEGRÃO e JOSÉ ROBERTO F. GOUVÊA [“CPCLPV”, 37ª edição, Saraiva, 2005, p. 140, nota art. 20.5] catalogaram decisões no sentido de que a fixação dos honorários não pode ser objeto de convenção das partes.

Os Advogados sustentam que são dignos de mensuração máxima [20% do valor atualizado] porque a causa é complexa, o que não condiz com a situação exposta. Ao reverso, é de se admitir que a complexidade desapareceu quando as sucessivas renegociações do contrato filtraram os pontos omissos e duvidosos, definindo um modelo padrão de condutas e que se revelou invulnerável, salvo a questão da cláusula penal compensatória. O quantum debeatur não foi definido pelo trabalho dos Advogados, mas, sim, pelo título que sofreu treze emendas, todas voltadas para eliminar os focos da incerteza que poderiam conturbar o desenvolvimento de uma iminente execução forçada.

É de se afirmar, inclusive, que a credora não recebeu o seu crédito, o que coloca o serviço de advocacia em perspectiva de questionamento quanto ao resultado final. Embora o contrato de prestação de serviços jurídicos não tenha, a rigor, a envergadura de uma típica obrigação de resultado [até porque o regime jurídico é instável por força das múltiplas interpretações], essa conotação é bem mais patente quando a atuação do advogado é dirigida para a execução. Esse raciocínio implica em afirmar que há uma grande diferença quando se calcula a verba destinada a retribuir o advogado que consegue o pagamento da dívida e quando são arbitrados os honorários para o advogado que iniciou a execução e respondeu os embargos.


O momento de definir o valor da verba honorária é esse que a Turma Julgadora vivencia ao reexaminar a r. sentença que julgou os embargos e todos os aspectos relevantes dos trabalhos anteriores e contemporâneos que os Advogados executarem, para o interesse da causa, devem ser rigorosamente sopesados. Os Advogados pretendem receber mais de noventa milhões de reais, o que não deixa de constituir uma anormalidade quando se emprega o efeito correlação entre o trabalho a ser retribuído e o seu valor. Não há correspondência ou nexo jurídico entre o que se fez para o processo e a quantia de R$ 87.963.313,80, que seria o quantum fixado pelo digno Magistrado. E a situação passa a ser inquietante quando se constata que o mandato se extinguiu no curso do processo, uma situação que autoriza concluir que o significativo quantum, se mantido em sua dimensão, teria o dom de simplesmente privilegiar a captação de cliente com crédito astronômico e não exatamente o serviço produzido.

Uma outra situação, associada a essa interrupção do trabalho dos Advogados apelantes, requer estudo em função da retribuição que se deve pagar aos Advogados sucessores e que assumiram a responsabilidade pela seqüência da defesa do mandato. Isso porque, da forma como os Advogados apelantes estão conduzindo a questão, somente eles, com exclusividade, fariam jus aos honorários devidos pelo ajuizamento da execução, quando, se sabe, que outros, agora, estão exercendo o mister, em continuidade.

Não parece razoável concluir que os Advogados apelantes fiquem com 15% [ou 20%, como almejam] do valor da execução, enquanto os seus sucessores nada recebem, embora atuem com a mesma presteza e diligência. É preciso enfrentar essa questão e, por isso, enfatizei que o arbitramento da verba honorária não deve considerar, como considerou o despacho inicial que fixou em 20% ou como fixou o douto Juiz na sua sentença [15%], porque os pressupostos do arbitramento razoável e justo são, agora, outros, e, naturalmente, diversos. Os Advogados que sucederam os apelantes são detentores de uma parcela dos honorários, o que demandará, no futuro, questionamentos.

Considerando, pois, ser injustificável adotar o percentual fixado no contrato, porque o que consta do contrato, em termos de honorários, não vincula o juiz, é prudente mensurar o quantum devido em razão dos critérios do art. 20, § 4º, do CPC, o que obriga reduzir o quantum arbitrado pela r. sentença. O trabalho desenvolvido no processo não sustenta o arbitramento em quantia próxima de noventa milhões de reais, ainda que se possa presumir, como verdadeiro, o fato de terem os Advogados atuação em diversas frentes, inclusive no exterior, em busca de salvaguardar os direitos da credora. Tendo em vista o elevado valor da dívida, é muito mais adequado fixar a verba honorária em 5% do valor atualizado da dívida.

Anote-se que não é necessário, em casos excepcionais, observar o mínimo de 10% e o máximo de 20%, como previsto no § 3º do art.20 do CPC, sendo que a esse respeito convém transcrever a mensagem do ilustre Des. JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE, quando comentou o artigo 20 [“Código de Processo Civil Interpretado”, coordenação de Antônio Carlos Marcato, Atlas 2004, p. 107]: “A existência de limites máximo e mínimo poderia gerar situações injustas, pois há demandas de valor excessivamente alto ou muito baixo. Para a última hipótese, existe solução expressa: não está o juiz preso aos parâmetros legais, podendo valer-se da eqüidade (§ 4º). Nada há, todavia, para as custas de valor altíssimo, em relação às quais o percentual de 10% proporcionaria ao advogado ganho muito acima do razoável. Se honorários muito abaixo dos padrões normais não são compatíveis com a dignidade da função, também valores exagerados acabam proporcionando verdadeiro enriquecimento sem causa.

Nessa medida, parece razoável possibilitar ao juiz a utilização da eqüidade toda vez que os percentuais previstos pelo legislador determinarem honorários insignificantes ou muito elevados.”

Mesmo em caso de honorários convencionados, o poder quanto ao valor fixado não é “ilimitado”, como argumentou PAULO LUIZ NETTO LÔBO, que, nesses casos, o advogado deve “estar advertido contra a tentação aética de se transformar em sócio, sucessor ou herdeiro do cliente” [Comentários ao Estatuto da Advocacia, 2ª edição, Brasília Jurídica, 1996, p. 112]. Resulta que o percentual de 5% remunera, com dignidade, o serviço prestado, em função das alíneas “a”, “b” e “c”, do § 3º, do art. 20, do CPC. O quantum fixado pode ser conceituado como “exagerado”, que foi a expressão empregada pelo eminente BARBOSA MOREIRA ao analisar hipótese em que os honorários foram arbitrados em quantia próxima de cem milhões de reais; tal retribuição “ultrapassa os lindes do razoável” [Direito Aplicado II, Forense, 2000, p. 322/323].

Isso posto, nego provimento ao recurso da NEWCO, dou provimento, em parte, aos recursos dos embargantes e o faço para excluir a cláusula penal compensatória e para reduzir a verba honorária, fixando-a em 5% do valor atualizado da dívida.

Quanto à distribuição das despesas, declaro que não é caso de aplicar o art. 21, do CPC, porque a sucumbência parcial experimentada pela credora, foi computada no momento em que se definiu a verba honorária em favor dos Advogados da credora. Assim, se houvesse rejeição in totum dos embargos, o percentual da honorária seria superior ao que foi escolhido; como ocorreu exclusão de parte da dívida, para honrar o art. 21, do CPC, reduziu-se o percentual da honorária devida pela sucumbência. Esse critério é mais apropriado porque evita que os devedores, que não cumpriram integralmente a dívida, tenham crédito a receber, ainda que de honorários.

Quanto aos requerimentos dos Advogados recorrentes e que dizem respeito a classificação do crédito na recuperação judicial, declara-se que esse assunto deve ser discutido e decido na recuperação judicial.

ÊNIO SANTARELLI ZULIANI

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