Pílula de farinha

Laboratório indeniza mãe por gravidez indesejada

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12 de junho de 2006, 16h33

A mulher é senhora de sua gravidez. A gestação inesperada merece ser indenizada como dano moral pelo laboratório farmacêutico que, por reconhecida culpa, permitiu que fossem colocados no mercado pílulas anticoncepcionais inócuas. Não cabem considerações sobre a moralidade da condenação improcedente se considerada a atividade do fabricante.

Com esse fundamento a 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reformou em parte a sentença de primeira instância e manteve a condenação da Schering em 200 salários mínimos a Maria Bernardete de Carvalho. A consumidora, na época com mais de 40 anos, ficou grávida e depois veio a dar a luz a uma criança que sofre de Síndrome de Goldenhar ou displasia ocoloauriculovertebral.

A Schering para testar máquina de embalar o anticoncepcional Microvlar produziu algumas cartelas com comprimidos falsos, placebo. De alguma forma estes medicamentos inócuos que deveriam ter sido destruídos foram desviados e chegaram ao consumidor. Ficaram conhecidos como “pílulas de farinha”.

O caso em discussão diz respeito a uma ação de indenização por danos morais e materiais, acrescida de pedido de alimentos, proposta por Maria Bernadete de Carvalho. Ela alega que ficou grávida depois do uso do contraceptivo Microvlar, colocado indevidamente no mercado.

Em agosto de 2004, a juíza Violeta Miera Arruba, da 13ª Vara Cível Central, condenou a Schering do Brasil Química e Farmacêutica ao pagamento das despesas de pré-natal, com a compra ou reforma de moradia, utensílios domésticos, tratamento médico, aparelhos e medicamento. Além disso, determinou o pagamento de pensão mensal ao filho até este completar 18 anos, no valor mensal de dois salários mínimos e custear despesas com tratamento médico da criança até a maior idade, firmado com convênio médico ou seguro-saúde.

A magistrada condenou, ainda, a Schering a custear outras despesas médicas que o seguro não venha a cobrir, como tratamentos, medicamentos e aparelhos, além do pagamento de indenização por dano moral no valor de 200 salários mínimos.

A Schering recorreu alegando em síntese que não havia prova de que a gravidez tenha decorrido de problemas com o medicamento Microvlar, que a concepção deu-se em época anterior à derrama de pílulas falsas e que no caso em discussão não se aplicaria a legislação do consumidor. O laboratório alegou que a culpa era de terceiros e que a empresa era vítima de caso fortuito.

Para a turma julgadora a culpa da empresa é manifesta e que não a socorre a tese apresentada pela defesa da participação de terceiro. “Não importa o que tenha ocorrido, desvio, furto, erro, a culpa permanece sem qualquer dúvida”, apontou o relator do recurso, Gilberto Souza Moreira.

A turma julgadora também descartou o argumento da defesa da Schering de que a gravidez teria ocorrido antes da derrama do placebo no mercado. “A gravidez surgiu exatamente na mesma época em que se deram os fatos. A propósito nenhuma a conclusão no exercício da defesa na tentativa de demonstrar o contrário”, completou o relator.

“A rigor a maternidade não poderia mesmo ser vista como um dano, mas como uma dádiva à mulher que, privilegiadamente, mais do que ninguém consegue celebrar a vida. A realidade entretanto não é tão romântica. A mãe dos autos, a autora, à época da concepção já não era jovem, contava com mais de 40 anos, tinha o direito de planejar sua própria vida nas primeiras sinalizações da velhice. Os 40 anos também sinalizavam o risco, tanto maior quanto a delicadeza de sua saúde, atingida pela diabete”, afirmou o relator em seu voto.

Na opinião dele, houve grave perturbação na vida da família já estável em outra fase de sua história, com outra estrutura, com outros planos. Era plenamente justificável, portanto, o abalo, a comoção, a preocupação, a aflição com o risco e com a incerteza. Certo que tudo pode se resolver – e acredita-se esteja se resolvendo – da melhor forma com a solução miraculosa do amor, especialmente materno que tudo sublima. O sofrimento entretanto houve, inegavelmente”, completou o relator, no que foi seguido pelos desembargadores Arthur Del Guercio e Alberto Zvirblis.

Leia a sentença de primeira instância:

Tópico final da r.decisão de fls.747/760:Posto isso, JULGO PROCEDENTE o pedido constante da AÇÃO DE INDENIZAÇÃO ajuizada por MARIA BERNADETE CARVALHO contra SCHERING DO BRASIL QUÍMICA E FARMACÊUTICA LTDA para CONDENAR a ré a pagar à autora:

a) as despesas de pré-natal, cujo valor deve ser apurado em liquidação de sentença, atualizada monetariamente desde a data de cada pagamento, de acordo com os índices estabelecidos pela tabela prática do Egrégio Tribunal de Justiça do estado de São Paulo, e com juros de mora de meio por cento (0,5%) ao mês, a contar da citação;

b) as despesas posteriores a esse fato e efetuadas até a prolação deste veredicto (a adaptação da residência própria ou, na sua inexistência, a complementação do valor do aluguel de moradia que conte com mais um aposento para o recebimento do novo ser, a aquisição de roupas, móveis, utensílios domésticos, tratamento médico, aparelhos com ele relacionados , e medicamentos), cujo montante deve ser apurado em liquidação de sentença, atualizadas monetariamente desde a data de cada pagamento, de acordo com os índices estabelecidos pela tabela prática do Egrégio Tribunal de Justiça do estado de São Paulo, e com juros de mora de meio por (0,5%) ao mês, a contar da citação;

c) uma pensão mensal equivaleente a dois salários mínimos, desde a data do nascimento de sua filha até que ela venha a completar dezoito (18) anos de idade, nos termos da Súmula 490 do STF (a pensão deve ser calculada com base no salário mínimo vigente ao tempo de sentença ajustar-se-á às variações ulteriores);

d) as despesas com tratamento médico-hospitalar para a criança, até que ela complete dezoito (18) anos, fazeendo a ré um “seguro-saúde” ou convênio de assistência médica, com padrão máximo, em alguma empresa desse ramo e com a qual ela haverá até de ter convênio a facilitar o cumprimento da obrigação, sob pena de , não o fazendo, fazer depósito em conta bancária judicial, no valor equivalente a dois salários mínimos mensais, destinados a custeio do “seguro-saúde” ou convênio de assistência médica;

e) os tratamentos de saúde, aparelhos com eles relacionados e medicameentos – tudo com referência à criança e necessárias a partir da prolação deste veredicto – que o mencionado convênio não abarque, mediante a apresentação da respectiva receita médica, sob pena de , não o fazendo, fazer depósito em conta bancária judicial, no valor equivalente a um salário mínimo mensal, destinado a custeio dessas despesas;

f) uma indenização pelo dano moral no valor equivalente a duzentos (200) salários mínimos, tomando por base o valor do salário mínimo vigente na data da liquidação. Os valores referentes aos itens “a” e “b” serão pagos de uma só vez, pois não se referem a pensão mensal. As prestações já vencidas atinentes ao item “c”, bem como o valor atinente ao item “f” também serão pagos de uma só vez, acrescidos de juros de mora de meio por cento (0,5%) ao mês a contar da citação.

Defiro aqui, agora e em parte, conforme a fundamentação supra, a tutela antecipada, antes indeferida, e

CONDENO, desde logo, a ré a pagar à autora as condenações assentadas nos itens “c”, “d” e “e” acima, salientando que o disposto nos itens “d” e “e” deve ser cumprido no prazo de cinco (5) dias, sob as penas neles indicadas.

CONDENO a ré ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios que fixo em quinze por cento (15%) sobre o valor da condenação e das prestações da pensão, vencidas e doze das vincendas, nos termos dos §§ 3º e 5º do artigo 20 do Código de Processo Civil.

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