Família abalada

Empresa de transporte tem de indenizar por morte em acidente

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9 de junho de 2006, 14h24

É dever da empresa de transporte indenizar família de vítima que morreu em acidente. Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça condenou a empresa União Transporte Interestadual de Luxo a pagar R$ 60 mil aos pais e à irmã de um rapaz de 26 anos que morreu durante acidente de ônibus.

A família do rapaz recorreu ao STJ contra decisão do extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais, que determinou indenização no valor de R$ 20 mil aos pais e R$ 10 mil à irmã e negou o pedido de pensão mensal pretendida.

O tribunal mineiro entendeu que deve haver uma diferenciação entre os valores recebidos pelos pais e pela irmã, porque “deve-se separar o abalo íntimo dos pais daquele imposto à última suplicante, irmã da vítima, não podendo todos serem valorados e compensados da mesma forma, mormente em razão de que a dor trazida pela perda de um filho não pode ser equiparada àquela relativa à perda de um irmão”.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso no STJ, entendeu que “avaliar a dor sentida pela família diante da perda prematura de um ente querido é tarefa por demais custosa, e que, por isso mesmo, não pode ser desprezado ou ignorado o abalo moral suportado”. Ela equiparou o valor a ser pago a cada recorrente seguindo a média de valores fixados pelo STJ, em outros julgados sobre o mesmo tema, que varia de 200 a 625 salários mínimos divididos entre os postulantes da indenização.

Quanto à pensão mensal, a ministra confirmou o fundamento apresentado pelo Tribunal mineiro de que não há comprovação de que o rapaz morto morasse com a família, condição fundamental para a concessão desse tipo de pedido. As despesas com o jazigo perpétuo também serão ressarcidas pela empresa de ônibus.

Resp 710.879

Leia a íntegra da decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 710.879 – MG (2004/0177882-4)

RECORRENTE : VITAL DA SILVA VIEIRA E OUTROS

ADVOGADO : MARCELO TADEU DE OLIVEIRA

RECORRIDO : UNIÃO TRANSPORTE INTERESTADUAL DE LUXO S/A – ÚTIL

ADVOGADO : JAIRO JOSÉ LEMKE DE ALBUQUERQUE E OUTROS

Relatora: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RELATÓRIO

Recurso especial interposto por VITAL DA SILVA VIEIRA, VITÓRIA RÉGIA ANDRADE VIEIRA e VIVIANE ANDRADE VIEIRA com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo extinto TA/MG.

Ação: os recorrentes ajuizaram ação de indenização por danos morais e materiais em face de UNIÃO TRANSPORTE INTERESTADUAL DE LUXO S/A – ÚTIL, ora recorrida, em virtude de acidente rodoviário que envolveu ônibus da empresa, ocasionando o falecimento do passageiro RODRIGO ANDRADE VIEIRA, filho e irmão dos recorrentes, que na data contava com vinte anos de idade.

Sentença (fls. 498/504): o pedido foi julgado parcialmente procedente para condenar a empresa transportadora: (i) a pagar, a título de danos morais, o valor equivalente a 500 (quinhentos) salários mínimos vigentes à época do efetivo pagamento, para cada um dos recorrentes; e (ii) a ressarcir as despesas havidas com o jazigo perpétuo.

Acórdão (fls. 619/655): o TA/MG negou provimento ao recurso adesivo interposto pelos recorrentes e conferiu parcial provimento à apelação interposta pela empresa recorrida para reduzir o valor referente aos danos morais para R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para cada um dos dois primeiros recorrentes (pais da vítima) e R$ 10.000,00 (dez mil reais) à irmã do falecido, mantida a sentença quanto às demais questões.

Embargos de declaração (fls. 666/675): rejeitados.

Recurso especial: interposto sob alegação de ofensa aos arts. 159 e 1.521, III, do CC/16, e 514 do CPC. Insurgem-se contra a redução do valor fixado a título de indenização por danos morais e a improcedência do pedido concernente à pensão mensal.

Contra-razões: às fls. 714/721.

Inadmitido o recurso, sobreveio agravo de instrumento ao qual conferi provimento para melhor exame do presente recurso especial.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 710.879 – MG (2004/0177882-4)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : VITAL DA SILVA VIEIRA E OUTROS

ADVOGADO : MARCELO TADEU DE OLIVEIRA

RECORRIDO : UNIÃO TRANSPORTE INTERESTADUAL DE LUXO S/A – ÚTIL

ADVOGADO : JAIRO JOSÉ LEMKE DE ALBUQUERQUE E OUTROS

Relatora: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

VOTO

A matéria a ser debatida no presente recurso especial consiste em perquirir quanto ao acerto ou não do Tribunal estadual em reduzir o valor da reparação por danos morais devidos aos pais e irmã de passageiro de ônibus que veio a falecer em decorrência de acidente rodoviário.

– Da violação aos arts. 514 do CPC; 159 e 1.521, III, do CC/16

Os recorrentes alegam violação aos arts. 514 do CPC e 1.521, III, do CC/16, porém, não demonstram, nas razões do presente recurso especial, de que forma teriam sido violados tais dispositivos, mostrando-se o pleito deficiente em sua fundamentação, a teor da Súmula 284 do STF.

Ademais, cumpre assinalar que a matéria jurídica versada no art. 514 do CPC não foi apreciada pelo Tribunal estadual no acórdão recorrido, o que impede, igualmente, a abertura do debate, no particular, ante o óbice da Súmula 211/STJ.

Além disso, verifica-se que ao manter a improcedência do pedido referente à indenização por danos materiais, laborou o Tribunal de origem com base nos fatos e provas apresentados no processo, nos termos a seguir expostos:

(fl. 646) – Deve-se observar que o pedido de pensão mensal, embora para encontrar o provimento desejado não seja necessário a comprovação de dependência econômica, tratando-se de pais e filhos, deveria restar demonstrado nos autos a coabitação entre o falecido e os autores, para que houvesse a prevalência da presunção estabelecida pelos artigos 397 e 1.537 do Código Civil de 1916, independentemente de o requerimento ter sido postulado pelos pais e irmã da vítima e dessa ter uma filha que poderia também depender de seus rendimentos.

(fl. 647) – No presente caso, além de não haver qualquer comprovação pelos suplicantes de que se tratam de pessoas que necessitam de ajuda de seus filhos, a documentação trazida com a inicial não consegue deixar claro se o falecido residia especificamente em Belo Horizonte, ou no Rio de Janeiro, havendo indícios de que, nos últimos dias sua residência era de fato na Capital fluminense, o que infere o acerto da douta decisão de primeiro grau nesse sentido, ainda que outros sejam os fundamentos.

Com base nessas observações, a modificação do julgado conforme pleiteiam os recorrentes, demandaria a incursão no quadro fático probatório do processo e ao STJ só é dado fixar a jurisprudência relativa à interpretação de lei federal, devendo considerar os fatos tais como delineados no acórdão recorrido, insuscetíveis, portanto, de reexame.

– Do valor dos danos morais

Em relação ao valor fixado a título de danos morais, o STJ firma-se no entendimento de que o bom êxito da inconformidade com o arbitramento ocorre quando o valor fixado destoa daqueles estipulados em outros julgados recentes deste Tribunal, observadas as peculiaridades de cada litígio.

São vários os julgados nesse sentido: REsp 208.795/MG, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 13/5/1999; REsp 457.038/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 23/06/2003; e REsp 740.441/PA, de minha relatoria, DJ de 01/07/2005.

O acórdão recorrido analisou a questão nos seguintes termos:

(fl. 642) – In casu, tem-se como incontroversa a circunstância de que o filho e irmão dos requerentes contratou com a empresa suplicada o seu transporte até o município de Belo Horizonte, MG, tendo ocorrido o acidente nas proximidades do município de Barbacena/MG, estando, assim, delineado o transporte necessário à caracterização da responsabilidade objetiva pelo ressarcimento dos danos morais descritos na exordial(…)

(fls. 645/646) – Importante salientar, tendo em vista o mesmo pedido de danos morais efetuado por todos os autores, que deve ser procedida uma diferenciação entre os sentimentos trazidos à baila, devendo-se separar o abalo íntimo dos pais daquele imposto à última suplicante, irmã da vítima, não podendo todos serem valorados e compensados da mesma forma, mormente em razão de que a dor trazida pela perda de um filho não pode ser equiparada àquela relativa à perda de um irmão, ainda que em ambas as hipóteses seja inegável o dano moral pretendido.

Destarte, tem-se que o arbitramento do montante indenizatório deve ter por parâmetro, dentre outros aspectos, as condições da vítima e do ofensor, o grau de dolo ou culpa presente na espécie, bem como os prejuízos morais sofridos pela vítima, devendo-se entender como eqüitativas as quantias que fixo em R$20.000,00 (vinte mil reais) para cada um dos dois primeiros autores, pais da vítima e R$10.000,00 (dez mil reais) para a última suplicante, sua irmã(…)

Dos julgados do STJ sobre o tema, verifica-se que os valores fixados a título de danos morais, em hipóteses semelhantes, tem oscilado entre o equivalente a 200 e 625 salários mínimos, valores esses divididos entre os postulantes da reparação, se houver mais de um.

Exemplificam esse posicionamento, os seguintes precedentes, todos eles relacionados a acidente envolvendo transporte coletivo com resultado morte de passageiro:

i) REsp 721.091/SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 1º/2/06 – majoração do valor de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) equivalente à época a 500 (quinhentos) salários mínimos, para R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais), equivalente a 625 (seiscentos e vinte e cinco) salários mínimos, destinados unicamente à mãe da vítima;

ii) REsp 703.878/SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 12/9/05 – majoração do equivalente a 200 (duzentos) salários mínimos, para R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais), equivalente a 500 salários mínimos à época, valor destinado aos pais da vítima;

iii) REsp 575.523/RJ, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 2/8/04 – manutenção do valor em R$ 100.000,00 (cem mil reais), concedido à mulher da vítima;

iv) REsp 503.241/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 15/12/03 – manutenção do valor no equivalente a 300 salários mínimos, destinado à mulher e aos dois filhos da vítima;

v) REsp 330.288/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 26/8/02 – manutenção do valor no equivalente a 200 salários mínimos, concedido aos filhos e irmãos da vítima;

vi) REsp 293.292/SP, de minha relatoria, DJ de 8/10/01 – manutenção do valor no equivalente a 300 salários mínimos, concedido à mãe da vítima;

vii) REsp 217.528/SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 9/4/01 – fixação do valor em 300 salários mínimos, para a mãe da vítima.

Avaliar a dor sentida pela família diante da perda prematura de um ente querido é tarefa por demais custosa, e que, por isso mesmo, não pode ser desprezado ou ignorado o abalo moral suportado.

Sem descurar dessa ótica, o valor fixado em 1º grau de jurisdição foi o equivalente a 500 salários mínimos para o pai, 500 salários mínimos para a mãe, e 500 salários mínimos para a irmã do falecido; em 2º grau, foi reduzido para R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para o pai, a mesma quantia para a mãe, e R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a irmã.

Considerando as peculiaridades da hipótese conforme exposto no acórdão recorrido, deve ser o valor majorado, no entanto, não restabelecido aquele fixado na sentença, que se mostra excessivo.

Assim, deverá a empresa de transporte coletivo pagar, a título de danos morais, o valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) para cada um dos recorrentes.

Forte em tais razões, CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso especial e, nessa parte, DOU-LHE PROVIMENTO para fixar a título de danos morais o valor de R$ 60.000,00 para cada um dos recorrentes, incidindo juros legais a partir do evento danoso (Súmula 54/STJ) e, correção monetária da data desta decisão até o efetivo pagamento.

Custas processuais e honorários advocatícios mantidos nos termos em que fixados em segundo grau de jurisdição.

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